Marque a alternativa correta:
( ) Sim, há elementos para pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Sua omissão diante da corrupção na Petrobras foi tão grave que ela pode ser enquadrada no crime de responsabilidade.
( ) Não, não há qualquer fundamento para impeachment no momento. De acordo com a legislação, um presidente jamais poderia ser destituído por omissão - a menos que fosse comprovado que agiu intencionalmente para causar danos ao país.
Por contraditório que pareça, as duas respostas podem estar corretas - dependendo da fonte consultada. O embate divide até juristas, inflama a política nacional e deve voltar às ruas no próximo dia 15, quando estão marcados protestos em diferentes cidades para tentar emplacar uma nova versão do movimento dos caras-pintadas que contribuíram para a derrubada de Fernando Collor, em 1992. A corrupção na Petrobras virou o mote das novas passeatas, mas os pedidos de afastamento nunca abandonaram o cenário nacional desde a queda de Collor. Enquanto Dilma já recebeu 10 pedidos de impeachment, Lula teve 34 em seus mandatos, e Fernando Henrique, 17.
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Mesmo que as tentativas passadas tenham sido arquivadas na Câmara, o debate alimenta o jogo político, com defensores e acusadores trocando de lugar conforme a conveniência. Não por acaso, petistas que antes pediam o impeachment de Fernando Henrique Cardoso (quem não lembra do bordão "Fora FHC"?) hoje acusam tucanos de tentativa de golpismo contra Dilma. Troque o nome da presidente e do escândalo do momento, e os papéis facilmente se invertem. Entra governo, sai governo, e o impeachment segue como discurso acionado pela oposição diante do agravamento de qualquer crise. Com a estratégia, os adversários contribuem para desgastar os governantes alvejados, mesmo que não consigam tirá-los do poder. Como todos os últimos presidentes enfrentaram ameaças de impeachment, o próprio significado do grito precisa ser interpretado.
- Tem que cuidar com a história do Pedro e do Lobo. Se cada vez se chama o Pedro dizendo que é um lobo, e o lobo nunca vem, quando o lobo vem ninguém acredita. O impeachment está na Constituição, mas têm que ter elementos muito seguros. Não é o modo para fazer o terceiro turno da eleição. Senão não seria impeachment, seria recall - analisa o jurista Lenio Streck, professor titular de Direito Constitucional da Unisinos (leia entrevista).
Desta vez, a discussão ganhou eco com ajuda de um parecer favorável ao impeachment assinado pelo renomado jurista Ives Gandra Martins. Bastou a revelação de que a peça havia sido encomendada pelo advogado José de Oliveira Costa, que integra o conselho do Instituto FHC, para começarem os questionamentos sobre sua isenção. Martins garante que o parecer é exclusivamente técnico (leia entrevista), e o próprio Fernando Henrique veio a público para negar interesse político no impeachment, lembrando que se opôs a qualquer tentativa de afastamento do ex-presidente Lula em 2005, no auge da crise do mensalão. Mas, numa discussão tão contaminada por interesses políticos, é possível se ater à técnica ao julgar a conveniência de um impeachment? A resposta não é tão simples.
- O processo é político, não é um processo legal. Tem que ser pensado em termos de um processo político. Erra sempre quem pretende condicionar o político com as legalidades do processo. As questões legais nesse caso são apenas subsidiárias - afirma o advogado Torquato Jardim, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (1988 a 1996).
É por esse caráter político que a análise do que pode ser capaz de derrubar um presidente pode variar conforme o interlocutor. Por outro lado, as motivações técnicas tampouco podem ser desconsideradas. Eduardo Carrion, professor titular de Direito Constitucional da UFRGS e da Fundação Escola Superior do Ministério Público, explica que os crimes de responsabilidade diferem de um crime comum pela sua natureza híbrida, político-criminal. Por terem uma "previsão constitucional bastante larga", as acusações por crime de responsabilidade, que conduzem a um impeachment, têm hipóteses "imprecisas ou não suficientemente precisas". Nas entrelinhas das indefinições, o embate político encontra espaço para causar constrangimento ou deslegitimação de uma autoridade pública. No caso específico de Dilma, Carrion avalia que faltam elementos para vinculá-la às acusações.
