O governador Eduardo Leite celebrou o despacho publicado no Diário Oficial da União desta sexta-feira (28), pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), declarando o Rio Grande do Sul "habilitado para aderir ao regime de recuperação fiscal". Leite espera ter nos próximos 90 dias o parecer do Ministério da Economia, favorável ao plano gaúcho, e a homologação pelo presidente Jair Bolsonaro (veja abaixo as próximas etapas).
— A adesão diz respeito a um problema estrutural da dívida (do Estado) com a União. Foi difícil (de aderir) dentro da lógica da gestão anterior. As privatização e reformas melhoraram as condições para fazer a adesão — disse o governador em entrevista do programa Timeline, da Rádio Gaúcha.
— Não tem escapatória. É uma dívida que o Estado construiu ao longo da história e que precisa pagar — completou, citando que a dívida gaúcha é de R$ 70 bilhões.
Para aderir ao regime, o Estado teve que aprovar reformas estruturais e fazer privatizações. O primeiro pedido para ingressar no programa federal havia sido feito há cinco anos pelo então governador, José Ivo Sartori, mas sem êxito.
— O Estado mostra que está fazendo a lição de casa, arrumando as coisas (...) O Rio Grande do Sul vai ter que mostrar que não está se desviando dessa rota — disse Leite.
Entre os primeiros reflexos da adesão, está a proibição de reajustes salariais para o funcionalismo, com exceção da revisão anual, que é assegurada na Constituição. Também ficam vedadas iniciativas como a realização de concursos que não sejam para reposição de quadros e a criação de novos cargos e funções públicas que impliquem aumento de gastos (veja mais detalhes abaixo).
Questionado sobre os benefícios que virão com a adesão ao regime, Leite afirmou que a capacidade do Estado de investir será ampliada:
— Os benefícios já são percebidos na medida que já temos os passivos quitados, com capacidade de investimento. O regime é um acordo entre credor e devedor para evitar que tenhamos problemas — afirmou.
— É importante o acompanhamento da sociedade gaúcha como um todo. Uma garantia completa não existe. O que existe é uma comissão que acompanhará com o Ministério da Economia o cumprimento do que foi estabelecido — concluiu.
O que é o regime de recuperação fiscal
- É um programa de ajuste para Estados em situação de desequilíbrio financeiro
- Na prática, permite a flexibilização de regras fiscais durante a vigência do regime (nove anos), a concessão de empréstimos para fins específicos (voltados à reestruturação das contas) e a suspensão do pagamento de dívidas
- Em contrapartida, o Estado deve adotar medidas e reformas institucionais para garantir que o equilíbrio fiscal seja restaurado
Quais são as etapas
São quatro fases
- Primeiro, o governo do Estado apresenta o pedido de adesão à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), vinculada ao Ministério da Economia - isso ocorreu em 27 de dezembro de 2021
- A STN, então, tem 30 dias para analisar o pedido, verificar se o Estado se enquadra no regime de recuperação e dizer se aceita ou não - a resposta foi positiva e chegou nesta sexta-feira (28)
- Com o aval inicial, o governo do Estado já passa a cumprir as vedações impostas como contrapartida (leia abaixo) e tem até seis meses para propor um plano de recuperação fiscal, que terá vigência nove anos e deverá resultar no restabelecimento do equilíbrio das contas
- O plano proposto será avaliado pelo Ministério da Economia, com base em pareceres da STN, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e do Conselho de Supervisão do Regime. Essa etapa terá prazo de 25 dias (15 para os pareceres e mais 10 dias para manifestação do ministério). Havendo manifestação favorável, o presidente da República poderá, então, homologar o plano e estabelecer a sua vigência, efetivando o ingresso do Estado no regime
O que o Estado ganha, se aderir
- Suspensão total de dívidas pelo prazo de até 12 meses (não só a dívida com a União, mas passivos que tenham garantia do governo federal, incluindo a dívida externa). A partir do segundo ano do regime, o pagamento será retomado de forma gradativa, até que, ao final dos nove anos, as prestações voltarão a ser pagas integralmente, em tese, com as contas sanadas
- Suspensão dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal para as despesas com pessoal e a dívida consolidada (há penalidades em caso de descumprimento). Hoje, o Estado não extrapola o limite de gastos com pessoal, mas o endividamento está acima do permitido, o que impede novos empréstimos
- Dispensa de cumprir uma série de exigências fiscais (por exemplo: repasse em dia de tributos, empréstimos e financiamentos à União) para poder receber transferências federais voluntárias
- Dispensa de todos os requisitos legais exigidos para a contratação de operações de crédito com garantia da União. Os financiamentos passam a ser permitidos, desde que estejam previstos no plano de recuperação e sejam voltados ao reequilíbrio das contas (por exemplo: para financiar a reestruturação de passivos; no caso do RS, isso vale, em especial, para a dívida com precatórios, de R$ 16 bilhões)
Mas a dívida já não está suspensa?
- Sim, desde 2017, com base em uma liminar judicial, o Estado não paga a dívida com a União
- O problema, segundo o governo Leite, é que já são R$ 14 bilhões em atraso, e a liminar é uma decisão provisória, sem garantias de que se manterá de forma definitiva
- Se cair, o governo tem de pagar a pendência, e não há dinheiro suficiente em caixa
- Com a adesão ao regime, o valor em atraso será refinanciado em até 30 anos, em um novo contrato, cujo pagamento terá início no segundo mês após a homologação final do pedido de adesão
As contrapartidas exigidas
Para ter os benefícios mencionados acima, o governo do Estado terá de cumprir uma série de vedações, assim que aderir ao regime. Embora existam exceções e haja a possibilidade de alterações (desde que fique claro que isso não afetará o resultado final), o governo do RS não poderá adotar as seguintes medidas:
- Concessão de reajustes a servidores e empregados públicos e militares (com exceção da revisão anual assegurada pela Constituição Federal e de casos envolvendo sentença judicial)
- Criação de cargo, emprego ou função e alteração de estrutura de carreira que impliquem aumento de despesa
- Admissão ou contratação de pessoal, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e de contratos temporários
- Realização de concurso público que não seja para reposição de quadros
- Criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza a servidores e empregados públicos e de militares
- Criação de despesa obrigatória de caráter continuado
- Adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória
- Concessão, prorrogação, renovação ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita
- Empenho ou contratação de despesas com publicidade e propaganda, exceto para as áreas de saúde, segurança, educação e outras de demonstrada utilidade pública
- Alteração de alíquotas ou bases de cálculo de tributos que implique redução da arrecadação