Um cartaz estilo faroeste no mural ao lado do elevador no sétimo andar do Departamento de Ciências Físicas da Universidade de San Diego mostra a figura de um gato com chapéu de caubói. As letras tipo saloon dizem acima: “Procurado, vivo e morto”. A brincadeira remete a algo que se popularizou como o paradoxo de Schroedinger, que tenta explicar princípios da física quântica. Em uma caixa, existe um gato que pode morrer ou viver dependendo do comportamento de um átomo radioativo. Se o átomo emitir radiação, o gato morre. Enquanto não abrimos a caixa, não sabemos o estado do átomo, e não sabemos se o gato está vivo ou morto. Schroedinger diz que, teoricamente, ele está vivo e morto ao mesmo tempo. No momento em que abrimos a caixa, ele estará em apenas um estado.
Desde o século 17, os físicos tentam explicar o comportamento da luz. Primeiro como onda; mais tarde, Einstein sugeriu que a luz também poderia comportar-se como partícula (fóton). Isso foi fundamental para entender partículas subatômicas, como elétrons ou prótons. Em escalas tão pequenas, é quase impossível medir algo com precisão, então a mecânica quântica trabalha com probabilidades. O que você está medindo pode teoricamente encontrar-se em diferentes estados, até o momento da medida – daí está apenas de um jeito.
Para que, alguém pode perguntar, se pesquisa isso? Estamos pagando físicos para brincarem com caixas, radioatividade e gatos? Em 1982, foi formalmente proposto por Richard Feynman que um computador poderia ser construído com base em princípios quânticos. Enquanto computadores normais hoje trabalham em sistemas binários de processar informação, 0 ou 1, computadores quânticos consideram os vários passos entre 0 e 1, e, dessa forma, podem ser muito mais rápidos. Além disso, como a mecânica quântica explica o comportamento de partículas subatômicas, estima-se que os computadores quânticos poderão atingir níveis impensáveis de miniaturização – estamos falando do tamanho de um grão de areia. A União Europeia anunciou esta semana que lançará um plano de um bilhão de euros para estimular tecnologias quânticas. O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, estudou o assunto e hoje dá entrevistas mostrando seu fascínio pela computação quântica (inveja!).
Penso nesses desdobramentos dos experimentos com a luz de velas no século 17. Quando um político ou um governante declara não financiar ciência porque no Brasil a pesquisa não serve para nada, como falou o governador de São Paulo Geraldo Alckmin, ele está mentindo no mínimo duas vezes. A primeira é que a esmagadora maioria dos políticos brasileiros é cientificamente ignorante – eles não compreendem o que um cientista faz, portanto não sabem avaliar se é bom ou ruim. A segunda é que eles também não apoiam a ciência que visa explicitamente a resolver problemas ligados à economia. O Brasil é um pais majoritariamente agrícola. Por que não reservar então uma parte do orçamento para investir em ciência que desenvolva colheitas mais resistentes ou grãos mais nutritivos?
Um bom cientista pode enumerar instantaneamente múltiplas aplicações da pesquisa que realiza. Mas a verdade é que a gente pesquisa algo porque ficou fascinado. Porque gosta. Quanto mais compreendemos um fenômeno, mais queremos saber. Os físicos estudaram a luz porque estavam curiosos. As aplicações do que se descobre são conseqüências inevitáveis desse processo, e não necessariamente desenvolvidas pela mesma pessoa. Atualmente, no Brasil, teoricamente, podemos alcançar ou não a independência econômica investindo em educação e ciência. Contudo, com certeza, temos de escolher melhor legisladores e governantes, ou... era uma vez um gato.
* Cristina Bonorino escreve mensalmente no Caderno DOC.