O rosto toma forma milímetro a milímetro. Começa pela mandíbula, depois pelas têmporas, e aí os músculos da expressão facial. Então vêm os olhos, os lábios, o nariz. Até que o amontoado de argila vai ganhando traços e recebe nome: Moisés.
Moldado sobre um protótipo utilizado em aulas de anatomia, Moisés serve de modelo para pesquisadores envolvidos em um projeto que busca reconstituir parte da história de Porto Alegre. Nele, se trabalha para aprimorar técnicas de reconstituição de um crânio décadas ou séculos após a morte. Passadas algumas semanas de trabalho, mesmo sem as orelhas e com parte do material que representará sua pele faltando, Moisés já pouco lembra a caveira que um dia foi. Parece um busto que olha, impassível, desenrolar-se à sua frente o rescaldo de um dos maiores achados arqueológicos da capital gaúcha.
Colocado sobre uma mesa de escritório, ele divide seu posto com instrumentos diversos em uma sala do Laboratório de Genética Humana e Molecular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS): pincéis, pinças modeladores, formulários, canetas, lápis, borracha. É um local privilegiado: nos arredores, está um tesouro formado por ossos humanos.
A partir de Moisés, um extenso projeto que une 19 pesquisadores das mais variadas áreas também vai tomando forma. Profissionais de biologia, genética, odontologia, anatomia, arqueologia, antropologia, farmacêutica, biomedicina e história se concentram em centenas de fragmentos de ossadas encontradas durante escavações realizadas em 2012 na Cúria Metropolitana de Porto Alegre.
Não há nada de macabro na sala artificialmente iluminada onde pesquisadores e restos humanos dividem espaço. Essa parte do laboratório exala um cheiro cítrico – efeito da substância D-limoneno, usada para suavizar as brutas marcas deixadas pela argila. É ali que os fragmentos de cerca de 120 indivíduos, provavelmente nascidos no século 18, vão sendo unidos em um desafiador quebra-cabeças.
Cientistas de diferentes áreas vêm tentando remontar um pouco dos hábitos daquelas pessoas, as causas de sua morte, o contexto histórico em que viviam. A partir daí, talvez se consiga saber também de onde vieram, que objetos usavam, que rituais praticavam, que relação tinham os habitantes da antiga Porto Alegre com seus parentes falecidos. Assim, de peça em peça, vai se desenrolando um quadro até então esquecido das origens de uma população.
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O PASSO A PASSO DE
UMA REDESCOBERTA
O administrador da Cúria Metropolitana, Sérgio Bertaglioli, conduz a reportagem pelo íngreme terreno sobre o qual a estrutura em que hoje se concentra a base da Igreja Católica em Porto Alegre começou a ser erguida há mais de 150 anos. Anos mais tarde, em 1912, o chefe da Arquidiocese de Porto Alegre na época, Dom João Becker, transferiria o seminário para São Leopoldo, abrindo espaço para a vocação administrativa que o local mantém até hoje.
Quem olha para a Catedral do seu terreno interno não tarda a identificar uma área mais estreita na qual as paredes e os parapeitos recentemente pintados destoam do restante do prédio de aparência secular. Foi para a reforma dessa área que, cinco anos atrás, arqueólogos abriram verdadeiras catacumbas para encontrar ossos depositados quando aquele espaço ainda abrigava um cemitério. O trabalho fez parte do projeto de recuperação da arquitetura original da Cúria, que a longo prazo pretende restaurar seu esplendor e torná-la um atrativo turístico. Como a Catedral e a Cúria, localizadas no Centro de Porto Alegre, são patrimônio histórico, artístico e cultural da cidade, qualquer intervenção estrutural precisa passar pelo crivo arqueológico, para que nenhum material de épocas passadas se perca.
As ossadas foram encontradas na etapa que antecedeu a reforma. No local, a administração da Cúria quis implantar uma subestação de luz.
– A energia era insuficiente. Agora, dá para atender a Catedral, lá em cima, e toda esta área administrativa. Antes, até uma impressora mais potente tinha os fios derretidos. À noite, cada bispo precisava tomar banho de uma vez, avisando que estaria usando a água quente. Não era possível ter ar-condicionado funcionando – lembra Bertaglioli.
