O estudo encomendado pelo governador Eduardo Leite para recriação da loteria estadual projeta uma receita líquida para os cofres gaúchos de R$ 3 bilhões ao longo de 20 anos. Considerado conservador pelos técnicos do governo, o valor acumula três fontes de arrecadação: uma outorga a ser paga pela empresa que vencer a licitação para promover os jogos, um percentual sobre cada aposta realizada e ainda os impostos incidentes sobre o negócio.
Ainda não há uma definição de que tipos de jogos serão oferecidos, nem o modelo de exploração. Nos planos do governo, porém, estão desde as loterias instantâneas, conhecidas como raspadinhas, passando pelos tradicionais bilhetes numerados, até a mais recente febre do setor, na qual o apostador tenta acertar o resultado de eventos esportivos.
No decreto em que recriou a loteria estadual, publicado nesta terça-feira (26) no Diário Oficial do Estado, Leite formalizou a criação de um comitê gestor. Integrado por representantes de cinco órgãos do governo (Gabinete do Governador, Casa Civil, Procuradoria-Geral do Estado e secretarias de Planejamento e da Fazenda), o colegiado terá 90 dias para propor normas para a criação, concessão, regulação e fiscalização dos jogos. O Piratini ainda não sabe, por exemplo, se precisa de autorização da Assembleia Legislativa ou se pode formalizar uma licitação das loterias por decreto do governador.
A administração direta das apostas pelo governo está descartada. Nas propostas em estudo, o serviço será terceirizado através de permissão, credenciamento e concessão. Os dois primeiros modelos têm poucas chances de vingar. As permissões poderiam contemplar pessoas físicas e o credenciamento permite muitas empresas na operação, fatores que dificultariam a fiscalização.
Dessa forma, há praticamente consenso em torno de uma concessão única, por prazo de 20 anos. O comitê gestor já estudou a operação de sete empresas com expertise no mercado, algumas internacionais. A ideia é lançar em até 45 dias um edital convidando as operadoras a vir ao Estado exibir seus portfólios e modelo de atuação.
As apresentações seriam públicas e serviriam para embasar um edital posterior, de licitação das loterias, a ser lançado em 2022. O objetivo do governo é disponibilizar os jogos até o final do próximo ano, em 9 mil pontos de venda distribuídos pelo território gaúcho.
Ações no STF permitem retorno
Criada em 1843 por Bento Gonçalves, a loteria estadual foi suspensa em 2004, no governo Germano Rigotto (MDB), e esteve perto de ser reativada pelos dois últimos governadores. Em 2011, uma comissão da Assembleia redigiu relatório favorável ao retorno dos jogos, aprovado por unanimidade na Casa, mas iniciativa não teve a adesão do então governador Tarso Genro (PT). Em 2017, seu sucessor, José Ivo Sartori (MDB) também desistiu da ideia, defendida pelo então secretário de Segurança Pública, Cezar Schirmer, como fonte de recursos para equipar as forças policiais.
O assunto foi ressuscitado pelo atual governo em julho do ano passado, após o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar duas ações que reconheceram o direito dos Estados explorarem loterias. A segurança jurídica garantida pelas decisões da mais alta instância do Judiciário levou Leite a criar um grupo de trabalho para discutir o tema.
Por mais de um ano, servidores de cinco pastas estudaram a legislação nacional, o mercado de apostas e sobretudo o modelo de operação das quatro loterias estaduais em operação no país (Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraíba). O trabalho demonstrou que o Rio Grande do Sul teria potencial de gerar 8 mil empregos e arrecadar R$ 2,26 bilhões em 20 anos somente em impostos e um percentual sobre cada aposta. Somado ao valor da outorga a ser paga pela vencedora da licitação, a cifra poderá chegar a R$ 3 bilhões - em média, R$ 150 milhões por ano. Essa receita, porém, seria menor nos primeiros anos, passando a crescer a partir do aumento da confiança da população no sistema de apostas.
Para o presidente do Sindicato dos Agentes Lotéricos do RS (Sincoergs), Marco Antônio Kalikoswski, a receita projetada pelo governo é factível de ser obtida. Todavia, ele alerta para a necessidade de se realizar um convênio com o Caixa Econômica Federal (CEF) para permitir as apostas nas agências lotéricas credenciadas. Segundo Kalikowski, o Rio Grande do Sul é o sexto Estado do país no ranking de apostas, um mercado que deve gerar R$ 19 bilhões à CEF em 2021. Vice-presidente da Federação Brasileira de Empresas Lotéricas, ele estima que o RS deve responder por quase R$ 2 bilhões dessa arrecadação.
- Vários governos estaduais estão preparando suas loterias, mas antes de mais nada, o primeiro passo precisa ser conversar com o setor de loterias da Caixa. O governo federal licitou a Lotex, a popular raspadinha, mas o negócio não deu certo porque não podia vender nas agências lotéricas. Já a Tele Sena, uma das maiores loterias do país, tem 80% de seus bilhetes vendidos em agências lotéricas. Não adianta, as pessoas vão nas agências pagar uma conta e já fazem sua fezinha. Já faz dois anos que a Caixa disponibiliza apostas pela internet, mas elas respondem só por 10% do total - resume Kalikowski.