Um post publicado pelo usuário @humbertovivian no Twitter engana ao insinuar que a construção da ponte sobre o Rio Madeira, que ligará o Acre a Rondônia, foi feita apenas na gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A obra teve início em 2014, ainda no governo de Dilma Rousseff (PT). Em dezembro de 2018, um mês antes de Jair Bolsonaro assumir a presidência, as obras da ponte já estavam 85% concluídas. A publicação ainda dá a entender que o projeto já está finalizado, mas a previsão de entrega é para o fim deste ano.
A postagem vem acompanhada de um vídeo em que um grupo de motociclistas aparece em cima da ponte ainda em construção. Em um trecho, eles insinuam que forçaram a entrada: “Os caras disseram assim: ‘rapaz, se tu não deixar ‘nós’ entrar (sic), nós vamos entrar’”. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), vinculado ao Ministério da Infraestrutura, afirmou que não está autorizada a passagem de veículos e investigará o caso.
O Comprova conseguiu falar com Solano Henriques, responsável pela publicação no YouTube de um conteúdo muito semelhante ao da postagem no Twitter. Por e-mail, ele disse ter recebido o vídeo e as informações por um grupo de WhatsApp. Humberto Ramos, autor da postagem no Twitter, não respondeu aos contatos.
Como verificamos?
O Comprova procurou no Twitter outras postagens com o vídeo e conteúdo semelhante. Ao todo, 34 contas publicaram as imagens até 6 de agosto, incluindo o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho de Jair Bolsonaro. Todos os posts foram feitos depois da publicação de @humbertovivian.
O senador Flávio Bolsonaro (PSL) e o secretário-executivo do Ministério da Infraestrutura, Marcelo Sampaio, que também fizeram publicações nas redes sociais com o vídeo, não responderam aos contatos.
Pela ferramenta CrowdTangle, buscamos no Facebook a publicação mais antiga do vídeo dos motociclistas e um conteúdo semelhante. As primeiras postagens foram feitas em 4 de agosto, um dia depois de Humberto Ramos publicar o conteúdo no Twitter, nas contas “Direita Vive Brasil”, “Bolsonaro Presidente Pátria Amada Brasil”, “Tulio Isac” e “Brasil Sem Corrupção”.
Entramos em contato por e-mail com o Ministério da Infraestrutura e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes para colher informações sobre o andamento da obra. Também por e-mail falamos com Solano Henriques, responsável pela postagem do conteúdo no YouTube.
Verificação
O Comprova não conseguiu identificar quem são os motociclistas que aparecem no vídeo do post verificado. Na gravação, um deles é identificado como Giovani e diz que o grupo chama-se “01”.
Enviamos uma mensagem pelo Twitter para Humberto Ramos, mas não obtivemos resposta até o fechamento deste texto. Solano Henriques, responsável pela publicação do material no YouTube, afirmou por e-mail que havia recebido o vídeo por WhatsApp e disse que não sabe quem são os motociclistas.
Questionado, o Dnit disse que a ponte ainda não está liberada para veículos. O órgão declarou que a entrada do grupo não foi autorizada e que irá apurar o que aconteceu.
A ponte do Abunã
O projeto da ponte começou ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2014. Em março daquele ano, ela anunciou o plano de construção durante uma visita ao Acre. O estado sofria os impactos de uma cheia do rio Madeira, que deixou a BR-364 inundada. A rodovia é a única ligação terrestre do Estado com Rondônia.
A construção da ponte teve início com os recursos vindos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e tinha entrega prevista para 2017, com investimento inicial de R$ 128 milhões. As datas de conclusão, no entanto, sofreram mais de uma alteração, passando pelas gestões Dilma, Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (sem partido).
Em contato com o Comprova por e-mail, o Dnit afirmou que o novo prazo de entrega será no fim deste ano.
Governo Bolsonaro
Em dezembro de 2018, um mês antes de Jair Bolsonaro assumir a presidência, 85% das obras da ponte sobre o Rio Madeira já estava terminada.
— Até março será finalizada a parte de concreto. Até agosto de 2019, a gente irá finalizar os encabeçamentos — disse o então superintendente do Dnit-RO, Cláudio André Neves.
Em reportagem de 5 de junho de 2019, a TV Globo registrou que o Ministério da Infraestrutura havia dado garantias ao Dnit em relação aos recursos para a conclusão da obra. Naquele momento, o prazo de entrega era final de 2019 e os trabalhos estavam 95% concluídos. O anúncio foi feito pelo ministro Tarcísio Gomes em agosto do ano passado.
