A crise brasileira está unida a setores políticos, sociais, ideológicos. Não apenas os planos econômicos do governo mostram plena inanidade. Eles não coincidem com os interesses coletivos, na elite ou na base da população. Ocorre inédita carência de lideranças democráticas no país, à esquerda ou à direita. Resulta uma abulia que favorece o fervoroso renascimento autoritário, fascismo espraiado em diversas ideologias e religiões. Em tal momento é preciso pensar sem os slogans das seitas ou partidos. Estes últimos, no Brasil, se transformaram em mera fábrica de votos e alianças incoerentes, propriedade de oligarcas sem compromisso com a democracia. Eles não garantem direitos ou liberdade, só tratam dos mesquinhos interesses dos seus burocratas, não raro corruptos.
Com o risco de ser vituperado por misólogos (termo inventado por Platão para definir os inimigos do pensamento), pois o anti-intelectualismo no Brasil é fértil no plano cultural, recordo ao leitor alguns escritos que permitem analisar nossa vida institucional. O primeiro texto, antigo, data de logo após a II Guerra Mundial. Nela, o delírio demagógico causou a morte de milhões nos campos de batalha e de concentração. Refiro-me ao substancioso artigo de Theodor Adorno, Liderança Democrática e Manipulação de Massas (1951). O trabalho pode ser lido na internet (em adorno.planetaclix.pt/tadorno25.htm)
Adorno resume as mazelas do relacionamento entre partidos, lideranças, multidões, tendo como pano de fundo análises psicanalíticas e sociológicas aliadas a uma apreciação vigorosa da propaganda como instrumento que pode destruir a democracia. Os brasileiros de hoje são conduzidos e ludibriados pelo marketing político de geniais impostores como Duda Mendonça e colegas. Sua obra-prima é a veiculação do suposto Fura-Fila, que deu a Celso Pitta a vitória nas eleições paulistanas de 1997. O trem maravilhoso segue, nos filmetes do horário "gratuito", uma viagem pelo sublime e resolve os dramas do trânsito municipal. A seguir veio a propaganda petista, assinada no mesmo espírito, em que deusas grávidas levitam pelos campos na celebração da esperança a ser garantida por "Lula paz e amor".
A retórica política manipula anseios e pânico. Tal fato é ilustrado pelas cenas ideadas por João Santana. Banqueiros arrancam alimentos das mesas pobres, com aplauso de Marina Silva. Tais processos de acovardamento coletivo vêm de longe, já foram instaurados pelo DIP na "era Vargas". O povo foi acostumado ao servilismo pelos chicotes dos censores, do exílio, do emprego perdido, da tortura física e chantagem do marketing oficial. Temos, portanto, vivência suficiente para entender os conceitos expostos por Theodor Adorno. Mas precisamos ir além, devemos refletir sobre a miséria política que gera tais crimes de lesa-consciência.
No item propaganda e manipulação é recomendável a leitura de outra obra terrível: Joseph Goebbels, Uma Biografia, de Peter Longerich (publicada pela Editora Objetiva, 2014). Os mercadores de certezas, os assim chamados marqueteiros, são filhotes do criador de embustes que alicerçou a tirania nazista na mente de milhões. Mas não basta o estudo de instrumentos.
Precisamos pesquisar a carência de agentes, brasileira e mundial, das lideranças democráticas. O fenômeno não é novo. E aí permitam citar outro trabalho sobre o tema. Trata-se do livro publicado por Jean-Claude Monod, O Que é um Chefe na Democracia? (2012). Nenhuma editora traduziu o volume para o nosso idioma. Fica a sugestão. Monod inicia com o exame rigoroso dos clássicos no campo da sociologia política. Após uma síntese oportuna de Max Weber (muito mencionado entre nós, pouco lido e menos ainda pensado) o autor mostra o quanto é preciso suscitar lideranças democráticas num mundo onde tudo se resolve em prol das finanças e com propaganda. Ao discutir as perversões totalitárias e demagógicas do século 20, ele mostra o que pode ocorrer num Estado democrático sem líderes: crises sucessivas levam à bancarrota das liberdades públicas e ao clamor pelos ditadores "honestos". Em clima de impeachment, suas linhas ajudam a descobrir vias para o nosso amanhã, sem promessas que levam, pelo não cumprimento, ao desespero.
Desejo aos amigos do Rio Grande excelente Natal e um 2016 com muita alegria, apesar de tudo.
*Roberto Romano escreve quinzenalmente no caderno PrOA.
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