Em outras décadas, quem decidia investir no próprio negócio na periferia de uma grande cidade fazia por necessidade. Os empreendedores costumavam ser o barbeiro, a dona do pequeno salão de beleza ou o proprietário do boteco. Hoje, mesmo em tempos de crise, pesquisas apontam que a motivação vem da oportunidade de não ser mais o empregado. E nem a falta de dinheiro para o pontapé inicial é capaz de impedir a mudança.
Uma pesquisa realizada pelo Sebrae no Rio Grande do Sul, apresentada no ano passado, apontou que 26% dos gaúchos em idade adulta empreendiam no Rio Grande do Sul _ 1,9 milhão de pessoas, o equivalente a 4% do país. Destes, 34,4% não tinham nenhuma educação formal ou não haviam completado o ensino fundamental. Outros 31% cursaram o ensino médio ou não finalizaram a graduação. Em Porto Alegre, conforme dados do Portal do Empreendedor, há 53.796 empreendedores individuais ativos e os setores com mais negócios são beleza, vestuário, obras de alvenaria e entrega rápida.
Programas como o Inova Jovem, que oferece gratuitamente cursos na área do empreendedorismo a jovens da periferia, surgem para impulsionar este mercado.
De crepeiro a empresário e professor
Convicto de que entre vielas, morros e endereços que nem sempre estão no mapa há pessoas se reinventando e empreendendo, o empresário e professor Vinícius Mendes Lima, 34 anos, elaborou um método para alavancar os negócios de quem vive nas periferias. Aplicada pela primeira vez com moradores do bairro Bom Jesus, de Porto Alegre, no ano passado, a ideia acabou ganhando o país. Hoje, com o apoio dos municípios e do governo federal, está presente em mais de 80 cidades brasileiras com altos índices de vulnerabilidade juvenil. O projeto também está sendo oferecido em Porto Alegre, em oficinas mensais até o final do ano.
Vinícius acabou sendo a cobaia do próprio método. Aos 14 anos, quando ainda morava no bairro Vila Nova, cansado de pedir dinheiro aos pais, montou o próprio negócio e trabalhou por conta no turno inverso ao da escola. Começou fazendo crepe e revendendo na porta do colégio. O maquinário usado foi comprado em 12 vezes, com os cheques da avó.
O Crepe dos Prazeres deu tão certo, que no primeiro mês ele quitou a compra do equipamento e começou a adquirir outros. Em poucos meses, com o auxílio de outros colegas adolescentes, Vinícius montou seis franquias em colégios da região. O faturamento chegou a R$ 1,5 mil por unidade.
Aos 18 anos, foi convidado por amigos a produzir a festa de formatura da turma da escola. A experiência foi tão positiva, que Vinícius montou a Shock Produtora, que fazia eventos para instituições de ensino. Os crepes ficaram para trás. Três anos depois, o jovem uniu forças com uma empresa concorrente. O negócio explodiu: em dezembro de 2006, a empresa fez 120 formaturas em 30 dias.
Vinícius cursou Administração de Empresas na graduação e fez MBA em Gestão Empresarial. Convidado para atuar numa consultoria no Rio de Janeiro, descobriu a realidade das favelas.
— Nas minhas andanças pelas escolas cariocas, encontrei verdadeiros diamantes que só percebiam a profissão de reciclador como a função máxima que exerceriam na vida. Entendi que precisava fazer algo. Era possível, sim, um morador da periferia gerar renda para si, para a própria família e o seu entorno — conta.
Inquieto, enquanto cursava mestrado em marketing estratégico na Universidade de Ciências Empresariais e Sociais, em Buenos Aires, na Argentina, desenvolveu um estudo traçando um paralelo entre 200 micro empresários das favelas Rocinha, no Rio de Janeiro, e Villa 31, em Buenos Aires. Da dissertação, Vinícius extraiu o livro A Riqueza das Favelas: o empreendedorismo entre morros e vielas.
— Percebi que 95% dos analisados começaram empreendendo naquilo que tinham alguma aptidão ou que gostavam ou que a família sabia fazer. Eu era um exemplo. Em ambos os países, eram praticamente nulas as políticas públicas. Faltava a inserção do governo nesses ambientes — explica.
