A Polícia Civil cumpriu, na manhã desta quarta-feira (9), 12 mandados de busca e apreensão em Caxias do Sul e em Porto Alegre após investigar por um ano e meio um esquema que teria desviado pelo menos R$ 8,5 milhões da Secretaria Estadual do Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul. A fraude, conforme as provas já obtidas, teria ocorrido principalmente entre 2019 e 2020.
Segundo a investigação, um mesmo grupo de pessoas apresentou propostas para ser beneficiado com recursos do programa Pró-Esporte RS e teria utilizado documentos falsos, além de laranjas, para burlar o sistema, fazendo com que o governo gaúcho liberasse verbas que seriam usadas para fins ilícitos.
São 15 investigados, entre representantes de duas associações esportivas que solicitaram recursos do projeto vinculado ao esporte, um ex-dirigente de uma destas entidades, empresários, servidores e um ex-funcionário da secretaria. Os nomes não foram divulgados.
A chamada "Operação Circuito Fechado" mobilizou 47 agentes, coordenados pelo delegado Max Ritter, titular da 1ª Delegacia de Polícia de Combate à Corrupção do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). A ação recebeu este nome porque boa parte da verba desviada teria contemplado o mesmo esporte: o automobilismo e, no caso, pilotos da categoria Stock Car Light em competições realizadas em todo Brasil.
Ritter diz que o fato chamou a atenção primeiro de um departamento da própria secretaria e, depois, da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage), até chegar na Polícia Civil. O delegado afirma ainda que houve irregularidades em 2018 e até em 2021, mas ressalta que a maioria do recurso desviado foi no biênio 2019/2020. Ele ressalta que o Estado é vítima da fraude.
Não houve ordem judicial na secretaria. Nomes das pessoas físicas e jurídicas supostamente envolvidas não foram revelados, mas GZH confirmou que a fraude investigada pela polícia teria ocorrido durante a gestão de João Derly na pasta. Sobre o ex-secretário, a polícia também não divulgou qualquer informação.
Procurado pela reportagem, Derly disse que nunca interferiu em processos envolvendo o Pró-Esporte, que segue rito legal próprio, incluindo pareceres técnicos e prestação de contas. "Em momento algum da minha passagem pela Secretaria do Esporte e Lazer, alterei um centímetro desse rito. Além disso, saliento que as irregularidades, que teriam iniciado antes e seguido após minha passagem pelo cargo, foram apontadas pela própria secretaria", disse o ex-secretário, por meio de nota (leia a íntegra abaixo).
Desvio de verbas
De acordo com a polícia, o regulamento do Pró-Esporte RS permite apenas um projeto por vez para cada associação interessada, mas os investigados teriam usado documentos falsos para burlar o sistema e se revezavam nos programas apresentados para serem contemplados com os recursos o maior número de vezes possível. E sempre por meio de duas associações esportivas diferentes, que na verdade eram das mesmas pessoas.
Em um determinado momento, Ritter diz que chegou a ter seis propostas tramitando que eram dos mesmos suspeitos e com liberação de verbas.
— Apuramos que um ex-representante de uma das associações, por exemplo, quando soube que o cerco estava apertando, saiu do cargo e colocou um mecânico de outra entidade, que na verdade era do mesmo grupo, como presidente da associação. E não foi uma vez só, pois usaram em uma segunda ocasião outro mecânico para figurar como presidente destas entidades — ressalta Ritter.
O Deic obteve provas de que sete projetos teriam sido contemplados irregularmente, sendo o Estado vítima, ao repassar R$ 8,5 milhões entre 2019 e 2020. A liberação destas verbas não passou na prestação de contas e foram detectadas várias notas frias e duplicadas.
Segundo a investigação, em parte, o dinheiro iria para financiar pilotos da Stock Car Light — a entidade organizadora da categoria não tem ligação com a fraude. Mas a verba do projeto também era desviada por meio de notas fiscais suspeitas, principalmente para pagamento de empresas especializadas em transportar os carros usados nas corridas. Na verdade, os valores eram divididos posteriormente entre os investigados, além de não gerar arrecadação de impostos.
Crimes
Os crimes apurados são contra a fé pública, estelionato contra a administração pública, corrupção ativa e passiva e associação criminosa. Os mandados judiciais de busca, com o objetivo de localizar e apreender documentos, equipamentos eletrônicos, entre outros, ocorreram nas sedes das duas associações, em duas empresas, nas casas dos representantes destas associações e empresas e de alguns servidores.
Durante o cumprimento das ordens judiciais, uma pessoa foi presa em flagrante por porte de arma. Uma quantia de R$ 24 mil foi apreendida.
Contrapontos
O que diz a Secretaria de Esporte e Lazer
"A Secretaria do Esportes e Lazer do RS (SEL) informa que os indícios de irregularidades apurados pela operação deflagrada nesta quarta-feira (9/11) pela Polícia Civil foram, inicialmente, detectados pela própria pasta, em ação coordenada com a Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage) e a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), cujo encaminhamento gerou a ofensiva policial agora realizada.
Dessa forma, a SEL permanecerá, como desde o início, colaborando integralmente com as investigações para buscar a responsabilização pelas ações irregulares que restarem comprovadas a partir do devido processo legal, bem como ressarcimento ao erário."
O que diz o ex-secretário João Derly
Soube dos fatos relacionados à Operação Circuito Fechado através da imprensa e reafirmo que estou à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos e para ajudar na investigação.
Fui Secretário do Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul entre fevereiro de 2019 e maio de 2020, período no qual trabalhei pela boa aplicação do recurso público, pela transparência, pela impessoalidade e pelo trâmite adequado dos processos.
Como secretário, jamais interferi no procedimento regular dos processos envolvendo o Pro-Esporte, já que eles seguem um rito regulado pela lei. Até a aprovação, todos os projetos são cadastrados em um sistema online, passam por avaliação dos técnicos da área de fomento e são aprovados por uma câmara técnica composta por representantes da sociedade civil. Somente após esse rito inicial, são considerados aptos à captação dos recursos junto à iniciativa privada. Depois, seguem as etapas de execução e prestação de contas.
Saliento também que, antes da homologação por parte da Secretaria do Esporte e Lazer, há emissão de pareceres jurídicos e técnicos, além de uma avaliação do departamento de prestação de contas.
Em momento algum da minha passagem pela Secretaria do Esporte e Lazer, alterei um centímetro desse rito. Além disso, saliento que as irregularidades, que teriam iniciado antes e seguido após minha passagem pelo cargo, foram apontadas pela própria secretaria.
Finalizo afirmando que não tive conhecimento nem anui, nem mesmo por omissão, de qualquer irregularidade na época. Se tivesse conhecimento, seria o primeiro a avisar as autoridades.
João Derly