Alvo de polêmica desde outubro de 2009, quando foi interditada e acabou chamada de "tarugo de ferro enferrujado" em texto do historiador Voltaire Schilling em Zero Hora (leia abaixo), a obra Olhos Atentos, de José Resende, será revitalizada. A garantia de que não será destruída, como chegou a se cogitar, está no projeto de revitalização da orla. O documento não lista a escultura de Resende entre as demolições previstas.
O mau estado da obra motivou sua interdição, pois estava enferrujada e oferecendo riscos a quem se aventurava a subir nela - trata-se de uma espécie de ponte que aponta para o Guaíba. Resende não sabia que seria restaurada. De São Paulo, ele manifestou seu alento pela preservação e comentou a novidade neste sábado, por telefone:
- Houve uma mobilização para destruí-la. Já estava em dois terços do seu tamanho, porque foi cortada para ser instalada à beira do Guaíba, em um lugar privilegiado para ver o pôr do sol. Ela teve um uso feliz porque foi bem recebida. É uma pena que não tenha sobrevivido a essas brigas todas e que esteja deteriorada há tanto tempo.
Escultura se deteriora à beira do Guaíba, nas proximidades da Usina do Gasômetro
Foto: Fernando Gomes
A escultura Olhos Atentos fez parte de um conjunto de arte pública apresentado na 5ª Bienal do Mercosul, em 2005, e doado pela Fundação Bienal à prefeitura de Porto Alegre. O secretário do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais (Gades) da prefeitura, Edemar Tutikian, ainda não sabe quando será feita a restauração.
Tutikian adiantou que outra obra de arte será colocada na área da revitalização da orla, na primeira curva da Avenida Edvaldo Pereira Paiva na direção Centro-bairro. Quanto à estrutura do aeromóvel na Praça Júlio Mesquita, cuja demolição foi cogitada, ela também não é citada entre as estruturas a serem retiradas no projeto da orla, de autoria do arquiteto Jaime Lerner.
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Relembre o texto do historiador Voltaire Schilling sobre as "monstruosidades" de Porto Alegre, publicado em 25 de outubro de 2009:
Desde que Marcel Duchamp, um ex-artista cubista, francês de nascimento que escolheu os Estados Unidos como residência, mandou um urinol para ser exposto numa galeria de Nova York e, quase em seguida, em 1915, montou uma roda de bicicleta equilibrada sobre um pequeno banco e a fez passar por obra de arte, abriu-se a Caixa de Pandora dos horrores estéticos que a partir de então invadiram o cenário das exposições de arte.
Para acentuar ainda mais o seu deboche para com o que até então se entendia como arte, Duchamp, um pândego, um moleque crescido, pintou um belo bigode numa imagem da Mona Lisa de Leonardo da Vinci, ícone da pintura ocidental.
Como ele não foi confinado num manicômio nem encarcerado por ofensas ao patrimônio estético (interessante observar que nunca o Direito Penal preocupou-se em classificar como crime hediondo quem de propósito fabricasse a feiura!), parte da vanguarda artística ocidental tomou-o como um profeta dos novos tempos. Estabeleceu-se então um deus nos acuda.
Todavia, o que particularmente nos chama a atenção como cidadãos desta nossa capital, que mais uma vez se vê intimidada pelo flagelo de uma nova "instalação", é a notável concentração de "esculturas" e "monumentos" absolutamente espantosos.
Um pior do que o outro. Nosso calvário começa por aquela mandada erguer pelos burgueses do bairro Moinhos de Vento para celebrar sua vitória em 1964 que se encontra no Parcão (homenagem ao marechal Castello Branco, mas que também pode referir-se ao desembarque de um extraterrestre), chegando ao hediondo "timão" situado na rótula que antecede o museu Iberê Camargo.
Aliás, o primeiro "timão", que parecia ter esterco como matéria original da sua composição, foi destruído pelos vileiros do Morro Santa Tereza, certamente indignados em terem-no nas vizinhanças (sofriam de uma injusta punição, além da pobreza tinham que encarar diariamente o exemplo da medonhice).
Este colar sem fim de mau gosto que nos assola ainda é composto pelo "cuiódromo", encravado na rótula da Praça da Harmonia (obra que por igual pode ser entendida como a exaltação de um superúbere de uma vaca premiada), e por um tarugo de ferro enferrujado que adentra o Rio Guaíba nas proximidades da Usina do Gasômetro e que se intitula, pasmem, Olhos Atentos.
Nem os que foram perseguidos pelo regime militar escaparam destas maldades estéticas. O "monumento" que os lembra, erigido no Parque Marinha do Brasil, nos faz supor que eles continuarão atormentados ainda por muito tempo mais.
A gota d'água derradeira destas perversidades que acometem contra nós, pobres porto-alegrenses, foi a inauguração recente da Casa Monstro, situada na Rua dos Andradas. Pelo menos o autor, um jovem paulista, enfim alguém sincero no ramo, não a escondeu atrás de um título esotérico ou poético: é monstruosa, sim!
Trata-se da reprodução de um tumor que, inchado, é expelido pelas aberturas da construção e vem se mostrar aos olhos dos passantes, tal como se fora um abdômen de um canceroso recém aberto pelo bisturi de um cirurgião. Como se vê, uma maravilha!
Minha interrogação, depois de passar rapidamente os olhos sobre este vale de horrores que nos circunda, é por que Porto Alegre, cidade aprazível, moderna, povoada por gente simpática, habitada pelas mulheres mais belas do país e que abrigou artistas como Vasco Prado, Xico Stockinger e Danúbio Gonçalves, termina por excitar o pior lado de muitos que por aqui vêm expor?
Dizem-me que eles deixam estas abominações como doação (por não encontrarem compradores e não quererem arcar com o translado) e a infeliz prefeitura, constrangida, não tem como lhes dizer não.
Faço desde já um apelo ao secretário municipal da Cultura, Sergius Gonzaga, se este ano tal ameaça se repetir, mobilize-se. Levante recursos, promova uma ação entre os amigos da cidade para despachar tais coisas para qualquer outro lugar. Senão, peça socorro à ONU. Porto Alegre, aliviada, lhe será eternamente agradecida.