Hoje, Vinícius é professor em universidades argentinas e brasileiras. E ainda sobra tempo para gerenciar a agência de fomento social criada por ele para auxiliar pessoas em vulnerabilidade social a empreender.
Na próxima semana, embarca para a Europa, onde representará o Brasil na Reunião da Cúpula de Ministros de Juventude do G20. Ele mostrará como é possível empreender nas comunidades periféricas.
Vinícius presta serviços ao Governo Federal e aos órgãos estaduais estruturando e aplicando programas de capacitação e incubação empreendedora em favelas. Neste ano, o empresário é uma das frentes do Inova Jovem, programa gratuito que oferta cursos a jovens da periferia — incluindo Porto Alegre. Vinícius aplica a metodologia de plano de negócios intitulada por ele como ByNecessity.
— Minha metodologia leva em conta as limitações que frequentemente são impostas àqueles que empreendem por necessidade, como a ausência de investimento inicial, falta de tempo e de conhecimentos teóricos sobre marketing e administração, assim como a necessidade de retorno financeiro imediato — garante Vinícius.
Coxinhas se tornaram um sucesso
Mesmo sem conhecimentos em administração, a serviços gerais desempregada Eliane Nunes dos Santos, 27 anos, e o carpinteiro Pablo William Gonçalves da Costa, 28 anos, decidiram investir no próprio negócio na Vila Mato Sampaio, no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre, em agosto do ano passado.
— Caminhei por todo o bairro e percebi que as lancherias só vendiam Xis e cachorro-quente. Como eu gostava de coxinha, pesquisei na internet como poderíamos vendê-las. Surgiu a ideia de vender coxinha no copo, por telefone — recorda Pablo.
O problema que impedia a decolagem das vendas só foi percebido quando o casal fez o curso de empreendedorismo: o nome do estabelecimento, Lili Lanches, passava a imagem de uma lancheria com espaço físico.
— O programa nos ajudou a organizar os pensamentos e a separar tudo em gavetas para colocarmos a mão na massa. Mudamos o nome para Coxinha no Copo e foi um estouro! — conta Eliane.
Hora certa
Um mês depois do curso, como as encomendas só aumentavam, Pablo decidiu sair do emprego de carpinteiro, onde estava há quase quatro anos. Era a hora de ajudar a mulher, com quem é casado há nove anos, a tocar o negócio da família. Além das vendas por telefone, Pablo decidiu vender de porta em porta, diariamente — forma que se tornou o carro-chefe do serviço. Em casa, Eliane atende os pedidos pelo whatsapp e frita as coxinhas pré-prontas — o casal compra o produto de um fornecedor do bairro Partenon. Nas ruas, Pablo chega a vender 24 copos em 30 minutos. Por semana, são vendidas cerca de três mil coxinhas. Cada copo pode custar de R$ 3 a R$ 9, dependendo da quantidade de salgados — nos sabores queijo, carne, frango, calabresa e doce de leite. Para atrair novos clientes, o casal apostou também na comercialização de pasteis — produzidos pelos dois.
_ Trabalhamos apenas das 17h30min até 20h30min, de segunda a sábado. Temos mais tempo para a filha e para fazermos outras coisas. A possibilidade de ter o nosso próprio negócio, com os nossos horários, me fez jogar tudo para o alto e apostar. O curso veio na hora certa _ conta Pablo.
Cérebro do negócio
Proprietário de duas usinas de reciclagem, a mais recente adquirida há quatro meses, Rodrigo Ramos, o Sabiah, 34 anos, do bairro Bom Jesus, fez do próprio passado a principal lição para mudar o rumo da vida. Durante cinco anos e meio, Sabiah cumpriu pena por assalto. E foi dentro da Penitenciária Estadual do Jacuí que conheceu o MCs Para a Paz — Multiplicadores de Cidadania Para a Paz — projeto de educação cidadã, que une cultura hip hop e educação popular. Incentivado à leitura, Sabiah pegou o gosto pelos livros e passou a devorar obras dos mais diversos temas. Ainda na prisão, buscou ajuda psicológica e concluiu o ensino médio. Queria mudar de vida depois de cumprir a pena.
— Quando saí, me deram uma chance de trabalhar numa usina de reciclagem. Pensei por alguns dias se seria a escolha certa, mas eu precisava do emprego — comenta, lembrando do próprio preconceito inicial com a profissão.
