Um acordo costurado entre o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), órgãos públicos e um grupo de deputados estaduais e vereadores deu fim às negociações para que as famílias que ocupavam o prédio do antigo Hotel Açores, no Centro Histórico, deixassem o local. As cerca de cem pessoas que estavam na construção da Rua dos Andradas desde julho começaram a sair no final da tarde desta quinta-feira, após mais de 11 horas de tratativas.
O documento assinado em uma reunião que durou cerca de três horas estabelece que o grupo será abrigado, inicialmente, no Centro Vida, localizado na Zona Norte, até que a prefeitura de Porto Alegre libere recursos para aluguel social. Ficou acordado que 24 famílias terão o benefício por seis meses, mas o comitê formado para tratar da desocupação buscará ampliar, junto ao Departamento Municipal de Habitação (Demhab), a verba a mais famílias.
Coordenadora nacional do MLB, Nana Sanches afirmou, já à noite, que a reintegração de posse acontecia de "forma pacífica, sem spray na cara" – um avanço em relação à retirada da Lanceiros Negros de um prédio do Estado na esquina das ruas General Câmara e Andrade Neves em junho. Na ocasião, houve uso da força.
– Saímos com compromissos assinados, e a luta continua. É uma grande vitória do movimento. Sempre pedimos que houvesse diálogo e, finalmente, depois de dois anos, a gente conseguiu – ressaltou Nana, referindo-se à data que o movimento nacional chegou à capital gaúcha, em 2015.
A avaliação de que ação transcorreu de forma adequada foi compartilhada pelo titular do Comando de Policiamento do Capital (CPC), coronel Jefferson Jacques.
– Foi extremamente positivo o trabalho realizado para conduzir a desocupação de forma pacífica. A participação e integração de órgãos estaduais, órgãos municipais e parlamentares foi fundamental para evitar danos pessoais e materiais – ressaltou o oficial.
A articulação para saída do prédio na Andradas também estabeleceu que as famílias teriam apartamentos do programa Minha Casa, Minha Vida como destino final. Uma das opções é o condomínio Belize, no bairro Restinga. A vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), uma das integrantes do comitê de interlocução, salienta que nenhum beneficiário do programa do governo federal será prejudicado com a medida:
– Existe uma margem de 10% de pessoas que desistem do Minha Casa, Minha Vida. Ninguém que tem (unidade) e não desistiu perderá moradia.
Uma das encarregadas de conduzir a reintegração de posse, a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) deve conceder outro benefício a quem deixou o prédio no Centro Histórico. A informação é do presidente do órgão, Solimar Amaro:
– Disponibilizamos passes para crianças que estão estudando na área central da cidade.
Ao longo do dia, a ação envolveu Defensoria Pública, Ministério Público, Brigada Militar, Fasc, comissões de Direitos Humanos da Câmara Municipal e da Assembleia Legislativa, Conselho Tutelar, oficiais de Justiça e MLB.
Da chega da BM à ida ao Centro Vida
As mais de 11 horas de negociação começaram cedo. Com a reintegração de posse prevista para as 7h, representantes dos diferentes órgãos e poderes envolvidos se encontraram na Praça Brigadeiro Sampaio para formar o comitê de interlocução – a iniciativa foi uma solicitação do Ministério Público, que listou uma série de recomendações para a desocupação, depois da ação tumultuada de junho.
A Brigada Militar foi a primeira a chegar à ocupação, na noite de quarta-feira. Por volta das 23h, policiais cercaram o prédio e começaram o isolamento do trecho – a quadra entre as ruas General Câmara e Caldas Júnior ficou bloqueada para a circulação de carros e pedestres. Nas primeiras horas, dezenas de apoiadores da Lanceiros Negros permaneceram em frente à tropa de choque BM, gritando palavras de ordem. Cerca de 200 policiais participaram da operação.
Caminhões-baú e carregadores foram destinados para auxiliar na retirada dos pertences dos integrantes da ocupação. Apesar do esforço em cumprir a ordem judicial, a reintegração esbarrou em um problema antes de começar: não havia destino certo para levar os integrantes da ocupação, condição prevista na sentença que determinou a devolução do imóvel.
O grupo de parlamentares formado pelos deputados Jefferson Fernandes (PT), Manuela D'Ávila (PC do B) e Pedro Ruas (PSOL) e pelas vereadoras Fernanda Melchionna (PSOL) e Sofia Cavedon (PT) foi o primeiro a levantar questionamentos sobre a indefinição das alternativas. Eles alertavam que uma ida sem perspectivas para o Centro Vida, que já tinha recebido parte do grupo em julho e cujas más condições foram alvo de críticas na desocupação anterior, dificultaria a negociação.
O primeiro passo para viabilizar a negociação veio em um telefonema de Ruas à secretária de Desenvolvimento Social, Fátima Paludo. Após tomar conhecimento da situação, a titular do Desenvolvimento Social se comprometeu a disponibilizar aluguel social.
A proposta foi levada aos integrantes da ocupação, que fizeram uma assembleia para avaliar o que foi oferecido. No final da manhã, veio o primeiro sinal de uma solução amigável: as famílias aceitaram realizar o cadastro no aluguel social, e um grupo de integrantes da Lanceiros Negros foi destinado a visitar o alojamento provisório para verificar as condições – outro grupo foi à Restinga conhecer um conjunto habitacional também mencionado na negociação.
O desfecho começou a se concretizar pouco antes das 15h, quando se iniciou a reunião. Por volta das 18h, os integrantes da Lanceiros Negros já deixavam o prédio e, à noite, em vans, começaram a ser levados ao Centro Vida.