Uma ação ajuizada pelo Ministério Público mira episódios de assédio moral dentro da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). O centro da apuração é o ex-gerente de fiscalização Zigomar de Souza Galvão, apontado por agentes de trânsito como responsável por fazer pressão para que se aumentasse o número de autuações — a punição a quem não se enquadrasse na orientação seria a transferência para outras funções. Conforme a investigação do Ministério Publico, a orientação é adotada desde 2014, quando Zigomar era coordenador do Posto de Controle Avançado Norte (PCA Norte). A pressão se intensificou quando ele assumiu o posto de gerente de fiscalização de trânsito, em 2017.
GaúchaZH tentou contato com Zigomar durante os últimos dias, mas não conseguiu falar com o ex-gerente de fiscalização até o fechamento desta reportagem.
Na ação civil pública por improbidade administrativa, a promotora de Justiça Roberta Brenner de Moraes, da Promotoria Especializada Criminal de Porto Alegre, alega que Galvão praticava assédio moral.
Conforme o MP, ele exercia com arbitrariedade a transferência de agentes de trânsito a partir do número de multas aplicadas. Segundo a promotora, no período em que Galvão exerceu o cargo de gerente de fiscalização, "foi observado significativo aumento do número de autuações de trânsito".
Galvão foi desligado da função de gerente em setembro por outro motivo, sem relação com a apuração: após ser parado em uma blitz da Balada Segura, negou-se a fazer o teste do etilômetro. Mas a promotora solicitou o afastamento de Galvão das funções públicas, já que ele seguia vinculado à empresa, lotado na Equipe Veículos de Tração Animal (EVTA).
A 5ª Vara Fazenda Pública indeferiu o pedido da promotora, e o Ministério Público ingressou com um agravo de instrumento, que foi deferido pelo Tribunal de Justiça. A EPTC já foi notificada sobre a decisão de que Galvão não pode mais atuar como servidor público.
Conforme a promotora, a ação pede que apenas Galvão seja responsabilizado, porque os demais suspeitos de pressionarem os agentes de trânsito eram subordinados a ele.
— É um número exagerado de autuações que nem sempre corresponde à realidade. Pela falta de condições do agente de fazer um juízo valorativo necessário, que pressupõe tranquilidade e autuar com certeza do que está fazendo. Como cidadã e, vendo tudo que foi apurado, com dados concretos, com números, depoimentos — alguns emocionados de pessoas que foram prejudicadas e que admitem ter feito inúmeras autuações sem a certeza necessária que a função exige — acho que sim, que é uma indústria da multa — relata Roberta.
A promotora destacou que uma das principais formas de pressão era por meio do sistema de comunicação via rádio dos agentes de trânsito. Os fiscais seriam obrigados a falar quantas autuações já haviam registrado no período de trabalho.
EPTC afirma que transferências "não tinham viés de punição"
A EPTC afirma que "jamais a transferência de um funcionário teve viés de punição", mas sim "reposição de pessoal em coordenações, equipes e postos de comando que tinham necessidade de mais agentes de fiscalização em virtude dos mais variados motivos".
"É da essência do serviço prestado pela EPTC o remanejamento de seu contingente para atender as demandas que surgem diariamente de acordo com a necessidade de cada momento".
A empresa pública também diz que "serão apresentadas provas no processo que comprovarão a inexistência de 'indústria da multa', pois jamais houve a 'fabricação' de multas inexistentes".
Diretor-presidente da EPTC entre 2010 e 2016, Vanderlei Cappellari relata não ter informações sobre assédio ou coação a funcionários públicos para aplicação de multas. No período, Zigomar atuou como coordenador das equipes de fiscalização da Zona Norte.
— A gente acompanhava permanentemente todas as chefias. O perfil do Zigomar era bastante operacional e desenvolvia ações conjuntas com a Brigada Militar e órgãos parceiros. Nenhuma informação foi me passada de que haveria pressão. Caso isso viesse ao meu conhecimento, eu tomaria medidas, porque é algo grave. Ele era bastante operacional — afirma.
Como os agentes eram coagidos, conforme o MP
- Pressão direta sobre os agentes de trânsito, em contatos individuais e em reuniões na EPTC
- Determinação para que informassem, diariamente, no rádio da empresa, o número de autuações realizadas, de modo a intimidar e gerar ambiente de competição entre os empregados
- Categorização dos agentes de trânsito em planilhas, a partir do número de autuações realizadas
- Transferência compulsória de turno e posto de trabalho, com caráter punitivo, dos agentes de alguma forma contrários às práticas ilícitas ou que não alcançassem os números de autuações esperados
- Concessão de benefícios, como reconhecimento profissional e a possibilidade de realização de horas-extras, aos agentes que, cedendo à pressão, aderissem às determinações para incremento do número de autuações.
Conversas gravadas na EPTC embasam ação
A promotora Roberta Brenner de Moraes utilizou gravações feitas por agentes para fundamentar a ação protocolada na Justiça em novembro. Ela escreve que o conteúdo dos áudios corrobora os depoimentos.
"Não apenas o escopo arrecadatório da pressão psicológica exercida sobre os fiscais, mas também as ameaças de punições direcionadas aos agentes", relata a promotora.
Em um dos áudios transcritos, Galvão diz:
— O que vocês estão fazendo hoje resolve o nosso problema financeiro a partir da metade do ano que vem.
Em outro ponto, o então gestor vai além:
— Esses caras que jogam balde de água, de água aí, sempre é bom contar pro gerente, né? Às vezes a gente bota eles de tarde assim, num PCA que nós estamos precisando, o sol quente, assim, na moleira assim, ajuda a [inaudível].
Em outro trecho, Galvão afirma:
— Se eu tiver que chamar ali o, dizer "ô negão, tu tá mal, tá assim, assim", eu chamo, falo e faço, se tiver que transferir eu transfiro, se tiver que punir eu puno, faço minhas porcarias.
O que diz o ex-gerente
GaúchaZH tentou contato com Zigomar durante os últimos dias, mas não conseguiu falar com o ex-gerente de fiscalização até o fechamento desta reportagem.