*Por Lola Aronovich, autora do blog Escreva Lola Escreva e professora de Literatura em Língua Inglesa da Universidade Federal do Ceará
Neste final de semana, para celebrar os 244 anos de Porto Alegre, teremos o evento Conexões Globais 2016, que trata de temas como cidades democráticas, mobilizações em rede e espaços urbanos. Conferências, oficinas e shows acontecem no Vila Flores, no bairro Floresta, e é tudo grátis. Eu, como autora de um dos maiores blogs feministas do Brasil, fui convidada a vir de Fortaleza para o painel "Mulherada Empoderada: os Feminismos Insurgentes nas Ruas e nas Redes" (das 20h às 21h deste sábado), junto com as companheiras de luta Clara Averbuck, Monique Prada, Negralisi e Rubia Abs da Cruz. Antes disso, certamente estarei assistindo aos diálogos do painel "Diversidade Sexual e de Gênero: os Desafios do Ativismo na Rede" (das 18h às 19h30min), porque nossas pautas, se não exatamente iguais, são muito parecidas.
É interessante poder conversar sobre espaços urbanos e ativismo, temas que deveriam estar mais presentes no dia a dia. A tensão entre espaço público e privado, ou doméstico, é uma das pautas feministas. O corpo das mulheres é tido como público, não privado. Nele podem mandar os governantes, quase sempre homens. Ainda que várias leis tenham sido abandonadas (por exemplo, a não virgindade de uma mulher valia para anular um casamento, e uma filha "suspeita de desonestidade" podia ser deserdada), há outras que persistem em vigiar e punir o corpo feminino, como a criminalização do aborto.
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Se o corpo da mulher é público (pense em como é comum estranhos se sentirem à vontade para tocar na barriga de uma grávida, ou em se esfregar em mulheres no transporte urbano), o lugar que ela tem no espaço público é limitado. Nós temos o direito de ir e vir cerceado em inúmeros momentos. Sempre precisamos calcular aonde vamos, com quem, com que roupa, em que horário, pois a ameaça do estupro é uma constante nas vidas das mulheres.
As "gracinhas" que mulheres ouvem na rua cotidianamente estão aí para nos lembrar que nossos corpos serão julgados. Corpos demais são tocados sem autorização, numa clara demonstração de poder e violência. Duvido que algum homem que já gritou para uma desconhecida na rua "Quero chupar você todinha!" tenha esperado ouvir "Oba! No seu apê ou no meu?" Não é paquera, não é cantada, é demonstração de poder. E, infelizmente, faz parte da socialização masculina. Assediar é algo que meninos aprendem desde cedo, para provar que são "machos", e que meninas sofrem também desde cedo, como a tremendamente bem-sucedida hashtag #MeuPrimeiroAssedio mostrou. A enorme maioria das mulheres não gosta desse assédio, porque sente-se agredida, invadida e, não raro, ameaçada. Mas muitos homens insistem em dizer que reclamar é mimimi feminista, coisa de mal amada.
Nesta quinta, por exemplo, um homem no Facebook reclamou de "assédio gay" no banheiro masculino, pois um dos rapazes olhou para o seu pênis enquanto urinava. A resposta das mulheres foi perfeita: "Quanto mimimi! Olhar é crime?", "Se ele olhou é porque alguma coisa você estava fazendo" e "Você tava pedindo". Soa familiar? É exatamente o que as mulheres ouvem todos os dias ao protestarem contra o assédio dos homens (e depois dizem que feminista não tem senso de humor!).
Mas, se nós mulheres protestamos, não é porque estamos querendo criar uma guerra dos sexos. Apenas queremos ser respeitadas e vistas como cidadãs, tão dignas de ocupar espaços públicos quanto os homens. Não fomos nós feministas que colocamos homens e mulheres como adversários ao criar o termo "sexo oposto". Não somos nós que acreditamos que homens e mulheres são tão diferentes que somos basicamente espécies distintas. Quem inventou isso foi o patriarcado.
Meu feminismo é para todas e todos. No momento polarizado em que vivemos, tempo de cólera, principalmente nas redes sociais, o diálogo é fundamental. Não estou falando de dialogar com quem só quer odiar, trollar, atacar. Com esses seres tomados pelo preconceito e pela raiva é perda de tempo. Mas, no meu otimismo incorrigível, creio que essas criaturas são minoria. Muitas pessoas, acredito eu, estão ignorantes porque nunca pararam para pensar, porque sempre aceitaram sem questionar o senso comum como verdade absoluta, porque veem certos comportamentos como naturais.Mas conversando a gente se entende. E tecer algumas problematizações pela primeira vez é um ato revolucionário. Portanto, convido você a vir bater um papo com a gente e a pensar fora da caixinha.