Em meio a uma tarde calma e quente de quinta-feira, Judite La Cruz Lara entra pela porta da loja pedindo ajuda. Carrega uma sacola pesada de objetos em cada mão. Ali, na quadra da Avenida João Pessoa que faz esquina com o Brique da Redenção, na região central de Porto Alegre, aos finais de semana ela comanda um negócio que começou com a mãe uruguaia, Delma Gomez, e provavelmente continuará com a filha adolescente, Eugênia. Elas se aproximam para comentar o que a mãe recém garimpou de uma casa.
As três mulheres estão à frente do Teia de Aranha, misto de brique e antiquário que vende desde álbum de figurinhas da Família Dinossauros até um vaso chinês de dezenas de milhares de reais. Na compra recém feita, Judite conta o que mais a atraiu:
— Galinhas! As pessoas são loucas por coleções de galinhas. Não param na loja.
De imediato ela desembala três delas, que servem de porta-miudezas. Duas, de porcelana, têm valor também pela antiguidade e desenho da peça. A terceira é contemporânea, mas foi comprada mesmo assim por ser "bonitinha". Em seguida, ela mostra outra peça cuja venda é dada como certa nos próximos dias. Um carrinho comum a olhos leigos. Judite explica o porquê de peça ter um valor de venda três vezes superior ao que ela pagou.
— Observa como a portinha abre no sentido inverso. É uma miniatura antiga, do tempo em que as portas dos carros se abriam dessa forma. Além disso, não há plástico. Ele é todinho de metal. Acredito que muitos homens compram carrinhos hoje porque sonhavam com eles e não tiveram quando criança — aponta Judite, batendo a unha contra o minicapô.
Assim, por meio das histórias das suas lojas e das suas peças, donos de briques e antiquários de diferentes perfis contaram a GaúchaZH alguns dos segredos de um mercado baseado em feeling, faro e focado em ressuscitar objetos ao recolocá-los na vida de novos proprietários. Algo que sempre existiu, mas que ganhou fôlego com a moda vintage, com o discurso da sustentabilidade e com a popularidade do Instagram.
Atirado em uma namoradeira de madeira, Bernardo Kessler, há oito anos à frente do Via Brick Chick, faz questão de recomendar aos clientes que se aventurem nos fundos da loja na José do Patrocínio, na Cidade Baixa. Incentiva, inclusive, que eles abram as gavetas dos armários, forradas de objetos.
— O grande barato é o cliente descobrir uma peça. Para poder dizer: "Bá, olha o que eu achei! Eu garimpei!". Também é mais ou menos a forma como compramos. Porque é um ramo de negócios sem fornecedores. Somos todos garimpeiros — conta.
O grande barato é o cliente descobrir uma peça. Para poder dizer: "Bá, olha o que eu achei! Eu garimpei!".
BERNARDO KESSLER
Proprietário da Via Brick Chick
Muitos móveis e objetos surgem de famílias interessadas em vender posses de pessoas que morreram, idosos se mudaram por motivos de saúde ou que simplesmente precisam de dinheiro. Outro caminho é percorrer o Interior em busca de objetos que se tornaram relíquias na Capital.
— Eu mesmo, não faz muito, comprei em Lajeado uma cadeira de barbeiro que, para não me sentir mal, paguei o dobro do que o dono estava me pedindo. Deu uma trabalheira, mas depois de restaurada, vendi por seis vezes mais — conta Bernardo.
Reza a lenda que, décadas atrás, antiquários se abasteciam circulando pelo Interior convencendo pessoas a trocar sua mobília velha, mas de materiais de resistência praticamente eterna, por móveis novos e frágeis, adquiridos a preço de banana em lojas da Capital. Mas esse tempo é passado.
— Acho que esse jogo já virou. Agora, somos nós quem temos de trazer as pessoas interessadas em nos vender para a realidade. Sobretudo se o móvel precisará de restauração — conta Rodrigo Sandri, que desde o final de 2017 mantém a Mundaréu na Rua Hoffman, no bairro Floresta.
Sócio da Mercado Negro Antiguidades, Paulo Hippen faz coro.
