No dia em que se completa dois anos da tentativa de golpe de Estado ocorrida em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu, por meio de decreto presidencial, o Prêmio Eunice de Paiva de Defesa da Democracia. A iniciativa, proposta pela Advocacia-Geral da União (AGU), vai agraciar personalidades que contribuíram de forma expressiva para o fortalecimento do regime democrático no Brasil.
O prêmio concederá a distinção a pessoas naturais, brasileiras ou estrangeiras, que tenham colaborado de maneira notável para a preservação, restauração ou consolidação da democracia no Brasil, assim como para o avanço dos valores constitucionais do Estado Democrático de Direito. Igualmente, representa uma homenagem à trajetória de luta, resistência política e atuação em defesa dos direitos humanos da advogada Eunice Paiva.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, destaca que a implementação do prêmio vai ao encontro de outras iniciativas estatais e não governamentais de manutenção das bases do regime democrático. Ressalta também que ela valoriza e lança luzes sobre “personalidades que, por meio de sua atuação profissional, intelectual ou política, tenham realizado contribuições significativas para a preservação e fortalecimento da democracia brasileira e para a defesa dos direitos fundamentais e das liberdades civis”.
A premiação
A premiação será concedida anualmente a uma personalidade que tenha demonstrado, por meio de sua atuação profissional, intelectual, social ou política, contribuição expressiva para o fortalecimento do regime democrático no Brasil.
A cerimônia anual de anúncio da premiação, além de destacar e exaltar as qualidades do agraciado, deverá também evocar a memória da luta de Eunice Paiva em favor da resistência democrática e sua atuação em defesa dos direitos humanos.
A AGU vai editar, ainda no primeiro trimestre de 2025, ato normativo com as informações complementares necessárias à implementação do prêmio. A proposta de criação do prêmio altera o Decreto nº 11.716, de 26 de setembro de 2023, que institui o Observatório da Democracia da AGU.
Quem foi Eunice Paiva
A advogada Eunice Paiva morreu em 13 de dezembro de 2018, aos 86 anos, em São Paulo. Ela foi uma das protagonistas do movimento por buscas de desaparecidos no regime militar no Brasil.
Mulher do deputado cassado Rubens Paiva, assassinado em 1971, e mãe de cinco filhos – entre eles o escritor Marcelo Rubens Paiva, colunista do jornal O Estado de S. Paulo –, Eunice passou mais de 40 anos em busca de esclarecimentos sobre a morte do marido, que nunca teve o corpo encontrado.
Teve a vida retratada no livro Ainda Estou Aqui, do filho Marcelo, e que se tornou filme em 2024. Sua personagem na trama foi interpretada pela atriz Fernanda Torres, reconhecida no Globo de Ouro no último domingo por sua atuação.
Ao lado da estilista Zuleika Angel Jones, a Zuzu Angel, de Crimeia de Almeida, Inês Etienne Romeu, Cecília Coimbra, entre outras mulheres, liderou campanhas pela abertura de arquivos sobre vítimas do regime. Foi a pesquisa independente de Eunice e da família, em grande parte, que levou ao esclarecimento do caso após décadas.
Rubens Paiva foi recolhido pela polícia em 20 de janeiro de 1971 na casa em que morava com a família no bairro do Leblon, do Rio de Janeiro. Foram décadas de informações desencontradas e espera até que o caso fosse esclarecido.
A família só conseguiu um atestado que oficializasse a morte em 1996, e só então foi possível acessar contas bancárias, executar apólices de seguro, negociar imóveis. A primeira prova objetiva de seu assassinado só foi encontrada 41 anos depois, em novembro de 2012, com uma ficha que confirmava sua entrada em uma unidade do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi).
Eunice teve participação ativa no processo de redemocratização do país, a partir de 1985. Se formou em Direito depois dos 40 anos e, segundo a família, devotava paixão pelas ciências jurídicas. Um símbolo na defesa da preservação da memória no país, foi vítima de Alzheimer no fim da vida.