Os primeiros meses da gestão do prefeito Nelson Marchezan (PSDB) em Porto Alegre trazem as marcas de uma consultoria contratada para auxiliar o município a alterar pontos fundamentais da administração. Por trás de medidas como a reforma administrativa, a revisão dos gastos públicos e a definição de objetivos a serem alcançados em cada secretaria, está a Falconi Consultores de Resultado, que, nas últimas décadas, construiu um pequeno império dentro e fora do Brasil aplicando dois conceitos básicos aos setores público e privado: estabelecimento de metas e meritocracia.
Em fevereiro, Porto Alegre assinou um acordo de cooperação com a organização civil Comunitas, sem fins lucrativos, que por sua vez recrutou a empresa fundada por Vicente Falconi para reformular a administração da Capital sem custos para a prefeitura – o projeto Juntos Pelo Desenvolvimento Sustentável, replicado em Porto Alegre e outras 14 cidades brasileiras, é financiado por contribuições empresariais. O site do Juntos apresenta como parceiros grupos gigantes do porte de Gerdau, Iguatemi, Itaú, Votorantim e CPFL Energia.
Leia mais:
Atuação de consultoria deflagra debate sobre influência do privado no público
Em Pelotas, contrato com consultoria foi suspenso por decisão da Justiça
A organização criada por Falconi – que é especialista em gestão e escritor – conta com mais de 600 consultores espalhados por todo o país e escritórios no Brasil, nos Estados Unidos, na Guatemala e no México. Sob alegação de sigilo contratual, não revela quantos especialistas foram destacados para atuar em Porto Alegre ou quais suas formações.
Mas as missões dos consultores na capital gaúcha estão previstas no plano de trabalho definido com o município: dar apoio à reforma administrativa que alterou funções e estruturas das secretarias, revisar contratos e despesas para reduzir o déficit nas contas públicas, estabelecer metas a serem alcançadas em cada secretaria e indicadores para avaliação do trabalho prestado. Outros parceiros ligados à Comunitas foram convocados para ajudar na seleção de cargos em comissão a partir de um banco de talentos.
A trajetória da consultoria até o interior da prefeitura de Porto Alegre começou nos anos 1980, quando Falconi ganhou relevância nacional ao importar o conceito de Qualidade Total do Japão para o Brasil. Em 2003, a Falconi desenvolveu um dos seus trabalhos mais notórios: o "choque de gestão" realizado na administração de Aécio Neves (PSDB) em Minas Gerais, que envolveu corte de cargos públicos, redução de despesas e foco na busca de resultados.
A consultoria já era conhecida dos gaúchos: havia colaborado com o governo de Antônio Britto (na época, no PMDB), e voltaria ao Piratini nas administrações de Germano Rigotto (PMDB) e Yeda Crusius (PSDB). Falconi também atuou no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), quando assinou contratos, por notória especialização (que dispensa licitação), com Ministério do Planejamento, Correios e Infraero no valor total de R$ 59,9 milhões.
Entre 2008 e 2012, a consultoria desenvolveu um projeto no Tribunal de Justiça gaúcho, período em que, segundo a Falconi, reduziu despesas em R$ 25 milhões e ampliou em 22% a vazão de processos no 1º Grau.
– É um equívoco desprezar a expertise e o conhecimento desenvolvidos pelas instituições privadas, que podem ser muito bem aproveitados na construção de políticas públicas voltadas à eficiência – analisa o advogado especialista em Gestão Pública Ney Francisco Hoff Jr.
O professor de Administração Pública da UFRGS Aragon Érico Dasso Jr., porém, questiona a aplicação de métodos empresariais na gestão pública:
– A metodologia utilizada não leva em conta a participação da cidadania na tomada de decisões.
Em nota, a Falconi sustenta que sua metodologia de trabalho, "baseada na meritocracia e no estabelecimento de metas, rendeu à consultoria ao longo dos anos reconhecimento das maiores companhias do país e de instituições públicas como Tribunais de Contas, Polícia Federal, Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal, Banco Central, governos estaduais e municipais".
A Comunitas, também por meio de nota, defende que "o acordo de cooperação com a Prefeitura de Porto Alegre, por meio de parceria técnica com a Falconi Consultores, contempla o diagnóstico dos principais desafios da cidade. O trabalho segue as normas legais e é pautado na ética e na transparência (...)".
Procurada por ZH, a prefeitura de Porto Alegre informou que a manifestação da Comunitas também traduz a posição do município, e optou por não dar entrevista para esta reportagem.
AS MISSÕES DOS CONSULTORES
Reforma administrativa: Elaborar ajustes de funções e estrutura nas secretarias municipais, além de definir o volume de lotação dos cargos de direção e chefia. Avaliação e propostas de ajustes das políticas de remuneração e gratificações.
Equilíbrio fiscal: Revisar e ajustar contratos e despesas, identificando oportunidades de melhoria de resultado operacional por meio de diagnóstico realizado em órgãos da administração indireta.
Metas e indicadores: Definir indicadores e metas para cada secretaria municipal, além de elaborar um plano de implantação de prioridades.
Banco de talentos: Apoiar qualificação e seleção de cargos em comissão para compor a equipe de trabalho da gestão 2017-2020 da prefeitura. Mecanismo para escolha de profissionais de "perfil técnico e reputação ilibada" para ocupar posições estratégicas na administração.
QUEM SÃO
Comunitas: organização da sociedade civil que se propõe a aprimorar "investimentos sociais corporativos e estimular a participação da iniciativa privada no desenvolvimento social e econômico do país". Tem sede em São Paulo. Costuma atuar com a Falconi Consultores de Resultado como "parceira técnica".
Falconi Consultores de Resultado: anteriormente conhecida como Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), é uma consultoria de gestão fundada por Vicente Falconi em Minas Gerais. Conta com cerca de 600 consultores especializados e, em 30 anos de atuação, realizou mais de 5,9 mil projetos.
ESTRUTURA
Comitê de líderes: Reúne líderes empresariais e é responsável por estabelecer diretrizes, determinar atividades e monitorar as ações. Uma vez por ano, líderes públicos e privados se reúnem para "refletir sobre o papel das empresas no desenvolvimento do país".
Núcleo de Governança: Formado pelo grupo de líderes empresariais mais um outro grupo de líderes empresariais locais. Identifica os desafios a serem enfrentados em cada cidade de atuação. Reuniões mensais.
Comitê de executivos sociais: Formado por líderes de institutos e fundações ligados às empresas que apoiam o programa. Busca articular investimentos sociais dessas entidades com necessidades do município. Reuniões trimestrais.
Equipe da comunitas: Responsável por articular as parcerias e gerir a "rede de stakeholders" (todas as partes interessadas na estratégia de gestão), em diálogo permanente com prefeitos e secretários.
Comitê gestor: Composto por secretários municipais, pactua as diretrizes do programa com outros gestores municipais e busca engajar os servidores públicos nas metas estabelecidas.
Parceiros técnicos: Consultores contratadas pelo Comunitas, a exemplo da Falconi, com recursos investidos pelos "líderes empresariais". São selecionados de acordo com os desafios de cada município identificados pelo Núcleo de Governança.