Da área de escavações, o material encontrado foi para o laboratório, onde passou por uma limpeza meticulosa da terra que recobria mesmo as menores reentrâncias dos ossos. Separadas e etiquetadas, essas ossadas são agora também consideradas patrimônio histórico, tesouros pertencentes ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e salvaguardadas na PUCRS, sua fiel depositária.
1) ESCAVAÇÃO
Datadas do período entre 1772 e 1850, as ossadas foram encontradas em uma das alas da Cúria erguidas sobre um dos primeiros locais de sepultamento da cidade, antes de o terreno sediar a Arquidiocese. A povoação que viria a ser Porto Alegre foi fundada justamente em 1772, como Freguesia de São Francisco do Porto dos Casais.
Durante todo o ano de 2012, quando foram feitas as escavações, os arqueólogos encontraram centenas de fragmentos de ossos humanos espalhados pela chamada "área A", localizada no pátio leste do terreno, e na "sala C13", a oeste. Havia alguns corpos enterrados, mas muitos mais estavam espalhados, misturados em valas, realocados pela terra.
Todo o trabalho de encontrar e preservar essas descobertas, no entanto, é apenas o primeiro passo de uma série de pesquisas realizadas concomitantemente na PUCRS. Nelas, o objetivo é mapear tudo o que for possível desvendar das ossadas que, por enquanto, representam muito mais incógnitas do que certezas.
– As informações sobre cada indivíduo enterrado poderão contribuir na compreensão da formação dos habitantes da cidade no tempo em que esse cemitério foi utilizado. Quem eram os primeiros moradores da cidade? Qual a formação étnica? De onde vieram? Quais as doenças que tinham? De que forma e por que morreram? Em qual faixa etária? – enumera a arqueóloga Angela Maria Cappelletti, que coordenou as escavações na Cúria.
Tantas dúvidas não são por acaso: ainda se sabe muito pouco sobre quem foram esses indivíduos.
Os ossos, a olho nu, pouco revelam. Nos crânios melhor conservados, é possível saber, pela análise anatômica, se pertenciam a um homem ou uma mulher, qual era sua idade aproximada. Não muito mais que isso.
Em busca de respostas, o trabalho dos arqueólogos consiste em encontrar essas relíquias e preservá-las da melhor maneira possível. Não é uma tarefa fácil. Com picaretas, enxadas e pás, historiadores e operários abriram caminho através de piso cerâmico, concreto e um profundo aterro para chegar aos resquícios dos primeiros habitantes da capital gaúcha. Cada passo terra abaixo teve de ser dado com muito cuidado: sabia-se que o terreno havia abrigado um cemitério, ao longo de décadas, nos fundos da então Igreja Madre de Deus – que depois seria substituída pela Catedral Metropolitana –, o chamado Cemitério da Matriz. Era preciso descobrir, porém, em que profundidade estariam os restos mortais, quão preservados estavam, se haviam ou não sido separados por gênero, faixa etária, classe social.
O trabalho com instrumentos pesados não se estendeu por mais do que alguns centímetros, até a camada que dá sustentação à base da Cúria ser atravessada. Vencida essa etapa, picaretas deram lugar a espátulas de madeira; enxadas foram substituídas por pincéis; pás trocadas por baldes que, cheios de terra, eram içados à superfície por um sistema de roldanas – possivelmente a mesma tecnologia utilizada na época da construção do complexo, erguido entre 1865 e 1888.
O objetivo era não prejudicar nem perder qualquer achado. Como a área onde hoje estão a Cúria e a Catedral é inclinada, com a sede administrativa da Arquidiocese abaixo, no declive da Rua Espírito Santo, e a igreja acima, na Rua Duque de Caxias, as escavações chegaram a profundidades diferentes, entre dois e cinco metros de distância entre solo e covas, dependendo do local.
A descoberta de ossadas humanas em sepultamentos era esperada pelos arqueólogos. Surpreendeu-os, porém, descobri-las espalhadas pela terra, imiscuídas inclusive no aterro feito para nivelar o terreno. A coordenadora das escavações acreditava que esses ossos estariam respeitosamente reunidos em alguma área adequada, como um ossuário. O que encontrou, porém, na maior parte dos resquícios, foram fragmentos de crânios, ossos misturados, corpos sobre corpos. Em uma vala que continha cerca de 90 dos 120 indivíduos desencavados, havia ossadas sobrepostas, adultos e idosos, homens e mulheres reunidos como se ali tivessem sido depositados após uma exumação coletiva feita às pressas, possivelmente em função das obras no local.