- Uma coisa é a corrupção inquestionável e alastrada no Governo Federal, para o que não há dúvidas. Outra coisa é vincular diretamente os atos de assalto ao patrimônio público à figura presidencial, o que não há elementos suficientes, pelo menos no momento. Nesse sentido, no meu entender, a discussão sobre o impeachment é mais um elemento do debate político. No sentido de desgastar ainda mais o governo - analisa o constitucionalista.
Como é de se esperar, há quem discorde. Assim como Ives Gandra, o jurista Torquato Jardim endossa a tese de que a omissão de Dilma seria suficiente para o impeachment.
- Não precisa provar, é um juízo. Ou Dilma sabia e participou, ou se omitiu no caso da Petrobras - defende.
O debate pode levar horas.
- Se o impeachment fosse só político, bastaria que os adversários tivessem maioria de dois terços e eles derrubariam o presidente. Nunca mais haveria democracia. É necessário que haja provas de crime de responsabilidade, provar a intenção - discorda Lenio Streck.
Se nem os juristas se entendem sobre as minúcias da lei, imaginem os políticos diretamente interessados em colher dividendos eleitorais. Ainda assim há um ponto em que todos concordam. Além de um motivo jurídico forte e de um ambiente político adequado, o impeachment só costuma acontecer quando um terceiro pilar está presente: a voz do povo. O historiador Boris Fausto, professor aposentado do Departamento de Ciência Política da USP, lembra que a opinião pública e a mobilização popular são essenciais para sustentar essa medida excepcional - ainda que legal - de derrubar um presidente eleito pelo voto popular. Todos esses fatores estavam presentes no caso Collor, quando havia isolamento presidencial, acusações fundamentadas de irregularidades praticadas por ele e apoio público. Já o coro do impeachment entre seus sucessores é considerada artimanha política.
- É parte do jogo democrático de um país em que infelizmente há uma instabilidade no jogo político e uma crise de governabilidade muito séria - interpreta.
Por ser paradigmático, o caso Collor sempre é usado como comparação com os casos seguintes. O jurista Torquato Jardim salienta que na ocasião só ficou comprovada a irregularidade de um fiat Elba, enquanto os desvios na Petrobras acumulam bilhões. Sob o ponto de vista legal, seu colega Lenio Streck diz que isso pouco importa:
- Não é uma questão de valor. Tem quem é condenado por furtar um sabonete, outro por furtar uma Mercedes. Às vezes, é mais fácil provar que o sujeito pegou uma fiat Elba do que outras coisas. Claro que o Collor era mais frágil politicamente.
Independentemente do contexto político, a conveniência da invocação do impeachment a cada governo, num país que acumula 61 pedidos arquivados na Câmara Federal em 23 anos, provoca questionamentos.
- Pensar tanto nessa alternativa é mais fruto de instabilidade que prova de maturidade. Prova de maturidade seria que tivéssemos um presidente do qual se pudesse discordar profundamente, mas que tivesse toda possibilidade de governar, até a próxima eleição - avalia o historiador Boris Fausto, para em seguida completar:
- Mas que a coisa tá ruim, tá, viu?
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O IMPEACHMENT
- Surgiu na Inglaterra como processo criminal, cujas penas incluíam multas e prisão, e era utilizado desde os tempos medievais.
Um dos ilustres funcionários reais a sofrer impeachment foi o filósofo Francis Bacon, em 1621, acusado de furto de dinheiro público.
- Foi nos Estados Unidos que perdeu a natureza penal, tornando-se político, resultando na perda do cargo público.
NO BRASIL
- Previsto na Constituição e regulado pela Lei 1.079, de 1950, o pedido de impeachment pode ser apresentado por qualquer cidadão.
- O responsável pela abertura ou pelo arquivamento dos pedidos é o presidente da Câmara, cargo ocupado atualmente por Eduardo Cunha (PMDB/RJ).
- Em caso de afastamento do presidente, quem assume é o vice. No caso de o vice também ser impedido de assumir, o presidente da Câmara assume temporariamente e são realizadas novas eleições, em 90 dias.