— Muitas coisas apenas se parecem antigas, mas são contemporâneas e as pessoas não sabem a diferença. Dizem: "Ah, mas era da minha avó". Sim, era, mas ela comprou no bazar do supermercado — conta Hippen, um dos idealizadores do Caminho dos Antiquários, que reúne quase duas dezenas de lojas no Centro Histórico.
O "hype" do vintage e sustentável
Ao longo de uma década, Rodrigo Sandri garimpou móveis e objetos por hobby. Antes de se aventurar com um negócio, chegou a pagar aluguéis para acomodar posses sem destino certo. Além da vontade de "dividir com as pessoas essa paixão", Rodrigo declara que o início da Mundaréu — em um vasto galpão na Rua Hoffmann, no bairro Floresta — se deu por um segundo motivo.
— Incentivar o reúso. Via e ainda vejo as pessoas jogarem muita coisa legal fora. Meu Deus, essa madeira nunca mais vai ser extraída e o cara está jogando no contêiner de lixo! Não pode jogar uma cômoda de jacarandá no lixo. Não pode jogar sequer um pedaço de jacarandá no lixo! — exalta-se o proprietário.
Via e ainda vejo as pessoas jogarem muita coisa legal fora. Meu Deus, essa madeira nunca mais vai ser extraída e o cara está jogando no contêiner de lixo! Não pode jogar uma cômoda de jacarandá no lixo. Não pode jogar sequer um pedaço de jacarandá no lixo!
RODRIGO SANDRI
Proprietário da Mundaréu
Embora o mercado de antiguidades seja tão antigo quanto o nome, o despertar para o valor dessas peças entre o público jovem é recente. Vem, segundo os proprietários, de uma negação do descartável. Hoje, muitos cobiçam mais a penteadeira a avó do que um móvel moderno sob medida. Um pouco pela sustentabilidade e muito pelo charme dos objetos "vintage".
Outro desdobramento dessa filosofia aparece em cafés, casas noturnas e até mesmo consultórios, salões de beleza e escritórios que apostam em objetos antigos na decoração. Objetos que despertem curiosidades, sorrisos e compartilhamentos no Instagram. Por isso, estabelecimentos comerciais também se tornaram mercado para os donos de antiquários, que viraram consultores e decoradores informais.
Saber valorar esses objetos decorativos é um dos baratos. Entre as proprietárias da Teia de Aranha, mãe e filha costumam escrever em um papel, sem mostrar uma à outra, o valor que atribuiriam para um objeto que será posto à venda.
— Olha, se não concordamos é por R$ 5 — conta Delma Gomez, a matriarca da família.
Dono da Vinhati Antiguidades, no Floresta, Elias Vinhati mostra a diferença entre taças coloridas igualmente charmosas a distância, mas a primeira custa R$ 50, outra chega a R$ 500. É que a segunda traz as características do trabalho a mão típicas da companhia francesa de cristais Baccarat. Outra peculiaridade dos antiquários é estarem cercados por objetos valorizadíssimo, mas com zero interesse para ladrões.
— Eles não conseguem revender. Se roubam, acabam tentando vender a peça a um colega nosso, que alerta a vítima. Certa vez me furtaram aqui à noite. Levaram sabe o quê? Os computadores. E deixaram um violino caríssimo ao lado intacto — conta Paulo Hippen, da Mercado Negro.
Nem todo objeto, por mais antigo e bonito que seja, interessa. Máquinas de costura, não se sabe o motivo, não despertam comoção. No estoque da Mundaréu há pelo menos cinco sem compradores. O tamanho minúsculo dos apartamentos novos também vem dificultando o comércio de móveis grandes, como cristaleiras e sofás. Equipamentos de som têm muita procura, mas também um custo alto de restauração que muitas vezes afasta compradores. Já outros objetos despertam interesse surpreendente. Colares de balangandãs, objetos decorativos e amuletos de boa sorte da cultura negra, são procuradíssimos. Lembrancinhas de antigas companhias aéreas, como a Varig, também. Sapatinhos e dedais são outros campeões de popularidades.
Na Via Brick Chick, Bernardo Kessler pede que o repórter aponte para um objeto que não parece, mas custa R$ 600. Para incredulidade do proprietário, aponto para uma galinha de cristal esmeralda, não maior do que o palmo da mão. Na mosca. É um mercado curioso, mas se aprende rápido.