– Quem construiu o prédio da Cúria não levou em conta os enterramentos, os ossos humanos, os restos mortais da população de Porto Alegre. Em alguns momentos, simplesmente colocou tudo misturado com o aterro no local, sem separar o material de forma respeitosa – lamenta a arqueóloga Angela Cappelletti.
Se faltou deferência em meados do século 19, a história agora é diferente. Cada ossada foi retirada com cuidado e abrigada em caixas ou sacos plásticos conforme seu tamanho e localização. O descuido de outrora pode significar que muitos fragmentos, ainda que não tenham se perdido, não possam ser mais unidos a suas partes originais, dificultando a etapa atual do trabalho, de reconstituição.
Compreendendo a importância do acervo, Angela procurou, logo nos primeiros meses de escavação, profissionais que pudessem ajudá-la a dar ainda mais significado para aquele material. Sabia que, a partir apenas da análise externa, pouco descobriria sobre aqueles habitantes. O achado poderia ir para um museu, como o Joaquim José Felizardo, que guarda um pouco da história da Capital, e ali seriam expostos os ossos, talvez acompanhados de pequenas placas contendo textos que contariam um pouco da história da escavação e dos enterramentos.
Mas seria esse o melhor destino para algo com o potencial de, pela primeira vez, mostrar ao público e aos cientistas como eram os primeiros habitantes de Porto Alegre? Seria, certamente, o jeito mais rápido, mas por que não tomar mais tempo, reunir interessados de diferentes áreas e apresentar um trabalho interdisciplinar de temática inédita na cidade? Para isso, seria preciso ir mais fundo, ainda mais que nas escavações, até o material genético, em busca de respostas sobre ancestralidade, patologias, características físicas daquela população. Para dar corpo, história e sentido às ossadas.
2) INVENTÁRIO
O local lembra a cena de um crime: do lado de fora, há uma imagem com marcas virtuais de sangue, objetos numerados, algumas digitais e contornos do corpo humano. Dentro, depois de passar por uma grade, o visitante se vê em uma série de salas – a primeira delas, repleta de ossos –, geralmente fechadas, pelas quais transitam diariamente duas dezenas de pessoas – não raro, com luvas e máscaras.
Se na primeira sala, com as ossadas, o cheiro cítrico predomina, o aroma no ponto de confluência dos pesquisadores, que em muito lembram peritos forenses, é o de café: há pequenos quadros com odes a seus efeitos, e mesmo no forte calor do verão porto-alegrense uma xícara é oferecida aos visitantes.
– As pessoas veem episódios do CSI e acham que é coisa de filme. Mas também fazemos esse tipo de investigação aqui – conta Clarice Sampaio Alho, coordenadora do laboratório.
A comparação é apropriada, já que no Laboratório de Genética Humana e Molecular funciona também um Núcleo de Pesquisa em Evidências Forenses, fruto de uma parceria entre a PUCRS e a Polícia Federal (PF). Ali, são analisados materiais genéticos que podem ajudar a elucidar crimes ocorridos em todo o Brasil. E serão analisados também ossos e dentes que poderão traçar um quadro ainda hoje encoberto sobre a antiga população de Porto Alegre.
A etapa atual de pesquisa consiste em fazer um inventário do material para tentar descobrir que ossos formam cada um dos fragmentos recolhidos e, mais complicado ainda, tentar reunir aqueles que seriam de uma mesma pessoa.
Diante da longa mesa repleta de pedaços de fêmures, tíbias, mandíbulas – sem contar as dezenas de caixas com mais ossos ainda mantidas fechadas –, organizar tudo parece uma tarefa ingrata. Não é o que pensam os responsáveis por desvendar esse enigma.
– É um trabalho bem apaixonante. Tanto pela parte contemporânea quanto pela parte histórica. Não sabemos o que vai acontecer, que resultados vamos encontrar. Isso não é um desestímulo, muito pelo contrário: nos anima – explica a bióloga Fernanda Bordignon Nunes, que coordena a parte da pesquisa dedicada à anatomia forense.
