São enganosos posts que divulgam conteúdos com críticas a supostos empréstimos que o Brasil iria fazer à Argentina. Um dos conteúdos relaciona os empréstimos à situação precária de um posto de saúde no Brasil e outro aos contingenciamentos do Orçamento. Na verdade, segundo o Ministério da Fazenda, o Brasil não vai fazer empréstimo e o que existe é uma proposta de financiamento de exportações de US$ 600 milhões, mas com exigência de oferta de garantias. Além disso, o bloqueio do Orçamento Geral da União (OGU) de R$ 3,2 bilhões previsto visa o cumprimento do teto de gastos, que ainda incide sobre o Orçamento deste ano.
Conteúdo investigado
Posts nas redes sociais criticam suposto empréstimo de R$ 3 bilhões do Brasil à Argentina e dizem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) bloqueou 3,2 bilhões dos brasileiros afetando as áreas de saúde e educação.
Onde foi publicado
Instagram e TikTok.
Conclusão do Comprova
São enganosos posts que divulgam supostos empréstimos do Brasil à Argentina. As publicações também informam que o bloqueio de verbas no país teria relação com problemas em áreas como saúde e educação, algo que não ocorreu.
Ao Comprova, o Ministério da Fazenda classificou a informação como “mentirosa” e disse que não há empréstimo previsto para a Argentina. A pasta afirmou que o governo brasileiro fez uma proposta de financiamento para exportações de US$ 140 milhões (R$ 700 milhões) exigindo oferta de garantias no mesmo valor.
Dessa forma, segundo o ministério, a operação não oferece riscos ao país. No final de agosto, a Argentina apresentou outra proposta, de financiamentos no valor de US$ 600 milhões (ou R$ 3 bilhões). A negociação envolve acordo de parceria com a Cooperação Andina de Fomento (CAF), um banco de desenvolvimento da América Latina e Caribe, para que a instituição seja contraparte na proposta, fazendo a oferta de garantias da operação. A análise da CAF ocorrerá ainda em setembro.
Quanto ao bloqueio de verbas do Orçamento Geral da União (OGU), o governo federal confirma que R$ 3,2 bilhões estão bloqueados para que o teto de gastos seja cumprido. O bloqueio de despesas é legal e existe no país como regra aprovada pelo Congresso em 2016. A ação permite que não haja descontrole das contas públicas, como já mostrou o Comprova.
Em entrevista no fim de julho, o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, informou que o bloqueio de R$ 3,2 bilhões representa 0,17% do limite total do teto de gastos deste ano e 1,66% do total das despesas discricionárias do Poder Executivo. A despesa discricionária tem como característica a execução a partir da avaliação de oportunidade por um gestor. Nesse caso, o governo tem liberdade para decidir o momento mais oportuno para a realização de um gasto.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação
O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No TikTok, a postagem tem 260,7 mil visualizações até o dia 11 de setembro, 41,2 mil curtidas, 6,9 mil compartilhamentos e 2,3 mil comentários. No Instagram, o post foi excluído e até o dia 5 de setembro tinha 4,1 mil curtidas.
Como verificamos
Primeiramente, fizemos pesquisas no Google para identificar notícias sobre o assunto e como ele estava sendo repercutido. Para isso, buscamos os termos “empréstimo Brasil a Argentina”, “relação econômica entre Brasil e Argentina”, “Brasil tira dinheiro do SUS e educação para emprestar à Argentina”. Como resultados, acessamos notícias explicando que o Brasil não emprestou dinheiro ao país vizinho, mas que havia sido firmado um acordo de cooperação.
O Comprova também entrou em contato com o Ministério da Fazenda.
Negócios entre Brasil e Argentina
Segundo o Ministério da Fazenda, não houve empréstimo à Argentina e a “informação da imagem é mentirosa”. De fato, em agosto de 2023, o Brasil recebeu a proposta de financiamentos de exportações ao país vizinho que envolvem a Cooperação Andina de Fomento (CAF), no montante de US$ 600 milhões.
Ao Comprova, o ministério confirmou a informação sobre a negociação, destacando que a proposta foi realizada com base na exigência de garantias por parte do governo argentino. “O Brasil fez uma proposta de financiar exportações brasileiras à Argentina”, informou em nota. Por fim, acrescentou que, com o acordo, a Argentina fica obrigada a cumprir a “oferta de garantia no mesmo valor”. “Deste modo, o Brasil não teria qualquer risco na operação ao passo em que as exportações brasileiras à Argentina teriam financiamento e, assim, vazão comercial”, disse a Fazenda.
É importante destacar que a confirmação do acordo de cooperação não estabelece relação de empréstimo entre os países.
Segundo o economista Francisco Américo Cassano (registro Corecon SP 11273), que também é pesquisador e consultor de relações econômicas internacionais, a diferença de empréstimo e financiamento entre países não diverge do conceito que envolve a relação entre banco e cidadão comum.
— O empréstimo concedido poderá ser utilizado a critério do tomador, ou seja, os recursos poderão ser aplicados naquilo que for necessário para o país; enquanto que o financiamento será concedido para atividade ou finalidade específica e de acordo com o que foi autorizado pelo agente financiador — destaca Cassano.
