Mesmo com as funções esvaziadas no governo, o general Otávio do Rêgo Barros, então porta-voz do presidente Jair Bolsonaro, manteve-se em silêncio por sete meses até sua exoneração ser confirmada, no início de outubro, no Diário Oficial da União. O último pronunciamento havia ocorrido em março. Fora do governo, no entanto, Rêgo Barros voltou a usar o português rebuscado, que marcou seu estilo, para fazer críticas ao governo.
No Palácio do Planalto, o militar agora é chamado de "novo Santos Cruz", em referência ao general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo que passou a se posicionar contra a gestão Bolsonaro. Nas palavras de um interlocutor de Bolsonaro, os dois generais, embora críticos, são considerados "inofensivos."
Sem mencionar nominalmente o presidente, Rêgo Barros escreveu, em artigo publicado na terça-feira, 27, no jornal Correio Braziliense, que "infelizmente, o poder inebria, corrompe e destrói". Embora a repercussão do texto tenha sido minimizada por auxiliares diretos de Bolsonaro, que disseram se tratar de um "desabafo magoado", alguns militares que integram o governo afirmam, em conversas reservadas, concordar as críticas. Mas, como mostrou o Estadão em reportagem publicada no domingo, até agora o silêncio tem predominado na ala militar.
No artigo, Rêgo Barros disse ser "doloroso perceber que os projetos apresentados nas campanhas eleitorais" são "meras peças publicitárias", que "valem tanto quanto uma nota de sete reais". "Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião", destacou o ex-porta-voz.
Em outro ponto, o general - que enfrentou críticas da ala ideológica e dos filhos do presidente - escreveu que alguns "assessores leais" deixam de ser respeitados e "outros, abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas". "O restante, por sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses seguidores subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal", criticou Rêgo Barros. E completou: "A autoridade muito rapidamente incorpora a crença de ter sido alçada ao Olimpo por decisão divina, razão pela qual não precisa e não quer escutar as vaias. Não aceita ser contradita. Basta-se a si mesmo. Sua audição seletiva acolhe apenas as palmas".
O ex-porta-voz não é o primeiro general a deixar o governo rompido com o presidente. Santos Cruz, amigo de longa data de Bolsonaro, foi o primeiro militar a puxar a fila em direção à porta de saída. Foi demitido em junho de 2019 após ser alvo da ala ideológica.
Em novembro do mesmo ano, o general Maynard Santa Rosa, então chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, também pediu demissão. A interlocutores, o militar disse que se antecipou ao processo de fritura, método utilizado por Bolsonaro antes de uma demissão.
Rêgo Barros chefiava o Centro de Comunicação do Exército e chegou ao governo por sugestão do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. Recebeu um convite para integrar a equipe após uma conversa com o presidente.
No posto, o general passou a fazer declarações diárias e organizar cafés de Bolsonaro com jornalistas. O bom relacionamento do porta-voz com a imprensa irritou o filho "02" do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-SP).
Com a chegada de Fabio Wajngarten para assumir a Secretaria Especial de Comunicação (Secom), em abril de 2019, os dois passaram a disputar espaço no Planalto. Depois, Bolsonaro começou a fazer declarações diárias à imprensa em frente ao Palácio da Alvorada, esvaziando a função do porta-voz.
O general deixou o governo sem uma conversa de despedida com Bolsonaro. O comunicado de que o cargo de porta-voz seria extinto foi feito pelos ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil), ambos também generais.
Após a demissão, o ex-porta-voz deu uma entrevista ao "Programa do Bial", na Rede Globo, e escreveu o artigo. A interlocutores, o militar disse ontem que deverá voltar a ficar em silêncio por mais um tempo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.