Inaugurado há 14 anos e com R$ 16 milhões gastos na construção dos prédios e na pavimentação da pista, o Complexo Cultural do Porto Seco vive hoje um completo cenário de abandono. Com a prefeitura prestes a passar a administração do local para as escolas de samba, há dúvidas sobre a viabilidade de sua gestão.
A gravidade da situação é resumida pelo presidente da Liga Independente das Escolas de Samba de Porto Alegre (Liespa), Juarez Gutierrez, com a seguinte frase:
– Estamos com uma bomba-relógio na mão.
Atualmente, a área no bairro Rubem Berta, na zona norte de Porto Alegre, é um verdadeiro motel a céu aberto, atrai usuários de drogas e é alvo de furtos de todo tipo de material. Desde dezembro do ano passado, as 13 famílias que moram no local como zeladoras dos barracões estão sem energia elétrica. No primeiro episódio, levaram a fiação dos postes de luz. Há cerca de dois meses, 1,8 quilômetro de cabos subterrâneos foram arrancados.
"Largados"
Moradores de rua circulam em meio ao lixo. A escuridão no Complexo torna o local ainda mais perigoso. Quem vive lá, não dorme tranquilo.
– Estamos largados à própria sorte. Roubam de cano de água a tampa de esgoto. Não tem como andar a pé aqui dentro à noite. Se tu fores agora ver, vai encontrar gente se prostituindo dentro dos carros – afirma a costureira Luma de Almeida Paim, 50 anos, que mora há nove anos no Porto Seco.
Luma, que já foi destaque em diversas agremiações e sempre viveu no meio do Carnaval, precisa esquentar água para tomar banho e não pode usar a máquina de costura para trabalhar. Sem a principal fonte de renda, faz artesanato para se sustentar. Ela vive no segundo andar do barracão da Unidos da Vila Mapa e diz que se sente abandonada.
Além da falta de luz, os três portões de acesso ao complexo estão abertos e parte da cerca foi destruída.
– O Porto Seco já foi um local seguro, já teve segurança privada. Hoje, no meio da noite, ouvimos gente circulando por aqui, quebrando coisas para roubar. Eu durmo com um pé de cabra do lado da cama. Tenho medo – afirma Valquíria Rodrigues, 47 anos, funcionária da Praiana, que mora no Porto Seco há 13 anos.
"O pouco caso é de todos"
Em janeiro, a prefeitura assinou a concessão do Complexo do Porto Seco à Liespa e à União das Escolas de Samba do Grupo de Acesso de Porto Alegre (UECGPA). A iniciativa permite que as agremiações carnavalescas firmem uma Parceria Público-Privada (PPP) e possam ocupar a área o ano todo. Na prática, a gestão do Porto Seco caberá a elas assim que o processo for finalizado, o que deve ocorrer nos próximos meses. Seria uma forma de dar autonomia às entidades, uma vez que a prefeitura vem reiterando que não tem verba para bancar o Carnaval. Neste ano, sequer ocorreu desfile.
Se já está ruim com a manutenção a cargo do poder público, o temor é que, quando a cedência do complexo for dada às entidades carnavalescas, a situação piore.
– O pouco caso é de todos: do poder público e dos presidentes das escolas. Estamos cuidando do patrimônio deles e estamos abandonados – desabafa Valquíria.
O caseiro da Bambas da Orgia Augusto Prestes Pinto, 62 anos, que mora há 13 anos no Porto Seco, estima que há pelo menos oito a degradação do local começou a avançar:
– Isso aqui só piorou, quanto tínhamos trabalho aqui dentro era outra vida. Somos os seguranças de nós mesmos. Vemos de tudo acontecer aqui.
Um elevante branco
De espaço que pretendia lançar Porto Alegre como referência de Carnaval no país, o Porto Seco hoje é considerado uma "bomba-relógio" pelo próprio presidente da Liespa, Juarez Gutierrez. Segundo ele, não resta alternativa ao Carnaval senão procurar parcerias privadas. É isso, ou a festa deixa de existir:
– Diante desse quadro, estamos com uma bomba relógio na mão, (o Porto Seco) é um elefante branco. Mas ele ainda é a única alternativa do Carnaval. Se não conseguirmos parceiros, não só o sambódromo estará comprometido como o próprio processo do Carnaval. Não é múltipla escolha, é escolha única.
Juarez afirma que há contatos de interessados em parcerias, mas não se sabe a proporção dos patrocinadores e o nível de ajuda. Ele acredita que as escolas não têm culpa pela situação a que Porto Seco chegou:
– As escolas, nesse âmbito, têm uma responsabilidade muito pequena. A manutenção do Porto Seco sempre foi do poder público. As agremiações não poderiam fazer mais do que estão fazendo. Se o poder público está lavando as mãos? Isso é verdade. É muito triste o poder público não ter entendido a dimensão do Complexo Cultural do Porto Seco. Ele poderia ser potencializado de diversas formas.
"Há é uma desmobilização total dentro do Carnaval"
Com os dois furtos de cabos de luz, a Divisão de Iluminação Pública (DIP) da prefeitura, que já tinha feito um projeto para reestabelecer a energia elétrica do local, precisou refazer o estudo. O mais recente furto, por se tratar de energização subterrânea, encareceu em quase 50% o valor original do projeto. Segundo o secretário adjunto da Cultura de Porto Alegre, Leonardo Maricato, o pedido de liberação de recurso deve ser feito nos próximos dias.
A conclusão da cedência do Porto Seco será finalizada quando o conserto da rede elétrica estiver pronto e for feita a roçada e limpeza de toda área.
– Também estamos aguardando a finalização da entrega da documentação das entidades. Não vamos simplesmente atirar no colo das agremiações. O que prejudicou o processo foi este segundo furto. Esperamos que, a partir do próximo mês, tenhamos tudo concluído _ avalia o secretário.
Leonardo afirma que os portões do local existiam, mas foram roubados, e que há uma ideia de levantar o muro onde antes havia portões.
De acordo com ele, atualmente a manutenção do Porto Seco custa R$ 10 mil por mês para a prefeitura, com gastos da iluminação externa e manutenção das vias do entorno:
– O que há é uma desmobilização total dentro do Carnaval. A prefeitura avisou que não colocaria mais recurso público.