Apontada pela prefeitura de Porto Alegre como forma de conter o aumento da passagem de ônibus, uma série de cortes em isenções propostos pelo Executivo municipal inflamou discussões sobre o sistema de transporte público nos últimos dias.
Caso sejam aprovadas na Câmara Municipal, as propostas podem reduzir em R$ 0,20 os custos para a tarifa do ano que vem. Que, ainda assim, deve aumentar para, no mínimo, R$ 4,40, segundo a EPTC.
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Em entrevista na noite de segunda-feira, o prefeito Nelson Marchezan prometeu anunciar melhorias no sistema de ônibus nos próximos dias e afirmou que os cortes nas isenções são urgentes para manter o sistema de transporte, que estaria "falido":
– Mais de 5 mil multas foram aplicadas nas empresas neste ano. A gente acha que tem a gratuidade de um serviço, mas o serviço não existe, entende? É um engodo. Vamos entregar um serviço mais barato, mais seguro, mais confortável e mais confiável.
Confira os principais trechos da entrevista
No fim de semana, o líder do governo, Clàudio Janta (SD), mostrou-se surpreso com o envio durante o recesso e criticou o pacote de medidas. O que aconteceu?
Eu acho que quem tem que explicar isso é o próprio líder Janta, já que, na semana que antecedeu o recesso, ele orientou o secretário de Relações Institucionais a apresentar todos os projetos no recesso, pois uma boa parte dos vereadores tinha compromissos e só poderia fazer reunião em agosto. Para que os projetos já fossem avançando em alguns trâmites burocráticos. Nessa reunião, estavam presentes o Gustavo Paim, secretário de Relações Institucionais, o vereador, até então líder do governo, Clàudio Janta, e o vice-líder Moisés Barbosa (PSDB).
Quem foi ouvido na definição dos projetos?
Todos: a comunidade, através da imprensa, reuniões de empresários com técnicos da EPTC, com técnicos de fora, conversamos com Trensurb, com os 40 maiores pontos de táxi, com as empresas de lotação, de ônibus. Pelo site, a gente ouviu as pessoas. Deixamos público como nunca foi o problema que nós temos: o setor de transporte está falido. Os taxistas, os lotações e as empresas de ônibus estão falidos. Há de se ter uma grande mudança, e a gente acha que esses projetos, neste momento, são aqueles necessários para a gente fazer essa transição de uma prestação de serviços que não é feita, que é um engodo.
Como assim?
Mais de 5 mil multas foram aplicadas nas empresas de ônibus só neste ano, por não prestação do serviço, pelo ônibus que deveria estar lá e não está. É três vezes mais que no mesmo período do ano passado. Ou seja, a gente acha que tem a gratuidade de um serviço, mas o serviço não existe, entende? É um engodo. Refinamos os projetos para que representem o melhor que se pode fazer agora para, em médio prazo, ter um transporte público melhor.
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A EPTC costuma argumentar que as empresas estão falindo. Mas, quando se candidataram a prestar o serviço, não conheciam as regras?
O sistema está falido, não as empresas. O sistema como um todo está falido, e temos que reorganizá-lo. Não assumi o papel de resolver problemas financeiros das empresas, e sim o problema do sistema de transporte de Porto Alegre. Que sabemos que não é bom: é caro, não é confiável, não é confortável. A gente pretende entregar um serviço mais barato, mais seguro, mais confortável e mais confiável.
Segundo a EPTC, mesmo se aprovado o pacote, a tarifa fica R$ 0,35 acima da atual, vai a R$ 4,40.
Quem fez esse cálculo de R$ 4,40?
O Marcio Saueressig (responsável na EPTC pelo cálculo da tarifa).
Neste momento, o diretor-presidente da EPTC, Marcelo Soletti, intervém: "Na verdade, o cálculo do Marcio foi R$ 4,61, e se tudo fosse aprovado, daria R$ 0,20 de desconto. São projeções de setembro em diante..."
Marchezan retoma a resposta:
Não entendi, o Marcio fez um cálculo projetando o valor da passagem? Eu acho que o Marcio se precipitou, porque, como ele pode avaliar a questão do reconhecimento facial e do combate a fraudes? Como ele pode antecipar se vai aumentar ou diminuir o número de passageiros? Não vi esse cálculo, então não tenho como explicar. A não ser que tu tenha uma pergunta conceitual. Sobre o valor, não tenho como me manifestar.
Esse valor foi informado pela EPTC. O que a prefeitura prevê para melhorar o transporte se, no ano que vem, ele vai ficar mais caro e com a possibilidade de uma frota mais antiga?
Os decretos e projetos são para que a passagem não evolua nos valores em que tem evoluído nos últimos anos. Isso é inegável, é matemática, né. Nesta semana, vamos publicar decretos que dão prazo para obrigações (das empresas) que já estavam na licitação: o implantação do reconhecimento facial na bilhetagem, a instalação de GPS e de equipamentos de filmagem. A gente acredita que, com isso, a gente consiga avançar. De qualquer sorte, as mudanças estruturais não geram um resultado imediato. Elas iniciam uma mudança de médio e longo prazos. A questão do GPS é diretamente relacionada ao controle efetivo dos serviços contratados. Eu consigo monitorar quantos ônibus estão operando, se tem atraso, qual a velocidade média. E oferecer conforto e segurança: o cidadão saber a que horas o ônibus vai passar mais próximo da casa dele. Fora o monitoramento do trânsito, para que o transporte público coletivo tenha mais agilidade que o individual.
