Tem uma coisa engraçada com as efemérides envolvendo William Shakespeare (1564 - 1616). Como o poeta, dramaturgo e "inventor do humano" (essa é do Harold Bloom, não minha) viveu 52 anos, nem bem se completaram as festividades de 2014 para lembrar os 450 anos de seu nascimento, já temos outra data redonda a caminho: 2016, ano em se completam, no dia 23 de abril, 400 anos da morte do maior clássico inglês.
O Kings College, de Londres, lançou a plataforma Shakespeare 400 (shakespeare400.org), um portal no qual apresenta uma série de ações culturais e educacionais inspiradas no bardo coordenadas pela instituição em parceria com várias outras organizações. Estão previstas na capital inglesa exposições, montagens, ciclos de cinema com algumas das suas principais adaptações, seminários sobre o (intenso) contexto histórico em que ele viveu e escreveu. A British Library programou uma exposição que deve ir de abril a setembro recuperando a história de 10 montagens que ampliaram os paradigmas sobre seu trabalho.
As festividades não englobam apenas a capital inglesa, para onde Shakespeare se mudou no início dos anos 1590 e onde viveu a maior parte de sua vida. Stratford-Upon-Avon onde nasceu, também concentra atividades. Há o óbvio passeio turístico pelos locais associados à vida do poeta (inclusive alguns sobre cuja autenticidade os biógrafos discutem há séculos, como a escola em que teria estudado), mas a cidade também dividirá, com Londres, a sede do Congresso Mundial de Shakespeare, entre 31 de julho e 6 de agosto, um encontro com seminários críticos, oficinas teatrais, palestras e performances.
É fácil prever que a data também vai provocar uma nova onda de lançamentos de e sobre Shakespeare, mesmo no Brasil. Claro, não é como se ele tivesse ficado algum momento longe das livrarias, e muitos livros preparados para marcar os 450 anos de nascimento, em 2014, ainda estão em catálogo, como a edição brasileira da tradução dos Sonetos Completos feita pelo português Vasco Graça Moura, que saiu pela Landmark ou Shakespeare: O Que as Peças Contam (Edições de Janeiro), em que Barbara Heliodora, uma das principais especialistas no país, esmiuçava personagens, tramas e contextos de seus 37 textos para teatro. Pela L&PM, é bem fácil encontrar traduções de nomes como Millôr Fernandes e Beatriz-Viegas Faria. Ou a tradução da obra teatral pela mesma Barbara Heliodora para a Nova Aguilar, ou a de Carlos Alberto Nunes relançada pela Agir. Lawrence Flores Pereira trabalha em duas novas traduções, para a Companhia das Letras/Penguim: Otelo, previsto para o primeiro semestre, e Rei Lear, que deve sair no segundo semestre.
Shakespeare também é um favorito do cinema. Segundo o IMDb, um dos mais completos bancos de dados sobre cinema na rede, são 1.104 versões audiovisuais de suas obras, de um curta mudo e preto e branco de 1898 adaptando Macbeth, até várias obras em pré-produção neste momento. O mais recente Shakespeare nas telas é também um Macbeth, atualmente em cartaz na Capital (leia crítica aqui).
O que explica tal onipresença? Fique à vontade para escolher uma das milhares de explicações desenvolvidas por estudiosos qualificados ao redor de todo mundo. O autor deste texto seleciona apenas uma hipótese: Shakespeare pôs em cena personagens cativantes por suas imperfeições e pela humanidade de seus motivos, e eles brilham em tramas cujo coração é o embate de vontades, e não necessariamente a pressão da conjuntura histórica. Seus detratores ao longo de séculos o acusaram de ser pouco acurado na construção do pano de fundo histórico, mas é isso o que permite que seus personagens em cena sejam a súmula da experiência humana, e é também isso o que faz funcionar até versões com seu texto elizabetano transposto para o nosso presente.
CINCO LIVROS PARA ENTENDER SHAKESPEARE
Shakespeare: A Invenção do Humano, de Harold Bloom
Bloom argumenta que o gênio de Shakespeare foi explorar as relações do homem consigo mesmo, e não com o divino. (Objetiva, 2000)
Como Shakespeare se Tornou Shakespeare, de Stephen Greenblatt
Uma biografia que interrelaciona as peças de Shakespeare com o momento histórico em que o dramaturgo inglês viveu. (Cia. das Letras, 2011)
A Linguagem de Shakespeare, de Frank Kermode
Kermode analisa, peça a peça, a linguagem empregada por Shakespeare em seus trabalhos e seu contexto na época. (Record, 2005)
Shakespeare: O Mundo é um Palco, de Bill Bryson
Um sumário biográfico de Shakespeare que separa lendas das informações historicas confirmadas. (Cia. das Letras, 2008)
As Guerras de Shakespeare, de Ron Rosenbaum
Um livro que retraça as controvérsias produzidas ao longo dos séculos por teóricos, pesquisadores e especialistas. (Record, 2011).
CINCO ADAPTAÇÕES DOS ÚLTIMOS 20 ANOS
Hamlet (1996)
Tour de force em que Kenneth Branagh encena a peça na íntegra, transformando uma transposição de quatro horas em grande cinema.
Romeu + Julieta (1996)
Shakespeare poucas vezes foi tão pop quanto nesta versão de Baz Luhrman da clássica história de amor adolescente em uma praia californiana contemporânea.
Ricardo III: um ensaio (1996)
Estreia na direção de Al Pacino, que intercala uma versão para a peça com uma profunda investigação sobre a relevância do autor hoje.
A Tempestade (2010)
Julie Taymor recruta Helen Mirren para ser a "Prospera" em uma visualmente inventiva versão da última peça escrita de Shakespeare.
Muito Barulho por Nada (2012)
Faz sentido que depois do som e fúria de Os Vingadores, Joss Whedon tenha se dedicado a esta íntima adaptação de Shakespeare em preto e branco e com cara de filme indie.