De acordo com o governo brasileiro, peças de desinformação na internet têm colaborado para disseminar informações falsas sobre possíveis acordos com a Argentina. Uma delas envolve também a cadeia leiteira do Sul do país. Há estudo de um programa de desoneração da cadeia produtiva, internamente, para quem produz e não para quem importa o produto. Algumas medidas já tomadas para o enfrentamento desse quadro no setor são a liberação de R$ 200 milhões para a aquisição de leite em pó pelo governo federal, a taxação de alguns produtos lácteos importados e o intenso trabalho de fiscalização realizado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
A 1ª proposta e os riscos
O Brasil fez a primeira proposta de financiamento de exportações brasileiras à Argentina exigindo oferta de garantias no mesmo valor, ou seja, cerca de US$ 140 milhões (R$ 700 milhões).
Dessa forma, o governo brasileiro explicou que o país não teria risco na operação, pelo fato de as exportações brasileiras à Argentina terem financiamento e vazão comercial. A linha seria ofertada pelo Programa de Financiamento às Exportações (Proex), programa de fomento às exportações brasileiras que existe desde 1991.
Com a escassez de dólares enfrentada pela Argentina no atual momento, o Brasil propôs aceitar a apresentação de garantias pela Argentina em reais e em espécie. Para chegar aos reais que daria como garantia, a Argentina poderia fazer o câmbio de yuans chineses por reais brasileiros, ofertando assim as garantias em reais em espécie ao Brasil, no exato montante da linha de financiamento, R$ 700 milhões. É por causa disso que o governo diz não haver qualquer risco ao Brasil na proposta.
A 2ª proposta
No final de agosto, a Argentina fez outra proposta de estrutura de financiamento às exportações brasileiras, que vai passar por negociações técnicas e políticas. A oferta de garantias ao Brasil do valor de US$ 600 milhões (R$ 3 bilhões) seria articulada com o Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe. Isso garantiria o financiamento das exportações brasileiras à Argentina em setores-chave do comércio bilateral entre os dois países. Apenas os primeiros esboços dessa estrutura foram conversados com o Brasil, não tendo ainda o lado argentino ou a CAF apresentado nenhum documento formal com a proposta em sua versão final.
Os financiamentos
O acordo de financiamento de exportações à Argentina no valor de US$ 600 milhões envolve uma cooperação entre Banco do Brasil (BB), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe . A proposta ainda precisa de aprovação do conselho gestor do CAF, que se reunirá no próximo dia 14 de setembro.
Em depoimento divulgado no portal do Planalto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o BB deve garantir as exportações das empresas brasileiras e a previsão é que o CAF entre com uma contragarantia para o Banco do Brasil. Haddad explicou ainda que existe a possibilidade de o Brasil não acionar o Fundo Garantidor de Exportação. Seria uma operação nova que restabeleceria o fluxo de comércio bilateral.
O ministro declarou que, inicialmente, a equipe da Fazenda tinha estruturado uma operação menor do que os US$ 600 milhões, algo em torno de US$ 140 milhões, que tinha como fundamento a garantia em yuans de exportações brasileiras. A Argentina, com apoio do CAF, não precisará abrir mão dessas reservas para garantir as exportações, segundo Haddad, após a reunião em 28 de agosto.
Como funciona o bloqueio do orçamento
Conforme verificação publicada em agosto pelo Comprova, o contingenciamento de despesas para adequar o orçamento federal ao teto de gastos é uma regra aprovada pelo Congresso em 2016, que procura evitar o descontrole das contas públicas. Ao aprovar o orçamento anual, o limite para as despesas primárias (obrigatórias e discricionárias) são delimitadas.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que, ao final de cada bimestre, caso a receita delimitada no orçamento federal para o pagamento de despesas obrigatórias não seja suficiente, é necessária a “limitação de empenho e movimentação financeira” do orçamento de despesas primárias. A análise é feita, atualmente, por meio do Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, de responsabilidade da Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), em conjunto com a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda (STN/MF).
De acordo com a assessoria do Ministério do Planejamento e Orçamento, esse relatório avalia como está o desempenho das receitas e despesas até aquele momento. Três relatórios já foram divulgados pelo MPO em 2023. Em março, a análise concluiu que não era necessário o contingenciamento de recursos.
Nessa estimativa, o valor das despesas diminuíram, o que geraria um espaço no limite orçamentário. Já em maio, a projeção foi revisada e indicou a necessidade de bloquear R$ 1,7 bilhão de despesas discricionárias de seis ministérios (Fazenda, Transportes, Planejamento e Orçamento, Integração e Desenvolvimento Social, Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, e Cidades). Em julho houve necessidade de um segundo contingenciamento, totalizando R$ 3,2 bilhões de despesas bloqueadas para o cumprimento do Teto de Gastos.
O que diz o responsável pela publicação
O Comprova enviou mensagem via WhatsApp a um responsável pelo veículo que publicou o conteúdo enganoso, mas não recebeu resposta. Não conseguimos contato com a responsável pela publicação no TikTok.
O que podemos aprender com esta verificação
Temas relacionados a governos sempre são alvos de informações mentirosas na internet. Diante disso, o leitor pode melhorar a percepção desses conteúdos pesquisando em fontes de informação, como sites de veículos de comunicação, de sua confiança.
Por que investigamos
O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema
Outras publicações já mencionaram a relação comercial entre Brasil e Argentina. Recentemente, o Comprova publicou material contextualizando sobre decreto com contingenciamento de recursos federais que não determina corte de verbas. O Estadão Verifica produziu reportagem informando que o Brasil propôs financiar exportações à Argentina e não importa laticínios do país vizinho.