Sema, em grego, sinal. Semáforo: porta-sinal, sinaleira. Apontamos para indicar algo, assinalar, comunicar. Menos eficientes que gestos e menos objetivas que números e letras, as palavras variam de sentido e conforme o idioma, quem se comunica e com que propósitos, mas a humanidade depende das palavras e do acordo que façamos em torno delas. Duas palavras separadas por uma partícula fundam uma nação (independência ou morte, ordem e progresso), uma palavra mata ou liberta. Não é possível reerguer uma nação ou melhorar vidas com palavras maltratadas, que ocultam e enganam em vez de comunicar. A guerra política faz do verbo seu território e o trata como refém, indiferente ao que pode e quer dizer o pobre prisioneiro. Vejamos no vocabulário atual algumas batalhas semânticas em que o uso doloso tenta inverter o sentido do sinal, do pensamento e da história.
Flexibilizar. Parece doce palavra, promete afrouxar o que está duro, logo, se contrapõe à intransigência ou a resistências que impedem o bem e a modernidade; é o que deseja a parte frágil diante do poder, e todas as vítimas diante do algoz. Começa bem esta palavra que termina mal quando seu uso visa o contrário do que diz o seu significado. Atualmente querem "flexibilizar" direitos trabalhistas e previdenciários, o que significa, na prática, tornar mais duras as condições de vida já nada moles do povo trabalhador. Suponhamos que a meta seja equilibrar as contas (põe na lista), teríamos que saber quando e como esta "flexibilidade" vai amaciar no andar de baixo. Pior ainda quando as regras legais são "flexibilizadas" para que se cumpra, sem deferência à Constituição, à jurisprudência e à moralidade, o imperativo que pretende, com o rigor do cárcere, impor sua vontade. Precisamos flexibilizar fundamentos construídos em séculos de civilização?
Triste é o caso, igualmente, da palavra reforma, agravado quando esta se junta com artigo definido, a reforma, que faz parecer que temos consenso. Predileta de manipuladores, "a reforma" é tentativa de cheque em branco e de consagração para o "reformador". Depois de muito discutirmos, ponderarmos e estabelecer concordâncias, podemos usar o artigo definido com grande gala. Todavia, vejamos o caso da reforma política. Que reforma? Voto distrital misto (que é isto?)? Fim do financiamento de campanhas? Redução do número de partidos? Fim das mordomias dos governantes? Ampliação do poder democrático? Aqueles que sabem que benefícios colherão das reformas insistem em enganar a sociedade com essa promessa oportunista. Claro que queremos reformas, mas queremos antes de tudo reformar o modo de reformar, para que não nos venham socar goela abaixo mais creolina em copo de vinho do porto.
E quando se levanta a palavra reforma para atacar a educação com medida provisória, a forma menos educada de se fazer política? É diagnóstico claro, nossa crise educacional. Histórica, metodológica, orçamentária, política, cultural. O Brasil não dá valor à educação. Então, promete-se reforma ampliando-se o custo do serviço sem garantia orçamentária e sem mudar a base remuneratória. Urge aumento salarial vertiginoso, merecido pelo professorado brasileiro como condição essencial de qualquer reforma. Isso implica repactuar-se o orçamento, incluindo-se os educadores entre seus beneficiários. Mas será que arrivistas reformadores, canhestros flexibilizadores, são capazes de entender mensagem tão clara e óbvia?
Já se discutiu o uso das palavras golpe ou impeachment, mas eis que o maior beneficiário da tomada do poder declara que a presidente caiu por não endossar a "ponte para o futuro". Neste caso, fim do engodo semântico, e sabemos que estamos diante de um atalho para o passado. E sabemos também que não lutamos apenas por palavras, artes e letras, mas por uma nação mais lúcida, decente e feliz.
*Francisco Marshall escreve mensalmente no Caderno DOC.