Durante dois anos, Sabiah trabalhou sempre pensando em tornar-se dono do próprio negócio. Junto com o irmão, Felipe Ramos, hoje com 33 anos, alugou por R$ 500 mensais um galpão de 20m x 15m no bairro Bom Jesus e começou a reciclar. Sem transporte próprio, os dois começaram o serviço transportando de ônibus o material até o depósito. Dois anos depois, os irmãos acabaram comprando o espaço e mais um terreno. Contrataram empregados e expandiram o comércio de material reciclável.
— A gente dá oportunidade para egressos do sistema prisional porque sei como é difícil a reinserção no mercado de trabalho — explica.
No ano passado, Sabiah fez o curso de empreendedorismo nas periferias e viu os lucros saltarem depois das aulas.
— São coisas que parecem básicas, mas que fizeram toda a diferença na hora de gerenciar o próprio negócio. Consegui perceber onde eu poderia abrir uma filial, fiz pesquisas de mercado, conheci a concorrência e aprendi a organizar o fluxo de entrada e saída de dinheiro — conta.
No início deste ano, os dois adquiriram uma filial na Rua Voluntários da Pátria, no bairro Floresta, também na Capital. Hoje, as duas reciclagens têm seis funcionários fixos. E Sabiah acabou levando a própria experiência de vida para a sala de aula: se tornou professor do curso do qual havia participado.
— De funcionário, me tornou o cérebro do meu próprio negócio. Faço um relato da minha experiência e de como a gente pode ir além com o empreendedorismo — resume.
Saiba mais sobre o Inova Jovem: curso gratuito oferecido para moradores da periferia
* O Inova Jovem é um programa criado pela Secretaria Nacional de Juventude com o objetivo de auxiliar na autonomia financeira dos jovens negros de baixa renda, por meio da cultura do empreendedorismo.
* Mais informações e inscrições no http://bit.ly/inovajovem.
O que é importante para começar um negócio?
O controle financeiro é essencial para o crescimento dos novos negócios. Para alcançá-lo, é necessário ter muita disciplina e organização, mas que valem a pena no final. Vinícius sugere passos que devem ser seguidos:
1) Meu Sonho — Desenvolver algo que é um sonho antigo seu, será muito mais fácil e prazeroso de fazer.
2) Meu Perfil — Definir o que eu gosto de fazer em um negócio, para logo após definir o perfil do parceiro/sócio que devo procurar.
3) Minhas Possibilidades — Meu sonho é complexo de tirar do papel, mas com outras ideias de negócios talvez fique mais fácil! Quais outros negócios eu gostaria de ter?
4) Meu Negócio — Bom, definido meu negócio, como quero que minha empresa seja? Eternamente pequena? Grandona? Qual o meu principal produto?
5) Meu Mercado — Quem faz a mesma coisa que eu? Como posso ser grande ou maior que meu concorrente? O que tenho de bom ou que posso melhorar?
6) Minha Marca — Um negócio só se torna realmente de verdade, quando eu o enxergo!
7) Meu Produto, Preço, Praça e Divulgação — Vamos desenvolver melhor o seu produto? Como vai ser? Como vai produzi-lo? Como vai entregá-lo? Quanto custa e por quanto vou vender? Como divulgar isso? Internet? Panfleto?
8) Minhas Vendas — Quanto planejo vender na próxima semana? E se der tudo errado? Consigo pagar minhas contas? E se der tudo certo? Vou ficar rico? O que interessa é que todo dia tenho que acordar e vender uma quantidade bem definida, pois aí não tem erro! Vou ganhar dinheiro!
9) Meu RH — Preciso de mais gente, e agora? Qual o perfil dessas pessoas? Alguém pra me ajudar a fabricar meu produto ou alguém pra sair pra vender comigo?
10) Minhas Finanças — Ahhhh! Os números... odeio, mas tenho que entender quanto é custo, quanto é despesa e quanto é lucro! Não pode misturar as contas de casa no meu negócio? Será?? Pode simmm! Deve!! Enquanto seu negócio for micro, ao menos empate suas contas pessoais e profissionais que estará tudo certo!
11) Minha Análise — No final das contas, vou ganhar ou perder dinheiro com essa minha ideia?!
12) Plano de Ação — Mão na massa! Que dia, que hora, e como vou começar meu negócio!?