Quando as portas do salão se abriram, Amanda Gabriele da Silva Pereira, 15 anos, moradora do Morro da Cruz, em Porto Alegre, olhou para os cerca de 250 convidados que lotavam o espaço, liberou um sorriso acanhado e tratou de grudar o queixo no peito, tamanho era o nervosismo enquanto caminhava até a pista de dança. Com os ombros arqueados para frente, como se quisesse se esconder do mundo, só conseguiu erguer os olhos ao ouvir a voz de Lucas, dois anos, dizendo: Mãe!
Os dois se olharam, e ela não conteve as lágrimas. Naquele momento, o sonho se concretizava: Amanda estava debutando.
Única mãe entre as 18 alunas debutantes da Escola Estadual de Ensino Fundamental Araújo Viana, do Bairro São José, em Porto Alegre, ela quase desistiu de levar adiante o maior desejo de infância. Tinha medo de enfrentar as opiniões dos outros sobre participar da festa anual promovida pela escola, e totalmente organizada por voluntários. Um resquício dele estava nos passos acanhados da jovem quando, na entrada, tentou erguer o olhar para os convidados da festa.
- Nos últimos dois anos, ela foi condenada por muitos familiares, colegas de escola e amigos. Sabemos que foi um erro (engravidar), mas apoio a minha filha. Ela tinha que entrar neste salão e realizar o seu maior sonho - contou a mãe, a doméstica Janaína Ibarra, 32 anos.
A primeira
Amanda foi a primeira a ingressar no salão cedido para a festa pela Casa de Portugal. Não sabia em qual mesa estavam a mãe, o filho, os irmãos dela Adriana, 17, William, 13, e Dionatan, oito, e a avó Arcidina Vieira, 55 anos. Sem os ver, caminhou na direção do padrinho, o marceneiro José Antunes, 45 anos. Mas Lucas, que acordou pedindo o "mamá da mamãe" cinco minutos antes das debutantes entrarem no salão, a fez encontrá-los. Em meio ao choro de alívio por não estar só, a adolescente deu a volta na pista e aguardou a entrada das outras 17 colegas.
Dificuldades
Enquanto as colegas de baile entravam, Amanda recordou das dificuldades enfrentadas ao descobrir-se grávida do primeiro namorado, que na época tinha 16 anos. Hoje, os dois são amigos e compartilham o filho. Aluna com boas notas, a menina só não desistiu da escola por insistência da mãe.
- A mãe dizia que não me queria lavando chão, como ela fazia nas casas dos outros. Que eu precisava continuar estudando para ser alguém na vida - recordou a debutante.
Mesmo com o apoio de Janaína, a menina viu o padrasto rejeitar a gravidez. Para acalmar os ânimos, ainda enquanto era gestante, chegou a morar na casa do pai biológico. Mas foi expulsa por não se adaptar ao ritmo da família dele. Uma semana depois, quando completava 26 semanas de gestação, ganhou Lucas.
- A sociedade a culpou pela gravidez, como se ela tivesse engravidado sozinha. Engravidei aos 15, e não tive nenhum apoio. Como mãe, se for preciso, passo por cima de qualquer um para apoiá-la - desabafou emocionada Janaína, enquanto observava de longe a filha rodando o vestido entre as debutantes.
Amanda levou o filho para escolher os vestidos
De volta à escola
Amanda voltou à escola dez dias depois do parto. E foi aprovada. Naquele mesmo ano, conforme a direção, outras duas alunas também se tornaram mães. Ao contrário dela, elas desistiram de continuar os estudos.
- Serei advogada ou médica. Poderei ajudar os mais pobres, como eu. Não vou parar de estudar. Pelo contrário, motivei minha mãe a voltar aos estudos - confessou, orgulhosa, a adolescente.
Janaína retornou à escola no início deste ano, como forma de apoiar a filha. Ela concluirá o ensino fundamental.
- A Amanda me motivou a querer mudar de vida. Quem sabe, chego à universidade junto com ela - comentou, determinada, Janaína.