Se as empresas estão quebradas, como vão fazer as melhorias?
A gente convenceu as empresas de coisas que nas últimas décadas ninguém convenceu, e que pareciam que não iam acontecer nunca, que é o acesso online aos dados da bilhetagem eletrônica. Nosso cálculo, no ano que vem, vai ser mais transparente. A gente tem acesso à conta bancária das receitas da bilhetagem eletrônica, que também parecia uma coisa que não ia acontecer. Convencemos as empresas de que o reconhecimento facial é muito positivo no combate a fraudes, e combater isso também melhora o faturamento. Que com câmeras funcionando online a gente consegue diminuir os assaltos e aumentar a utilização dos ônibus.
Essas mudanças vão exigir dinheiro. Como as empresas vão bancar isso?
O reconhecimento facial, ele se paga. É isso que nós estamos dizendo para as empresas. A dificuldade é que algumas empresas talvez não tenham crédito, né, vão ter que buscar de alguma outra forma, como em troca de recebíveis. A gente está conversando com as empresas para que elas façam um esforço. Embora a gente saiba que muitas têm dificuldade de pagar a folha. Essa é uma parte, né. A gente vai chamar nessa semana aqui as empresas de ônibus, as empresas de transporte metropolitano, as empresas de lotação e a Trensurb para formar um grupo de trabalho para fazer a integração, e a gente começar a qualificar o transporte público e buscar alternativas. Todos estamos desesperados por alternativas. Se avançarmos na integração com a Região Metropolitana, podemos retirar 700 ônibus de circulação. Vai deixar que as empresas deixem de ter investimentos mobilizados em ônibus e atender com muito mais conforto hoje aquele passageiro que tem que descer para pegar outro ônibus, ou que vê um ônibus vazio e não pode pegar. Já é um grande salto também.
Apesar dos projetos, em fevereiro a tarifa vai aumentar. Como a prefeitura vai barrar a queda de passageiros?
A gente está tomando medidas para que ou futuramente o preço diminua, ou ele não aumente tanto. É matemática, é racional, isso não dá para alterar, entende? Quanto mais gratuidade, mais caro fica. Então essas medidas são para evitar o superencarecimento ou o encarecimento da passagem. E são os passos iniciais, junto com as obrigações que devem sair essa semana e mais outras ações para que fique mais atrativo. Parece que o que nós estamos fazendo vai aumentar a passagem. Não: o que nós estamos fazendo vai diminuir a perspectiva de aumento.
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Após o decreto do fim da gratuidade, voltou a circular uma afirmação sua da campanha eleitoral. O senhor sugeriu que o candidato Sebastião Melo mentia quando disse que o senhor acabaria com a segunda passagem gratuita. Quem estava falando a verdade?
Olha, no caso específico, quando ele trouxe isso à pauta, ele, que provavelmente tem uma relação muito mais próxima com as empresas de ônibus do que eu, talvez ele soubesse, de alguma informação privilegiada, de que ele realmente teria que tirar a segunda passagem. Retirar a segunda passagem não foi um projeto de campanha, e não é um projeto de governo, mas se tornou uma necessidade nesse momento. Ou a gente tem a coragem de enfrentar de forma racional, ou a gente continua fazendo a velha demagogia, que foca mais em manchetes ou em discurso do que em resultado para a população.
Na época da campanha, então, o senhor não sabia que isso seria necessário?
Isso não era nossa pauta de campanha e não é a pauta de governo. Isso é uma ação administrativa que se torna necessária nesse momento. Nós temos uma gratuidade que vai a 35%. É inviável. Se precisa diluir. A gente entende que, agora, precisa beneficiar os 89% de usuários que pagam a passagem.
Em que momento a prefeitura constatou que isso precisava ser feito?
No momento que se começou a fazer essa soma, conversar sobre o sistema, e ver as perspectivas de falência dele. Na verdade, talvez o meu antecessor, que trouxe isso como pauta, já tivesse essa visão, né... Eu não tenho problema de mudar de ideia. Eu não estou fazendo um debate com o meu antecessor: ele perdeu a eleição. E nem um debate com a tua ideologia, ou a ideologia de alguém, entendeu? Isso aqui não é um debate de ideologias.
Foi só uma pergunta, prefeito.
Eu sei. E isso não é um debate de ideologias ou posições pessoais. É um debate do que é melhor para a cidade.
Não tenho essa intenção. Perguntei o que aconteceu à época, quando o senhor disse que isso era mentira.
Era mentira porque não era pauta. Foi trazida por ele, colocando uma frase na minha boca. E eu reitero a resposta que eu dei, que eu posso até reler aí o que é, que vamos tornar o transporte mais seguro, mais pontual, mais confortável...
Na época o senhor não sabia que teria de acabar com a segunda passagem?
Na época isso não era pauta. A pauta era buscar soluções. E estamos buscando as soluções.