Conservar, catalogar, organizar e analisar os ossos é fulcral para o andamento da pesquisa. O processo é demorado, mas fazê-lo com esmero agora significa evitar retrabalho depois. Poucos são os exemplares em que se pode afirmar, antes de ser feita uma análise genética, que ossos diferentes pertencem ao mesmo indivíduo.
Dos 120 crânios estimados, apenas dois lembram, aos olhos leigos, algo parecido com um ser humano. Entre os demais, pedaços e mais pedaços de ossos representam um desafio para os profissionais da anatomia, que precisam identificar as peças e uni-las sabendo que provavelmente não se encaixarão perfeitamente. Depois da escavação, na limpeza feita em laboratório, ossos que pareciam inteiramente conservados acabam se partindo após anos sob a terra – efeito da chamada mineralização, em que a matriz orgânica óssea é substituída por sedimentos que, quando retirados, podem partir o exemplar em pedaços.
Essa é uma das razões pelas quais o número de ossadas exumadas ainda só pode ser estimado. Na verdade, não se vai saber quantas pessoas foram desenterradas até que todo o trabalho de inventário seja concluído. Enquanto isso, os profissionais vão trabalhando em cima daquilo que têm de mais completo.
3) RECONSTITUIÇÃO
Não basta passar as noites enclausurado e os dias acompanhado de perto, sempre meio escondido, pelas pessoas que estão dando forma a seu rosto: Moisés, quando não está sendo moldado, fica encoberto por um capuz. A reclusão se explica porque tentar reproduzir como seriam suas feições em um modelo físico, feito com argila, não é a única forma de reconstituição com que se está trabalhando no projeto.
De casa, o biólogo Pablo Gonçalves, a partir de medições no crânio e de um banco de dados genético – que ajudam a definir detalhes como etnia e sexo, essenciais para o traçado do rosto –, usa um software que faz a reconstituição digital do crânio. Ele não pode ver como a reconstrução manual está ficando, sob pena de ter seu trabalho afetado. Feitas ao mesmo tempo, as diferentes técnicas devem depois ser comparadas para que se possa encontrar semelhanças e diferenças, entendê-las e decidir como aprimorar cada método. É um processo ainda incipiente, de tentativa e erro, mas que vai ajudar a criar um padrão de desenvolvimento capaz de acelerar as etapas vindouras.
Os resultados, na avaliação dos envolvidos, têm sido positivos. Reza a lenda que Michelangelo, ao contemplar a perfeição da obra que havia terminado de esculpir para a tumba do papa Júlio II, em Roma, bateu com o martelo no joelho da estátua e disse: "Parla!" (fala!). A escultura pareceria tão real que, para ganhar vida, só faltaria falar. Seu nome? Moisés.
– O rosto começou a aparecer e nos surpreendemos. Depois de colocar as estruturas anatômicas e ver aquilo, nos emocionamos. Eu disse: "bah, só falta falar". Daí veio o nome – lembra a dentista Maria Luisa Tagliaro, que se especializou em anatomia e coordena os trabalhos de identificação dentária e reconstrução manual na pesquisa.
– Casualmente, Moisés também é o nome do meu esposo – ela completa.
O trabalho dos dentistas, que talvez pouco se associe a achados arqueológicos, se soma ao de tantas outras áreas envolvidas no projeto, mas tem uma atribuição especial. Os dentes estão entre as estruturas melhor preservadas do corpo humano após a morte, e é a partir deles que – após a devida catalogação e autorização do Iphan – se deve extrair o material genético capaz de traçar pontos ainda desconhecidos sobre a população porto-alegrense dos séculos 18 e 19.
É também a partir da mandíbula que a mais completa das ossadas encontradas na Cúria deve ganhar os próprios traços e história. Nome, ela já tem: Lúcia. Foi "batizada" assim porque, em um primeiro momento, ainda durante as escavações, se viu que tinha o crânio de mulher. E porque algumas variações desse nome foram achados arqueológicos marcantes, como Luzia, o crânio mais antigo já encontrado no Brasil, e Lucy, um fóssil da extinta espécie hominídea Australopithecus afarensis encontrado em 1974 na Etiópia.