Superação
Aluna do último ano do fundamental, Amanda estuda pela manhã. À tarde, cuida dos irmãos mais novos e do filho, e faz os temas da escola. É dela, revela a mãe, a responsabilidade por limpar a casa, preparar o almoço e a janta da família. Ainda faz questão de deixar um café pronto para Janaína, que só chega em casa depois das 22h.
- Nunca gostei muito de sair. Sou "a vovó de casa"- brincou Amanda.
- É uma menina de ouro. Filha e mãe dedicada - completou Janaína.
Emocionada ao vê-la posando para os flashes dos fotógrafos voluntários da festa, Janaína lembrou da falta de condições financeiras para realizar o maior sonho da filha, em abril deste ano, quando ela completou 15 anos.
- Ainda existe muito preconceito com mães adolescentes. Dói ver minha filha assim, renegada. Acho que a festa é a superação de tudo isso - refletiu, com os olhos marejados.
O príncipe
A adolescente pensou em desistir do baile de debutantes. Por ser mãe, temia a rejeição do grupo. Mas, duas semanas antes da festa, Amanda confessou à reportagem que só entraria no salão se fosse com um vestido branco. E queria dançar a valsa com Lucas.
- Vai ser como o meu casamento. Só que o príncipe será o meu filho. O melhor dos príncipes! - cochichou, encabulada.
Na loja que doou as roupas da festa, foi direto aos únicos dois vestidos brancos. Já tinha ficado faceira mesmo com nenhum deles sendo do tamanho ideal. Na noite da festa, na quinta-feira passada, Amanda ganhou um novo modelo doado pelas voluntárias. Brilhava entre todos os outros, assim como Amanda. Pela ordem alfabética, foi a primeira a ingressar no salão. Da mesa da família, Janaína esboçou um sorriso orgulhoso.
- O ser humano que tem dinheiro faz a festa, e muitas vezes nem se importa. Mas para quem não tem (dinheiro), é um sonho colocar um vestido e ser princesa por um dia. Nunca tinha visto a minha filha tão feliz - afirmou Janaína.
Enquanto Amanda dançava a valsa com o padrinho, Lucas ficou no colo da avó esperando para bailar com a mãe. E ela, de olho na cria, pisava mais nos pés do par do que dançava. Quando chegou a vez do pequeno, rodopiaram felizes no meio do salão, sozinhos entre as estrelas refletidas no chão. Amanda, finalmente, dançava com o seu príncipe.
Sonho de Cristal
Idealizada pela escola Araújo Viana, no Bairro São José, a festa de 15 anos chamada Sonho de Cristal está na terceira edição. Ela proporciona o baile às estudantes da instituição - a maioria do Morro da Cruz - que completam 15 anos. Segundo a organização, a ideia surgiu no programa Mais Educação, ofertado às escolas públicas de ensino fundamental. Numa das oficinas, foi solicitado que as meninas desenvolvessem uma redação sobre os seus maiores sonhos e uma delas despertou a atenção dos professores: queria uma festa de 15 anos. Todas acabaram confessando ter o mesmo desejo.
Desta vez, o Sonho de Cristal foi organizado pelas estudantes de Publicidade e Propaganda da Ufrgs Ingrid D'Ávila e Nicole Leyser, como trabalho para a disciplina Comunicação e Cidadania.
- Se tornou o momento mais aguardado do ano na escola. A maior parte das estudantes não faz a festa por falta de condições financeiras. As meninas esperam pelo dia de princesa, e a rede de voluntários cresce cada vez mais - vibra a diretora Cristina Gomes.
Há duas semanas, o Diário Gaúcho publicou a preparação do evento, que ainda dependia de voluntários para conseguir doces e salgados. A partir da reportagem, uma rede de solidariedade se formou. Na cozinha, uniram-se à equipe dos Chefs Trigourmet - formada por quatro chefs - amigos e ex-colegas de um curso de gastronomia para cozinhar estrogonofe de frango, arroz, massa com molho e saladas (62kg de frango, 40kg de massa, 30kg de arroz e saladas vieram de doações). Três garçons, fotógrafos, DJ, equipes de som e de drinks, maquiadores e cabeleireiros também trabalharam de graça. Mais de 500 docinhos e bolos foram doados. Pelo menos, 60 parceiros contribuíram para a festa.