A suposta pressão exercida pelo ex-gerente de fiscalização da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) Zigomar de Souza Galvão para que agentes aumentassem o número de multas aplicadas já rendeu a ele uma condenação em primeira instância em outro processo, na Justiça do Trabalho, por assédio moral. Funcionários da empresa pública afirmam que quem não cumprisse as orientações de Galvão recebia punições, como a troca de posto de trabalho.
GaúchaZH tentou contato com Zigomar durante os últimos dias, mas não conseguiu falar com o ex-gerente de fiscalização até o fechamento desta reportagem.
Obrigada a pagar R$ 15 mil e recolocar o funcionário no antigo posto, do qual havia sido transferido, a empresa pública recorreu da decisão, e o processo corre em segunda instância. O agente que moveu a ação e teve ganho parcial de causa trabalhou por 19 anos no Posto de Controle Avançado Norte (PCA Norte).
No final de 2017, ele foi chamado para um encontro e gravou a conversa:
— Galvão: Estou te chamando aqui para te dar ciência deste documento.
— Agente: E o que significa isso?
— Galvão: Resumidamente, o senhor está sendo transferido para o PCA Centro a partir de amanhã, das 14h às 20h
— Agente: Isso é algum tipo de punição?
— Galvão: Não. Este documento que o senhor poderá ler agora vai explicar o porquê da transferência. Estou me manifestando por escrito. E solicito que os contrapontos sejam por escrito.
— Agente: Estou neste posto de trabalho há 19 anos. Estou encarando isso como uma punição.
— Galvão: Não é punição. Qualquer manifestação e solicitação de reconsideração deve ser por escrito. Não vamos ficar aqui conversando sobre essa situação.
Tu está com algum problema. Tu não está enxergando? Tu não está vendo? Eu vou sair contigo, sair junto, e dar uma volta. E se tu ver uma infração, tu tem que aplicar a infração.
O documento em questão, ao qual GaúchaZH teve acesso, informa que o funcionário tinha atuação "abaixo da média", conforme dados como aplicação de multas, atendimentos a acidentes de trânsito e orientação manual do trânsito. No documento, a gerência da EPTC alegou que o agente circulava com o rádio comunicador da viatura desligado e fazia extensos intervalos. Por fim, o documento indicou que a troca de posto poderia fazer o agente melhorar sua performance e conduta no trabalho.
Em outro caso, um funcionário que trabalhava no plantão de atendimento de ocorrências no Centro foi chamado pelo supervisor para tratar do baixo número de infrações aplicadas. A reunião também foi gravada.
— Supervisor: A coisa está ficando ruim. Vamos se mexer. O que é cobrado de nós, eu tenho que passar para vocês. Não é uma questão de pegar no pé. Eu tô falando olho no olho que as coisas estão mudando. Tu vai ser prejudicado por uma coisa que tu consegue mudar.
— Agente: Prejudicado em que sentido?
— Supervisor: Daqui a pouco, a gente vai ver. O que está acontecendo? Tu está com algum problema. Tu não está enxergando? Tu não está vendo? Eu vou sair contigo, sair junto, e dar uma volta. E se tu ver uma infração, tu tem que aplicar a infração.
Ouça o áudio com as escutas:
O agente seguiu atuando no Posto Comando Avançado Centro (PCA Centro) durante o turno da tarde, mas não teria adotado a orientação de aumentar as multas. Dois meses depois, acabou sendo trocado de horário. Ao GaúchaZH, o agente alega que a ênfase na aplicação de multas é superior a outras exigências na EPTC . Ele diz que chegou a aplicar multas injustas durante abordagens:
— Numa blitz, meu chefe abordava os carros e passava para mim. Ele estava de olho para ver se eu ia fazer mesmo. Ele disse: "O pneu está careca". Eu olhei os pneus e o TWI (indicador de desgaste). São quatro marcações. Uma estava próxima ao TWI. Não chegou. Mas ele disse que tinha que fazer (a autuação). Aí fiz por medo de represálias. Tinha essa pressão de ser transferido.
Sindicato procurou o Ministério Público do Trabalho
Marcelino Pogozelski, presidente do Sindicato dos Agentes de Trânsito de Porto Alegre (Sintran), afirma que comunicou a prefeitura sobre transferências arbitrárias, mas as conversas com gestores não teriam surtido efeito. A entidade procurou, então, o Ministério Público do Trabalho (MPT).
— A empresa não tomou a sua devida obrigação de averiguar. Simplesmente transferiu agentes e a gente fez o procedimento legal e abriu processo — disse.
A partir de denúncias ao MPT, que instaurou um inquérito civil, representantes do sindicato também relataram em depoimento sobre as trocas de setor.
Contraponto
Conforme a EPTC, "o que há por parte da empresa é a cobrança de autuações estritamente nos casos em que houver infração, pois este é o dever do agente de fiscalização de trânsito, o qual não tem a discricionariedade de escolher quando autuar, existindo infração ele tem a obrigação legal de autuar".
A empresa pública diz que jamais "determinou que fossem aplicadas autuações quando inexistentes infrações, visto que tal conduta tipifica crime" e "também é motivo para penalidade disciplinar interna".
A empresa pública diz, ainda, que "já houve procedimento administrativo movido pelo Ministério Público do Trabalho e que foi arquivado porque não foi constatado qualquer indício de assédio moral, assim como foram ajuizadas ações trabalhistas individuais por funcionários que se sentiam assediados e que acabaram julgadas improcedentes porque também não foi constatado nada além das exigências usuais exigidas do cargo de Agente de Fiscalização de Trânsito".
GaúchaZH tentou contato com Zigomar durante os últimos dias, mas não conseguiu falar com o ex-gerente de fiscalização até o fechamento desta reportagem.