O muro erguido pela Infraero sobre a Avenida Dique, na Zona Norte de Porto Alegre, para a ampliação da pista do Aeroporto Internacional Salgado Filho, fez mais do que impedir a passagem dos veículos pelo trecho em direção à Avenida Sertório: transformou em maratona a rotina dos estudantes moradores da antiga Vila Dique. Para chegarem às escolas, distantes 1km e 2km da comunidade antes do bloqueio, crianças e adolescentes estão percorrendo quase 20km diários, entre ida e volta.
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Na casa dos irmãos Stephanie e Felipe Maciel de Oliveira, de 11 e 15 anos, respectivamente, o despertar tem ocorrido bem antes do sol nascer. Para não se atrasarem, os dois são acordados pela mãe, a recicladora Viviane Maciel, 35 anos, às 5h40min. Na quarta-feira passada, a família atrasou-se 20 minutos. Se antes da obra era possível acordar próximo das 7h e até ir a pé à Escola Estadual Ensino Fundamental Aurélio Reis, no Jardim Floresta, onde ambos estudam, agora são necessários dois ônibus e quatro horas diárias livres para ir e voltar. O mesmo ocorre com pelo menos mais 30 estudantes dos ensinos fundamental e médio que moram no trecho onde estão 300 famílias. Antes do fechamento da avenida, crianças e adolescentes pegavam um ônibus na própria via, numa viagem que durava dez minutos até as escolas, ou seguiam caminhando ou de bicicleta, quando o trajeto levava menos de meia hora.
Peregrinação
Agora, a cena se repete todas as manhãs. Por volta das 6h20min, estudantes com idades entre oito e 17 anos começam a percorrer o trecho de terra da Avenida Dique em direção à Avenida das Indústrias. De lá, seguem num primeiro ônibus até o terminal próximo da Estação Aeroporto, onde embarcam na segunda linha rumo ao Jardim Floresta.
– Antes, era uma linha reta e em dez minutos estávamos no colégio. Agora, se pegamos o trânsito parado nas avenidas Ceará e Sertório, chegamos atrasados na escola, mesmo se sairmos antes de casa – comenta Felipe.
Há uma instituição municipal a menos de 200m da Dique, mas só havia poucas vagas disponíveis, destinadas para quarto e quinto anos. Felipe cursa o sétimo ano e a irmã, o sexto. Para Viviane, o maior problema é o distanciamento forçado e falta de informações por parte da prefeitura.
– De uma hora para outra, ergueram um muro e nos obrigaram a mudar toda uma rotina. Se tivesse uma linha para transportar as crianças até a Sertório já ajudaria muito – diz a mãe das crianças.
Moradores pedem ônibus
Presidente da Associação de Moradores da Dique (Amodique), a recicladora Scheila Motta reunirá os nomes de todos os estudantes moradores da Dique para solicitar à EPTC uma linha de ônibus que contemple o grupo, pelo menos, nos horários de entrada e saída das escolas. Scheila acredita que com a finalização da Avenida Severo Dullius, que passará próxima à vila e seguirá até a Sertório, o problema será resolvido. Porém, a obra de prolongamento deve ser finalizada somente em dezembro deste ano, segundo a Secretaria Municipal de Gestão.
– Esta distância para estudar pode ser comum no meio rural, mas estamos na Capital do Estado. Há casos de alunos que não estão estudando por falta de dinheiro para as passagens. Outros estão morando temporariamente nas casas de parentes mais próximos às escolas – revela Scheila.
Nas duas escolas estaduais de ensino fundamental que mais recebem estudantes da Dique – Professor Ernesto Tocchetto e Aurélio Reis – o bloqueio da via já começou a causar problemas. Professores da Ernesto revelaram que, principalmente, as crianças de até dez anos estão faltando mais às aulas em dias frios e chuvosos. Na Aurélio, os atrasos aumentaram no primeiro período – as aulas começam às 7h35min – e quatro estudantes pediram transferência no mês passado.
Situação surpreendeu autoridades
Conselheiro tutelar da Micro 2, Renato da Silva, responsável pela região, surpreendeu-se com o problema ao tomar conhecimento do caso na quarta-feira passada. Ele garantiu que contatará com as famílias da Dique e acionará a EPTC para solicitar a alteração de itinerário de algumas das linhas da região para contemplar os estudantes.
– É uma situação grave que não pode aguardar até o final do ano. Há um semestre pela frente e estas crianças não podem pagar um preço que não é delas – afirmou.
Diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari informou que situações semelhantes em Porto Alegre, mesmo envolvendo alunos de escolas estaduais, foram assumidas pela educação municipal. Já a titular da Secretaria Municipal de Educação (Smed), Cleci Jurach, respondeu que foi "tomada de surpresa" pelo problema vivido pelos estudantes da Dique. Cleci informou que ocorrerá uma reunião nesta semana com a Defensoria Pública, Conselho Tutelar e EPTC para tratar sobre o problema.
– O que me surpreende é que o Estado e as escolas não nos disseram nada sobre isto. A manifestação foi de um conselheiro tutelar junto ao Cappellari (EPTC). Vamos construir uma saída, mas o ônibus especial para estes estudantes vai depender do que a EPTC nos disser sobre os ônibus (de linhas regulares) que passam no local – disse Cleci, que destacou:
– A Smed fará um levantamento para identificar quantos alunos precisariam deste transporte.