Prefeito de Porto Alegre à época da criação do Orçamento Participativo – mais tarde implantado em nível estadual em sua gestão como governador –, Olívio Dutra admite a crise do OP, mas repudia a suspensão do processo pela nova gestão. Ele concedeu entrevista por telefone.
Em que contexto se criou o Orçamento Participativo?
A ideia do orçamento público ser discutido amplamente com a comunidade, em um processo de protagonismo, vem desde que eu cheguei a Porto Alegre, em 1970. Já se tinha a ideia de que o orçamento não era uma caixa preta. Me orgulho de ter, como prefeito, feito essa ideia tomar corpo. Fomos o primeiro governo depois da nova Constituição (1988), que transformou os municípios em entes federados, permitindo que se criasse esse tipo de mecanismo. O OP foi discutido no conjunto do governo, com todas as secretarias.
Havia um formato definido?
O governo tinha que se dispor a ouvir e apresentar os dados, e mostrar sua visão de como organizar a cidade. Começamos com a relação com a Uampa (União das Associações de Moradores de Porto Alegre) e a Fracab (Federação Rio-Grandense de Associações Comunitárias de Moradores de Bairros), e tínhamos, pela militância, acompanhado a organização popular em seis regiões de Porto Alegre. Depois as comunidades foram ampliando. No fim do governo, havia 16 regiões com estrutura de OP. A regra era que a relação comunitária não podia ser exercida por funcionário público, CC ou função gratificada. Ninguém era remunerado, e a comunidade ficava livre para renovar as representações na hora que bem entendesse. As reuniões tinham que discutir receita e despesa. A discussão era sobre todo o orçamento da cidade.
Ao longo dos anos, o OP voltou-se mais para a discussão das demandas das comunidades, mas acabou perdendo força. A que isso se deve?
Eu particularmente acho que nós não fomos muito incisivos. Acho que tínhamos de ter feito uma discussão mais profunda sobre a estrutura tributária do município. A que temos está de ponta-cabeça: quem tem menos paga mais, quem tem mais paga menos. Sempre houve um tensionamento entre despesa e receita, e a discussão conjugada nunca foi aperfeiçoada. Ela se deteriorou mais. Virou uma discussão sobre as demandas, e não sobre estrutura tributária, que proporciona crescimento econômico, social, político.
Depois do auge do OP na Capital, quando a experiência foi replicada em diversas cidades, o PT deixou a prefeitura de Porto Alegre. O senhor acha que o enfraquecimento da iniciativa se deve à associação entre o OP e a legenda?
O OP não é propriedade do PT ou da frente popular que governou Porto Alegre no começo da implantação. Vejo como algo mais amplo: é uma discussão cultural-política. As pessoas se construindo como sujeitos, não objetos, da política. A democracia não se faz sem partidos, mas os partidos não precisam ser os balcões de negócios que são. Precisam saber conviver com a pluralidade, a diferença. A população discutindo o orçamento acaba com a vaidade do governante, de grupos que querem tirar proveito do que é público. É um bom antídoto a qualquer processo de corrupção.
O que o senhor achou da suspensão do OP pelo prefeito Nelson Marchezan, sob as justificativas das demandas atrasadas e da falta de verba para executar o que foi aprovado?
É um absurdo que se esteja suspendendo por falta de dinheiro. O OP não cria dinheiro. Ele cria algo mais valioso que o dinheiro, que é a consciência cidadã em sua plenitude, não apenas na eleição. Acho que a suspensão é um equívoco enorme. Espero que não seja um viés ideológico-partidário que esteja por trás disso. É lastimável, para dizer o mínimo. O OP tinha de ser reforçado, requalificado, jamais secundarizado ou suspenso. É um desacato à cidadania que vinha se construindo nesse processo. Mas acredito que há um cidadania despertada que não vai aceitar essa decisão.