Como você reage à notícia da morte de um ladrão durante uma tentativa de roubo ou assalto? Confesso que minha primeira reação, aquela mais instintiva, é de certo júbilo: a justiça foi feita, o mundo se tornou um lugar um pouco mais seguro, "nós" marcamos um gol contra "eles". Ato seguinte, me assusto e me envergonho desse pensamento tão primário, cuja lógica me identifica a um fascista. No curto tempo entre júbilo e espanto, porém, não chego a expressá-lo para além de meu diálogo interior. Mas encontro essa reação refletida em muitas manifestações, que exaltam a ação do algoz (herói!) ao passo que xingam o morto (um a menos!).
Na morbidamente irresistível leitura dos comentários, me deparo com manifestações mais exaltadas: de "direitos humanos para humanos direitos" a soluções que vão da pena de morte à eugenia, passando pela volta da ditadura. Nesse momento, minhas tripas se revolvem contra seus autores, os "cidadãos de bem" que com seus brados alavancam a onda fascista que nos ameaça. Fico tomado do desejo de protestar, taxando sua lógica de maniqueísta e egocêntrica, e de desnudar, com ironia e sarcasmo, a puerilidade de seus julgamentos e valores. Mas novamente me detenho: é o mesmo sentimento de antes, a ira apenas mudou de alvo.
Com alguma melancolia, constato minha insuficiência diante dessa questão de tantos e tão variados matizes: todos têm alguma razão, ninguém tem A razão. Lamento o esvaziamento da possibilidade de diálogo, restrito a manifestações guturais, e vendo-nos entrincheirados em certezas mais ou menos frágeis, desde as quais se desmerece e deslegitima a priori a posição do outro. Bradando ao outro uma suposta razão ou superioridade, acaba-se mostrando apenas uma arrogância surda, que coloca o "sabedor", no fim das contas, no mesmo patamar do "ignorante".
A violência e suas filhas - como a raiva e a ira - surgem com frequência não como expressão de maldade ou força, mas de fragilidade e desespero. O recurso à violência, em palavras ou atos, pode ser uma derradeira tentativa de se proteger de uma insuportável ameaça, real ou imaginária. Um paranoico ataca não porque seja violento em sua essência, mas porque se sente tão acuado que a única forma de sobreviver é agredindo seu suposto algoz. Não há vacina contra a violência, a não ser tentar alongar o caminho entre sensação e reação, pavimentando-o com reflexão e diálogo. Mais forte não é quem grita mais alto, mas sim quem consegue escutar e acolher o desamparo contido nos gritos de ódio.
Violência e insegurança são duas caras de uma mesma moeda, uma potencializa a outra. Inseguros, somos mais propensos a atos carregados de violência; sofrendo violência, nos tornamos ainda mais inseguros. Para o sociólogo Zygmunt Bauman, a questão da segurança pública é apenas a faceta mais tangível da Unsicherheit, palavra do alemão que significa "insegurança", mas também "incerteza" e "falta de garantia". Em um mundo cada vez mais escravo da solidão individualista, órfão de narrativas e instituições que sustentem a vida em comum e com perspectivas de futuro pouco animadoras, estamos todos mais ou menos vulneráveis e inseguros.
O desafio em relação à segurança pública é enorme: demanda mais efetivo e melhores salários para policiais e a reformulação de uma polícia herdeira de uma lógica que não cessa de fracassar. Precisaria também incluir condições mais dignas não apenas para os presos, mas para todos, pois a vulnerabilidade social comprovadamente potencializa índices de adoecimento e criminalidade. O desafio maior, porém, cabe a todos: conseguir aproximar "nós" e "eles", em vez de aprofundar o abismo que empurra para o aumento da segregação e da violência. Para isso, precisamos reconhecer que padecemos de Unsicherheit, e que o caminho, seja ele qual for, precisa incluir o outro - inclusive o ladrão e o fascista. Por mais diferente e ameaçador que seja o outro, precisamos zelar para que ele jamais perca sua condição de nosso semelhante: esta sim é a verdadeira ameaça.
*Paulo Gleich escreve mensalmente no Caderno PrOA.
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