Seph Lowless é um jovem fotógrafo norte americano famoso por imagens retratando a decadência de shopping centers falidos ou abandonados. Mas esse não é o nome verdadeiro do fotógrafo. Seph Lowless é um pseudônimo. O rapaz preferiu manter o anonimato após o Centro Nacional de Antiterrorismo ter divulgado um documento interno alertando para o perigo que o seu trabalho de "exploração urbana" oferecia à segurança nacional. Os shoppings vazios e melancolicamente decadentes de Seph, segundo as autoridades norte-americanas, são perigosos pois podem ser usados por terroristas para identificar alvos em potencial. Mas o que Seph Lowless desestabiliza é a indústria da construção.
Fato é que os shopping centers estão em franca decadência. O dono da Caruso Affiliated, uma das maiores imobiliárias do Estados Unidos, declarou que dentro de 15 anos os shoppings americanos estarão obsoletos. Foram, segundo ele, uma "aberração que durou pouco, cerca de 60 anos, e que deixou de atender às necessidades da comunidade e dos consumidores". Estacionamentos lotados, preços elevados, ambiente fechado e concentração de pessoas em área reduzida são os principais aspectos negativos. Curiosamente, são irreversíveis. Não há como um shopping melhorar.
Desde o início da grande crise, em 2008, o varejo tem perdido força progressivamente. No Brasil, o aumento das vendas ao consumidor não acompanha o ritmo do avanço dos shopping centers. Constroem-se mais espaços comerciais do que aumenta o consumo da população. Entre os americanos, o shopping está cada vez mais fora de moda. O CoStar Group calcula que, hoje, 35% dos espaços dos shoppings americanos estejam ociosos. A Green Street Advisors aponta que, em uma década, cerca de 15% deles irão falir.
Na contramão da decadência, o governo gaúcho apresenta o shopping center como modelo para a revitalização do Cais Mauá. Depender da construção de um shopping para revitalizar o Centro Histórico, como se o centro estivesse morto, é criar um problema para resolver outro. Shoppings resolvem os problemas da iniciativa privada, criando uma zona morta no seu entorno.
Projeto de revitalização do Cais Mauá é a solução possível
É interessante notar que a audiência pública para apresentar à comunidade os impactos da construção no Centro Histórico foi realizada no elegante Grêmio Náutico União, dando um exemplo claro de quem são aqueles que mais desejam instaurar um shopping no Cais. O desinteresse em escutar a opinião e apresentar a obra justamente aos habitantes do local, é a evidência de que o Centro não pertence ao Centro.
Mais importante do que abrir o Cais Mauá para a iniciativa privada é abri-lo à população. Que se permita o acesso à área dos armazéns para que artistas plásticos, produtoras de cinema, companhias de teatro e dança possam utilizá-los. Que seja um espaço de festa, de Feiras do Livro, de shows, de projeção de filmes ao ar livre... Que se ofereça uma estrutura básica para que, pouco a pouco, orgânica e sustentavelmente, o espaço volte a ser ocupado. São ações simples, muito mais baratas do que se pode imaginar e que trazem retornos incalculáveis à qualidade de vida da cidade.
Ao pessoal do Moinhos, que defendeu a construção de um shopping para "revitalizar" o nosso Centro Histórico, que deem uma caminhada por aqui. Estamos vivos. O que nos falta é segurança, como em toda a cidade. Nos forneçam segurança, e estaremos revitalizados plenamente. Abram o Cais para que possamos tomar o nosso chimarrão, e estaremos felizes. Ao contrário da galera do Moinhos, a grana, aqui, não é tão importante. A grama sim. Gostamos de praças, e lotamos cada centímetro de natureza nos dias de verão. Ao contrário do que pensam prefeitos, usamos as nossas árvores. Não precisamos de um shopping, nossa grana não é investida nesse tipo de consumo. Habitar o Centro Histórico é um estilo de vida. Se hoje a alternativa apresentada para que uma área pública seja revitalizada é a construção de um shopping center ou nada mais, o nada, nesse caso, nos interessa muito mais.
Cabe esperar que, um dia, tenhamos de volta aqueles políticos que, no passado, nos legaram obras como a Casa de Cultura Mario Quintana, a Usina do Gasômetro, Teatro e Museu do Trabalho, Teatro de Arena, Margs e tantos centros culturais que povoam o Centro Histórico. Que um dia a Cultura volte a fazer parte do pensamento e do debate político.
*Ismael Caneppele escreve mensalmente no PrOA.