Dono do portal Terça Livre, o blogueiro Allan dos Santos é apontado no inquérito dos atos antidemocráticos como alguém com trânsito entre parlamentares bolsonaristas e servidores de baixo escalão do governo federal.
Segundo a Polícia Federal (PF), ele pretendia usar o canal aberto para tentar emplacar um nome na Secretaria de Radiodifusão. A ideia, ainda de acordo com a investigação, seria usar o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, Jair Bolsonaro, para "abrir portas" aos interesses de seu blog.
A PF aponta que o nome pensado para assumir o cargo é o da advogada e comunicadora Júlia Zanatta, que foi candidata a prefeita de Criciúma (SC) pelo Partido Liberal nas eleições de 2020. Em mensagens trocadas com Allan, ela chega a dizer que "temos que tomar essa secretaria". Na mesma conversa de WhatsApp, Júlia sugere que o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, estaria embargando a indicação.
"O Duda me falou: 'Tem alguém no meio'. Esse alguém é Marcos Pontes e os veículos que eles já estão amiguinhos (sic)", diz a mensagem atribuída à advogada.
O jornal O Estado de S. Paulo teve acesso aos volumes do inquérito. A investigação indica ainda que Allan dos Santos entendia que a Secretaria Especial de Comunicação, chefiada na época pelo publicitário Floriano Amorim, era importante para o "alcance dos objetivos do canal Terça Livre".
As mensagens obtidas pela PF apontam que Eduardo Bolsonaro fez a ponte entre publicitário e o blogueiro. Depois disso, os dois teriam chegado a marcar encontros presenciais e trocar mensagens e ligações para discutir propostas do dono do Terça Livre para programas de rádio, programa de entrevista para a TV Brasil, documentários e programação infantil.
No relatório parcial mais recente sobre a investigação, elaborado em dezembro, a Polícia Federal chegou a afirmar que articulação de Allan transcende a "mera difusão de ideias". O documento cita como exemplo anotações apreendidas no escritório do blogueiro, que registravam: "objetivo: materializar a ira popular contra os governadores/prefeitos"; "fim intermediário: saiam às ruas"; e "fim último: derrubar os governadores/prefeitos".
A PF observa ainda que os "objetivos antidemocráticos" externados nos manuscritos apreendidos com Allan têm de ser interpretados em conjunto com o interesse em obter espaço junto à área de comunicação do governo federal.
"É sobre esse enfoque que a CPI das fake news e o presente inquérito direcionaram a atenção para os critérios empregados pela Secom no repasse de recursos públicos federais a canais ditos 'bolsonaristas', situação ainda pendente de esclarecimento. Além disso, é fato notório que houve um aumento significativo do número de seguidores de determinados canais dessa vertente, impactando em razão direta no aumento da monetização", registra a PF.
Em setembro, o jornal O Estado de S. Paulo revelou mensagens trocadas por Allan dos Santos com o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, chefe da Ajudância de Ordem da Presidência e assessor do presidente Jair Bolsonaro, em que o blogueiro afirma que as Forças Armadas "precisam entrar urgentemente". A declaração teria sido enviada por WhatsApp um dia depois de grupos autodenominados antifascistas protestarem contra o governo, no final de maio de 2020.
O blogueiro se manifestou nas redes sociais sobre o inquérito depois que a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o arquivamento da apuração em relação a parlamentares bolsonaristas por considerar que a Polícia Federal não conseguiu delimitar a investigação.
"Os autos deste inquérito são provas de inúmeros crimes de abuso de autoridade cometidos por um membro da cúpula do Judiciário", escreveu.