– É para entrar nessa sala ao lado – indica uma voz tímida ao interfone, enquanto uma estrutura giratória de madeira revela uma chave.
Na outra ponta do hall, uma porta leva a um cômodo cortado ao meio por uma grade. Enquanto a repórter e o fotógrafo aguardam de um lado da divisória, do outro, 13 mulheres cobertas com vestes religiosas aparecem para uma experiência com a qual não estão acostumadas: falar sobre a vida que levam no carmelo localizado no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre.
A roda de madeira na entrada do Mosteiro Nossa Senhora do Carmo é por onde as irmãs se comunicam e entregam e recebem objetos sem serem vistas há mais de 150 anos. Bem como a grade que separa moradoras e visitantes no locutório e o alto e extenso muro com pinturas religiosas na Avenida Loureiro da Silva – entre as ruas José do Patrocínio e Lima e Silva –, é uma estrutura que assegura às 20 moradoras do local o menor contato possível com o mundo exterior.
Elas integram a ordem católica dos Carmelitas Descalços, que têm como particularidade a vida contemplativa de clausura monástica: vivem reclusas no meio do tradicional bairro boêmio que tem fama de ser o mais agitado da Capital.
– Quando se entra na clausura, há um silêncio místico. Apesar de estarmos envolvidas com o barulho externo, podemos viver essa paz – diz a irmã Susana da Santíssima Trindade, madre priora do carmelo, explicando o que define como "outro mundo" dentro da agitação do bairro.
Fundado em 1839 pela madre portuguesa Joaquina de Jesus, o carmelo de Porto Alegre foi o primeiro do Estado – hoje, há uma associação com 12 carmelos na região sul do país. Segundo a madre Susana, as irmãs carmelitas abdicam da vida em sociedade acreditando em uma "recompensa eterna":
– Se nós, contemplativas, não acreditássemos que existe um Deus que nos ama e nos aguarda na eternidade, seria uma loucura essa vida. Mas temos certeza que cada um vai receber a recompensa que mereceu.
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Nenhum visitante, nem mesmo os parentes das religiosas, pode entrar no carmelo – por isso, a reportagem foi recebida para a entrevista no locutório. As irmãs que ingressam no mosteiro sabem que não poderão passar dos limites do muro, quanto menos tirar férias ou visitar a família. Saídas ocorrem apenas por motivos de saúde, quando é necessário comprar mercadorias que não podem ser entregues no carmelo e para votar em dias de eleição – ainda assim, o mais perto e rapidamente possível.
O isolamento não é um peso, afirma a irmã Giovana da Virgem do Sorriso, 25 anos, jovem de Frederico Westphalen que ingressou em 2011 no mosteiro. Ela garante não sentir vontade de experimentar a famosa noite no bairro nem de ir a qualquer outro lugar.
– Aqui, é possível abraçar o mundo. A gente está em todos os lugares com a oração – diz, esboçando um sorriso juvenil que faz jus ao nome religioso que escolheu.
Futebol, peças teatrais e cantoria aos domingos
A rotina dentro do carmelo de Porto Alegre é rígida. O primeiro dos sete momentos de oração da Liturgia das Horas ocorre às 5h30min. Depois, as irmãs ficam em silêncio até a missa das 7h. Há apenas dois períodos em que a conversa é liberada – o "recreio" ocorre no começo da tarde e depois do jantar, por uma hora.
Além de ter aulas de formação de noviciado com a madre, as mais jovens aprendem a lavar, passar, cozinhar, tricotar, costurar. Cada uma dorme em um quarto privativo, que chamam de cela.
Domingo é o dia em que, pelo menos por algumas horas, as atividades são mais diversificadas. As irmãs ensaiam peças de teatro sobre a vida de santos e cantam. Às vezes, rola até um futebol – sem tirar o hábito e o véu.
– É para exercício físico, não para competir. O nosso futebol tem uma goleira só – ri a irmã Agnes de Jesus, 41 anos.
As religiosas contam que fizeram uma festa de São João no mosteiro no último domingo de junho. Pelo que revelaram em meio a gargalhadas, havia comes e bebes típicos, pescaria e até música de quadrilha com letra religiosa.
Número de residentes triplicou em seis anos
Quando a madre Susana chegou ao carmelo, eram apenas seis moradoras, contando com ela. Não havia vocacionada alguma – como são chamadas as jovens que decidem ingressar na vida religiosa. Mas o número de residentes mais que triplicou de seis anos para cá, e a 21ª irmã deve chegar até o final de 2016. Com ela, o mosteiro terá todos os quartos ocupados.
– É o Menino Jesus de Praga que traz elas, não tem outra explicação – celebra a madre, relacionando a procura pelo carmelo às novenas realizadas em homenagem ao filho de Deus.
As irmãs do Mosteiro de Nossa Senhora do Carmo têm entre 19 e 91 anos. Antes de ingressar na casa, boa parte cursou Ensino Superior – há mulheres que estudaram Letras, Biologia, Enfermagem, Administração e Psicologia. A irmã Agnes de Jesus cursou decoração de interiores no Paraná. Também dançou balé clássico, fez peças de teatro infantil e teve experiência como trapezista em um circo antes de entrar no carmelo.
– Não ingressei na vida religiosa por falta de oportunidades de buscar um sucesso fora. Isso aqui é muito maior do que qualquer outro dom com o qual Deus me dotou – afirma a irmã.
Agnes explica que, para quem tem vocação monástica, é o período vivido fora da lida religiosa que parece um suplício.
Jovem que deu chimarrão ao Papa Francisco virou noviça
A decisão de ingressar no mosteiro surge a partir de um "chamado de Deus", de acordo com as noviças. Paola dos Santos Matos, 19 anos, sabe que ouviu o seu em 2013, na Jornada Mundial da Juventude. É ela a gaúcha que ficou conhecida por oferecer ao papa Francisco um chimarrão enquanto o Pontífice passava de Papamóvel pela orla de Copacabana, no Rio de Janeiro.
– Para mim, era uma ideia impossível, pois tinha mais de 2 milhões de pessoas lá. Mas eu ofereci, e a maior surpresa foi que ele aceitou, bebeu e me abençoou. Foi uma coisa breve, mas eu digo que ali, no olhar do Santo Padre, Deus me chamava de uma forma mais especial – recorda.
A jovem entrou no mosteiro no ano seguinte e assumiu o nome religioso de irmã Estela da Mãe de Deus. Ela pretende passar toda a vida no carmelo, salientando que deu a Jesus "um sim para sempre, não só por hoje":
– A clausura para mim é o que me preserva de algo que eu não preciso. Ela me proporciona o ambiente para a vocação que ele me deu, a vocação de estar só com ele.