É com base na menção ao recebimento de dinheiro por parte do prefeito Jairo Jorge (PSD), de Canoas, para favorecer empresas em contratos, que a Justiça determinou o afastamento dele do cargo por seis meses. Os diálogos que sugerem os repasses estão no bojo das investigações da Operação Copa Livre, deflagrada em 31 de março pelo Ministério Público (MP), com objetivo de desbaratar um suposto esquema de corrupção entre gestores da prefeitura canoense e empresários.
Por decisão judicial, seis pessoas foram afastadas dos cargos no Executivo de Canoas: o prefeito, Jairo Jorge, um assessor direto do gabinete dele, o secretário de Planejamento e Gestão, o secretário de Saúde e dois servidores. A investigação aponta supostas irregularidades sobre contratos do município que somam R$ 66,7 milhões.
Uma das ações cíveis decorrente da Operação Copa Livre, que corre na 2ª Vara Cível de Canoas, faz referências a propinas para gestores municipais canoenses. Em despacho ao qual a reportagem de GZH teve acesso, a juíza Adriana Rosa Morozini determinou, em decisão liminar, intervenção estatal no Hospital de Pronto Socorro de Canoas (HPSC). E justifica a decisão de intervir com base nos indícios de "direcionamentos indevidos e fraudulentos" na contratação da Organização Social que administra aquele hospital, o Instituto de Atenção à Saúde e Educação (Aceni), com matriz em São Paulo:
"A aludida prova apontou a existência de contatos do então candidato a Prefeito de Canoas, Jairo Jorge da Silva, com os demais investigados, com a promessa de entrega ao candidato de R$ 300 mil, sendo que, deste montante, em 25/09/2020, acabou por ser efetuada a entrega de, no mínimo, R$ 150 mil, em um restaurante em São Paulo. Tudo devidamente apontado e comprovado pela farta documentação carreada aos autos do processo investigatório, a qual instrui a petição inicial desta ação", diz trecho do despacho da magistrada que resultou em intervenção no HPSC.
A juíza não menciona qual tipo de prova, mas sabe-se que as suspeitas se embasam em interceptações telefônicas, quebra de sigilo de computadores e até agendas apreendidas com os suspeitos. A Aceni, conforme o processo judicial, é operada por empresários que atuam também nos ramos de limpeza e gerenciamento de restaurantes — e que também firmaram contratos com a prefeitura de Canoas para prestar serviços nessas áreas, sem licitação. Só com a administração do HPSC, a Aceni receberia R$ 49,4 milhões (R$ 8,2 mensais).
A Operação Copa Livre cumpriu 81 medidas cautelares (na maioria, busca e apreensão) contra 24 pessoas e 15 empresas. As medidas foram realizadas em Canoas e Porto Alegre, nas cidades paulistas de São Paulo, São Bernardo do Campo, Barueri e Santana do Parnaíba, em Nova Iguaçu e Niterói (no Rio de Janeiro), e em Contagem (Minas Gerais).
A magistrada considera comprovado que o direcionamento para contratações futuras de empresas na gestão Jairo Jorge começou a ser idealizado antes mesmo de o prefeito ser eleito, em novembro de 2020. "Já com o objetivo de apropriarem-se indevidamente de verbas públicas quando do início da gestão municipal", afirma ela.
A magistrada ressalta que quebras de sigilo telemático autorizadas pela 17ª Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre demonstram "de forma clara" o apoio que o grupo paulista pretendia disponibilizar ao candidato com maior intenção de votos, conforme pesquisas eleitorais da época.
"Perfeitamente detectada, pelo conteúdo das conversas, a existência de conluio entre os agentes públicos e representantes da entidade vencedora do certame, mediante grave esquema de corrupção e desvio de verbas pública. Perceptível, então, que o Procedimento Administrativo nº 89.123/2021, efetivamente, foi direcionado de forma fraudulenta para ser "vencido" pelo corréu Aceni (Instituto de Atenção à Saúde e Educação), tendo havido, tendo, inclusive, sido dispensa licitação", continua o despacho da juíza Adriana Morozini.
A magistrada inclusive reproduz dois diálogos entre dirigentes do grupo de empresas do qual faz parte a Aceni. Um deles menciona "aquele contrato magnífico... o contrato lá é gigantesco". Na interpretação da juíza, "contando para isso com o provável desvio de conduta do então candidato a Prefeito".
Outro empresário, também interceptado em gravação autorizada pela Justiça, concorda:
"Beleza, legal. pô, se vê que o cara tá bem nas pesquisas mesmo, a gente vê direitinho, a gente vai para cima, investe".
O diálogo referido ocorreu em 14 de setembro de 2020, às 23h31min.
Além de referir ao direcionamento da contratação da Aceni, a magistrada considera que a entidade não estava devidamente habilitada para gerenciar o HPSC. Mesmo assim, foi contratada de forma emergencial, num processo analisado e autorizado em dois dias (em 2021).
"Há a previsão de que o proponente deveria já ter administrado Hospital Geral de Média e Alta Complexidade e/ou Hospital Especializado em Traumato-Ortopedia. Mas a entidade contratada sequer preencheria os requisitos originalmente estabelecidos pela próprio Município de Canoas para estar à frente da gestão do HPSC", constata a juíza Adriana Morozini.
Ela ressalta ainda que, pelo teor da investigação, "não só a gestão do HPSC foi alvo do esquema fraudulento, mas os envolvidos também empenharam esforços para obter os contratos de gestão das Unidades Básicas de Saúde (UBS), bem como do Hospital Universitário".
Essas são as justificativas dadas pela magistrada para determinar intervenção no HPSC. As duas interventoras da Secretaria Estadual da Saúde que foram nomeadas pela Justiça para administrar emergencialmente o hospital são Suelen da Silva Arduin, diretora do Departamento de Coordenação dos Hospitais Estaduais, e a médica Eleonora Gehlen Walcher.
Contrapontos
O que diz a prefeitura de Canoas:
A prefeitura de Canoas se manifestou sobre a intervenção no HPSC, afirmando que ainda não foi intimada, mas que "assegura total colaboração à Comissão Interventora, bem como o aporte financeiro para o pagamento dos colaboradores, fornecedores e de todos os insumos hospitalares para garantir a assistência aos canoenses e aos pacientes das mais de 150 cidades para as quais o HPSC é referência".
O que diz o prefeito afastado, Jairo Jorge:
Não quis se manifestar. Em redes sociais, o prefeito afastado fez uma postagem na noite de 31 de março:
"Fui surpreendido, na manhã desta quinta-feira, 31, por uma ação do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Estou perplexo com as graves acusações e ataques à minha honra, mas sigo acreditando na Justiça e tendo a convicção de que todos os fatos serão devidamente esclarecidos".
O que diz o Instituto de Atenção à Saúde e Educação (Aceni)
A Aceni se manifestou, por meio de nota, sobre a decisão judicial envolvendo o HPSC, sem mencionar a operação do Ministério Público:
"A direção da ACENI está ciente da liminar judicial e já está totalmente à disposição das interventoras nomeadas, Sra. Eleonora Gehlen Walcher e a Sra. Suelen da Silva Arduin. É importante frisar que não haverá nenhuma alteração na estrutura de recursos humanos e também dos fornecedores que são essenciais para a continuidade das operações no HPSC.
O fundamental nesse momento é manter com qualidade o atendimento para todos que buscarem o HPSC."