Lúcia tinha uma peculiaridade: ela foi enterrada com as mãos sobre o coração. Nessa posição, se diferenciava de todos os outros indivíduos nos sepultamentos escavados naquele ponto do Centro Histórico da Capital, que tinham os braços cruzados sobre o ventre. Investigando essas distribuições, a arqueóloga Angela Cappelletti tirou conclusões sobre os rituais relacionados à morte na Porto Alegre daquela época. No antigo Cemitério da Matriz, as pessoas seriam enterradas com a cabeça voltada para o Norte, em direção ao altar-mor da velha igreja. Poucas carregavam consigo algum pertence: as exceções são apenas um colar de vidro, que remete à religião de matriz africana – possível descendência de algumas das ossadas –, e um crucifixo, relacionado à religião católica. Estima-se, por essas e outras evidências, que havia indivíduos de diferentes religiões, ascendências e classes sociais dividindo espaço no cemitério.
4) FUTURO
Coordenando todos os trabalhos relacionados às ossadas da Cúria, a geneticista Clarice Alho não para. Tira dúvidas dos integrantes da equipe – muitos deles jovens que estão dedicando seus projetos de pesquisa ao tema –, orienta mestrados e doutorados, prepara análises de DNA, administra o uso compartilhado dos equipamentos com instituições como a Polícia Federal e batalha por mais recursos para a série de atividades em andamento no seu laboratório.
São tantas que ela nem se lembra de cabeça: inventário de materiais, registros fotográficos, reconstrução dos crânios, medição dos ossos, obtenção de amostras genéticas, desenvolvimento de banco de dados genéticos, especialmente sobre a população da região Sul.
Muitos desses projetos já começaram, alguns estão em desenvolvimento, poucos chegaram a uma conclusão até agora.
– Temos que parar de começar e começar a terminar os projetos – pondera Clarice.
Lá se vão cinco anos desde o primeiro contato com Angela, a arqueóloga, que a convenceu da importância do achado. Seria, Clarice entendeu, a oportunidade perfeita para colocar em prática tantos estudos que tinha em mente, contribuir para o desenvolvimento científico nacional e, de quebra, apresentar aos gaúchos uma faceta pouco conhecida de sua história. Trabalhar com um achado arqueológico como esse é uma oportunidade rara, que a equipe pretende aproveitar em sua plenitude.
Por isso, pesquisadores das mais variadas áreas foram recrutados. O laboratório não conta com incentivo financeiro exclusivo para a cooperação técnica, então os envolvidos se dedicam a essa pesquisa por interesse pessoal, profissional e acadêmico – não financeiro. Esperam, além de aprimorar seus conhecimentos, utilizar o que aprenderem ali nos consultórios e laboratórios de que participarem em outras oportunidades.
O objetivo maior, contudo, é o de poder apresentar ao público, da maneira mais completa e atraente possível, os resultados da pesquisa.
– Todos nós, na academia, buscamos um projeto muito bacana a que possamos nos dedicar. E, para mim, é este. Queremos fazer essa reconstituição para dar, a partir dela, mais valor para a nossa cidade. Para introduzir essa ideia da nossa história. Tu vai à Europa, a diversos lugares, e eles reconstituem a própria história com muita facilidade, e valorizam isso. Uma descoberta como essa aqui motiva todo mundo a fazer algo que vai ficar marcado – reflete a historiadora Maria Cristina Berta Sant'Anna, também envolvida no projeto.
A coordenadora da pesquisa explica que os dados coletados terão valor inestimável não apenas para esclarecer questões sobre as ossadas da Cúria, mas também para servir de base a muitos outros projetos de anatomia, genética e reconstituição facial feitos no país. Concluídos os trabalhos, o que ainda deve levar anos, pretende-se expor rostos, objetos, informações de ancestralidade e detalhes sobre cada etapa dos estudos ao público. Diz Clarice:
– A ideia é expor para dar um retorno à sociedade, para que todos possam usufruir disso, entender o que aconteceu. Se não, ficamos aqui, dentro da academia, fazendo coisas super mirabolantes que ninguém sabe para que serve.