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O QUE DIZIAM NO GOVERNO FHC:
"Se comparamos com Collor, somos obrigados a constatar que o primeiro Fernando não passava de um pivete trombadinha diante dessa intelectualidade tucana. E se a ele o povo destinou o impeachment, por que não pensar em algo semelhante para Fernando Henrique e seus cúmplices?"
Milton Temer, então deputado federal pelo PT do Rio de Janeiro, 1999
"Num país em que as instituições do Parlamento e do Judiciário cumprissem suas funções constitucionais, o presidente já seria considerado fora da lei, em posição de afronta à Constituição."
Tarso Genro, em artigo intitulado Presidente Fora da Lei, publicado na Folha, em 1999
A conduta narrada não se encontra entre aquelas previstas no ordenamento jurídico como apta a ensejar a abertura de um processo."
Aécio Neves, então presidente da Câmara dos Deputados, em despacho que arquivou pedido de impeachment contra FHC, em 2001
O QUE DIZEM NO GOVERNO DILMA:
"Esse é um momento muito mais grave do que a época do governo Collor (...) Você acha que é fácil remontar um país? Quando todos os ministérios estão contaminados, fundos de pensão, bancos oficiais, BNDES. Essa é uma tarefa extremamente árdua".
Ronaldo Caiado (DEM-GO), líder do DEM no Senado, dezembro de 2014
"Depois de gerar pareceres de juristas comprometidos, o golpe midiático pressiona as instituições para que promovam o impedimento."
Tarso Genro, 7 de fevereiro de 2015, no Twitter
Não está na pauta do nosso partido, mas não é crime falar sobre o assunto. Desconhecer que há um sentimento de tamanha indignação na sociedade é desconhecer a realidade."
Aécio Neves, fevereiro de 2015
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OUTROS PROCESSOS HISTÓRICOS DE IMPEACHMENT
ESTADOS UNIDOS
- Andrew Johnson: assumiu a presidência após o assassinato de Abraham Lincoln, em 1865, e foi o primeiro presidente americano a enfrentar um processo de impeachment. Foi acusado de violar um ato do Congresso, pela tentativa de exoneração do Secretário da Guerra, Edwin M. Stanton. Foi absolvido por um voto de vantagem no Senado.
- Richard Nixon: o processo de impeachment de Nixon, aberto em função do caso Watergate, em 1973, foi abreviado com sua renúncia, um ano depois, antes de o julgamento ir ao Senado. O escândalo começou com a prisão de cinco homens que foram pegos instalando equipamentos de espionagem e fotografando documentos na sede democrata.
- Bill Clinton: em 1998, sofreu um processo de impeachment pela Câmara dos Representantes sob duas acusações, uma de perjúrio e uma de obstrução da Justiça. As acusações surgiram após o escândalo sexual envolvendo a estagiária Monica Lewinsky, 22 anos. Clinton foi absolvido pelo Senado em fevereiro de 1999.
PARAGUAI
- Fernando Lugo: em um processo relâmpago, que durou menos de 24 horas, foi afastado pelo Senado em junho de 2012. Parlamentares opositores acusaram Lugo de ser responsável pelas mortes de 11 camponeses e sete policiais em um confronto agrário. Apesar de seguir os ritos do impeachment, o caso foi classificado pela comunidade de países sul-americanos como golpe, pela falta de prazo para a defesa.
TAILÂNDIA
- Yingluck Shinawatra: o parlamento aprovou em janeiro deste ano o impeachment da ex-premiê. Ela já estava afastada do poder desde maio, após uma corte tê-la considerado culpada por abuso de poder, dias antes de o Exército realizar um golpe de Estado. A ex-ministra é acusada de participar de um esquema de corrupção no programa de subsídio do arroz.
BRASIL
- Fernando Collor: sofreu impeachment pelo Congresso, em 1992. As acusações eram fraudes financeiras. Uma CPI foi aberta para investigar as ligações do presidente com transações feitas pelo seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias. Apesar da deposição, Collor foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal, por falta de provas. Voltou ao Congresso e hoje é senador (PTB -AL).