O presidente Jair Bolsonaro escalou o vice-presidente Hamilton Mourão para intervir diretamente na gestão de uma crise privada que envolve denúncias sobre a atuação da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) em Angola. Com as pesquisas que sinalizam a erosão do eleitorado evangélico, Bolsonaro colocou o governo para atuar como mediador de um problema sem nenhuma relação institucional com a República.
Mourão confirmou ao Estadão que esteve com o presidente de Angola, João Lourenço, na semana passada, e que tratou diretamente do assunto, atendendo a um pedido expresso de Bolsonaro.
— Por orientação do PR (presidente da República), conversei com o presidente angolano — afirmou, numa referência ao embate na Universal. — A diplomacia está buscando uma forma de fazer com que as partes se entendam.
Em uma viagem de três dias a Angola, na qual o objetivo oficial era participar da reunião da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o vice-presidente se reuniu na sexta-feira (16) com o presidente João Lourenço e pediu a intermediação para resolver o conflito na igreja. Para cumprir a missão, o vice deixou o Brasil mesmo com Bolsonaro hospitalizado.
Integrantes da Universal disseram ao Estadão, porém, que ainda não há perspectiva de que a crise seja resolvida. A briga começou ainda em 2019, quando integrantes da igreja evangélica no país africano se rebelaram contra a direção brasileira da Universal — comandada pelo bispo Edir Macedo — e divulgaram um manifesto que acusa o comando geral de lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e racismo. Representantes da igreja no Brasil foram removidos de postos-chave em Angola e a filial da TV Record foi fechada naquele país.
No mesmo dia em que conversou com o presidente de Angola, Mourão deu entrevista à Agência Lusa, de Portugal, e cobrou uma solução para o conflito.
— Essa questão da Igreja Universal aqui afeta o governo e a sociedade brasileira pela penetração que essa igreja tem e pela participação política que ela possui (no Brasil), com um partido que é o partido Republicanos, que representa o pessoal da igreja — argumentou o vice.
A reportagem não conseguiu contato com a Universal para comentar o assunto. A Record não se manifestou sobre o tema.
Fundada e liderada por Edir Macedo, que também é dono da TV Record, a Universal é um dos polos de apoio ao governo de Jair Bolsonaro. O grupo é representado no Congresso pelo partido Republicanos — que faz parte do Centrão e da base aliada do Palácio do Planalto — e controla o Ministério da Cidadania, hoje sob o comando do deputado João Roma, da ala laica da legenda.
Embora a disputa na Universal não seja nova, Bolsonaro tem sido cada vez mais chamado a intervir e muitos de seus seguidores evangélicos ameaçam nas redes sociais até mesmo não apoiá-lo na campanha à reeleição.
O Palácio do Planalto também tenta organizar uma missão diplomática ao país africano, que seria comandada pelo presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), também bispo licenciado da Universal. Mas Angola resiste a aceitar a delegação e usa a pandemia da covid-19 como justificativa.
Pelo censo demográfico, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Universal tem cerca de 1,8 milhão de fiéis no Brasil. Segundo números da própria igreja divulgados em julho de 2020, no aniversário de 43 anos do grupo, a Iurd tem sete milhões de fiéis e simpatizantes no país.