Na Porto Alegre de muitas décadas atrás, era possível ir de maria-fumaça para a Zona Sul e tomar banho de piscina na Redenção. Dava para namorar junto à gruta da Praça XV e, depois, passear com a família no zoológico do Menino Deus. Quem fizesse algo errado poderia ver o sol nascer — ou melhor — se pôr quadrado no Guaíba, na mesma época em que um bunker foi escavado em um cartão-postal da cidade para proteger os moradores de possíveis ataques nazistas.
Veja, a seguir, oito cenários de uma Capital que ficou na História.
O circo de touros na Cidade Baixa
No Campo da Redenção, próximo à Rua da República, havia um espaço para touradas no final do século 19. Construção de madeira, sem cobertura — conforme o livro Porto Alegre Ano a Ano, de Sérgio da Costa Franco —, o Circo de Touros era uma das atrações mais populares dos domingos à época. A edição do jornal A Federação de 13 de outubro de 1891 grafava: "Esteve divertida a funcção tauromachica de ante-hontem. Quasi todos os touros prestaram-se às lides. Aranha e Matheus applicaram muitas farpas. O primeiro deu o salto da vara larga e o segundo passou varios touros á capa. Os armadores que se apresentaram a tourear, proporcionaram boas gargalhadas ao auditorio". A praça de touradas foi desativada no começo do século 20.
A piscina da Redenção
Alinhada ao Monumento ao Expedicionário, também já existiu uma piscina na Redenção, com até quatro metros de profundidade, conforme publicação de ZH de 50 anos atrás. Ela teria sido construída no começo do século pelo Colégio Militar de Porto Alegre, recebendo importantes competições de natação. Mais tarde, com a proliferação de piscinas em clubes e o desenvolvimento do parque, o tanque ficou "apenas como ornamentação" — embora fotos de antigamente mostrem muita gente brincando e nadando em dias de tempo bom. A piscina seria desativada em 1967, depois que uma criança morreu afogada no local.
Um presídio ao lado do Gasômetro
Ao lado do principal cartão-postal de Porto Alegre, a Usina do Gasômetro, ficava o presídio da Capital. A Casa de Correção foi inaugurada em 1855. Acolheu inicialmente 195 detentos, mas, décadas depois, chegaria a abrigar mais de 1 mil. Como lembrou o historiador Sérgio da Costa Franco, em artigo publicado ano passado em Zero Hora, um viajante alemão que esteve em Porto Alegre, possivelmente, em 1889, descreveu o local como ameno e leniente, chamando-o de "presídio alegre", pois dele emanavam cantorias e brincadeiras dos detentos.
A partir dos anos 1940, mal conservado e pequeno para a população carcerária que aumentava, começou a ser um tema polêmico na Capital. O presídio foi dinamitado em 1962.
Alicerces da Casa de Correção foram revelados em duas obras recentemente: em escavação para duplicação da Avenida Edvaldo Pereira Paiva, em 2013, e na revitalização da Praça Júlio Mesquita, no ano passado.
O zoológico do Menino Deus
Em janeiro de 1913, "altas autoridades civis e militares, representantes do clero, da imprensa, e o povo" participaram da inauguração do jardim zoológico do bairro Menino Deus, que ficava onde hoje passa a Avenida Ganzo. O acontecimento, registrado pelo jornal A Federação, teve até presença do então governador, Carlos Barbosa Gonçalves. O parque pertencia ao coronel Juan Ganzo Fernández, e a entrada era na Avenida Getúlio Vargas (que na época chamava-se 13 de Maio). Ele batizou o empreendimento de Vila Diamela, em homenagem à filha. Além de uma "variada colecção de quadrupedes, aves e palmipedes", o zoo também tinha lago e pavilhão de patinação. Mas não teve vida longa: funcionou até a década de 1920.
O trem da Tristeza
Uma locomotiva a vapor já circulou pela Zona Sul. O trenzinho da Tristeza surgiu no final do século 19, e inicialmente era utilizado para transportar o esgoto da Zona Sul até o Guaíba. Mais tarde, faria transporte de cargas e passageiros, configurando também um dos melhores passeios turísticos de Porto Alegre, oportunizando banho e piqueniques na beira do Guaíba. Era composto por uma locomotiva maria-fumaça pequena que puxava dois ou três vagões. Além da estação na Pracinha da Tristeza, também havia a Estação do Riacho (junto à Ponte de Pedra) e a Estação Ildefonso Pinto, ao lado do Mercado Livre, no Centro. Em 1933, a locomotiva foi incorporada à Viação Férrea do Rio Grande do Sul e, em 1936, encerrou as atividades. Em abril, reportagem da ZH mostrou que o trenzinho apodrecia a céu aberto em Carlos Barbosa.
O bunker do Viaduto da Borges
O Viaduto Otávio Rocha, conhecido como viaduto da Borges de Medeiros, teve um abrigo para proteger moradores de eventuais ataques dos aviões nazistas de Adolf Hitler. Entre as arcadas, foi escavado um túnel na parede da estrutura, visando à segurança da população em caso de ataque durante a II Guerra Mundial. A arrecadação de dinheiro para os abrigos antiaéreos começou em setembro de 1942, um mês depois de o presidente Getúlio Vargas aderir aos Aliados. Os gaúchos doavam dinheiro, além de joias e ouro.
Segundo Ronaldo Marcos Bastos, quem cedeu a foto a ZH, seu pai, Walter Melecchi Bastos, contava que esse abrigo foi demolido aproximadamente um ano depois da sua construção. Ele relatava, inclusive, que no local foi feito um exercício de simulação para uso do abrigo. O bunker teria uma porta que dava para a calçada da Borges de Medeiros e uma entrada que utilizava as escadarias de ligação da parte superior com a calçada (atualmente bloqueada).
A gruta da Praça XV
Na época em que a Praça XV de Novembro ainda era chamada de Praça Conde D'Eu, havia por lá uma pitoresca gruta, formada por um amontoado de pedras e folhagens. Ela foi construída em 1881, junto com uma ponte ornamental. Teriam sido projetos encomendados pela prefeitura ao cenógrafo italiano Oreste Colliva. Em 1925, a gruta foi demolida, e o chafariz que ficava ao lado foi transferido para o centro da Praça Parobé — depois, no início dos anos de 1940, migrou para a Redenção. Daquela época, na praça ao lado do Mercado Público, restou apenas o Chalé da Praça XV.
O bebedouro do Floresta
Onde se juntam as avenidas Cristóvão Colombo e Benjamin Constant com as ruas Quintino Bocaiúva e Coronel Bordini, no bairro Floresta, havia um bebedouro que não era para gente. Em uma época em que cavalos e mulas tinham grande papel na mobilidade urbana, era preciso levá-los para tomar água em algum lugar — como ali, onde hoje fica a Praça Athos Damasceno Ferreira. Na área, havia ainda um mercado abastecido por carroças. Vale lembrar que, até o começo do século 20, cavalos e burros puxavam os bondes — os elétricos surgiram a partir de 1908.
* Colaborou: Letícia Coimbra