O prazo foi alterado mais uma vez por problemas no lado de Rondônia. Por ser uma região alagada, seria necessário um aterro maior do que o calculado no início do projeto da ponte.
“No total serão cravadas 145 estruturas metálicas que servirão de base para suportar as demais estruturas que serão construídas, principalmente, a fundação do elevado em concreto da ponte. Com aproximadamente 460 metros, esse prolongamento da estrutura, além de um aterro de 1,4 mil metros, com até 10 metros de altura, foi a solução encontrada pelos técnicos da Autarquia para solucionar o problema do trecho de solo mole encontrado e que exige uma complexa solução de engenharia”, disse o Dnit, por e-mail.
Apesar dos problemas, o órgão afirmou que o cronograma segue com previsão de entrega no final de 2020 e “sem risco de paralisação”.
Sonho de 50 anos?
O post investigado diz que “50 anos depois, o governo Bolsonaro realiza o sonho dos acreanos”. Em dezembro do ano passado, Assuero Veronez, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Acre (FAEAC), também disse que o projeto era um sonho de 50 anos. O Comprova não encontrou registros de alguma promessa de obra feita nos anos 1970 que pudesse justificar a afirmação.
Em contato com o Comprova, Solano Henriques, responsável pela publicação do vídeo no YouTube e que também usou a expressão “sonho de 50 anos” na descrição, disse que a informação veio de um grupo de WhatsApp de ex-militares do Exército:
— A mensagem veio junto com o vídeo e não tive motivos para duvidar.
O próprio governador Gladson Cameli (Progressistas) afirmou, no ano passado, que a construção da ponte representava “um sonho antigo dos acreanos”.
— Se é a maior realização para o povo acreano, logo, é a minha também, pois trará as melhores perspectivas de desenvolvimento que tanto sonhamos — destacou o governante.
O texto da agência de notícias do governo do Acre afirma que a construção da ponte foi uma promessa de campanha de Cameli, quando se elegeu senador em 2015, “e a luta por sua construção iniciou quando ele ainda era deputado federal”.
Por e-mail, a equipe do governador disse que a obra ajudará as negociações do Acre com outros Estados e países. “Muitos políticos e a sociedade sonham com a ligação direta entre os Estados do Acre e Rondônia há décadas, o que de fato favorece em muito os negócios para o Estado do Acre, que tem uma logística estratégica com o Peru por meio da Rodovia Interoceânica (Estrada do Pacífico). Até hoje, o uso de balsas como transporte entre as duas cabeceiras faz com que se perca, em média, uma hora para carros de passeio, ônibus e caminhões com os mais variados insumos”.
Durante o evento que marcou o início das obras da ponte, o então governador Tião Viana (PT) afirmou que o projeto era uma luta sua desde 1999, quando, segundo ele, liberou emendas para a construção, mas não teve apoio do governo de Rondônia, na época sob a gestão de José Bianco, então filiado ao PFL.
Por que investigamos?
O Comprova checa informações sobre políticas públicas do governo federal e sobre a pandemia de covid-19 que tenham viralização nas redes sociais. O post de Humberto Ramos teve 8,5 mil visualizações no Twitter até 6 de agosto. No YouTube, a publicação de Solano Henriques, com conteúdo semelhante, atingiu pouco mais de 1,1 mil visualizações.
O mesmo vídeo foi publicado pelo senador Flavio Bolsonaro (PSL) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos). As postagens deles, no entanto, diferem dos outros dois ao deixar claro que a conclusão da obra está prevista para o fim de 2020. Ainda assim, dão a entender que a obra foi feita apenas na gestão Bolsonaro. A publicação de Carlos teve 69 mil visualizações e a de Flávio, 134 mil.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado de forma a induzir a uma interpretação diferente, que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar danos.
Projeto Comprova
Depois de um período especial de 75 dias dedicado exclusivamente à verificação de conteúdos suspeitos sobre o coronavírus e a covid-19, o Projeto Comprova começou em 10 de junho a terceira fase de suas operações de combate à desinformação e a conteúdos enganosos na internet. O objetivo da iniciativa é expandir a disseminação das informações verdadeiras. Nesta terceira etapa, o Comprova vai retomar o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19.
Fazem parte da coalizão do Comprova veículos impressos, de rádio, de TV e digitais de grande alcance. Este conteúdo foi investigado por UOL, e verificado por Folha de S.Paulo, Gazeta, Estadão, Jornal do Commercio, Piauí e SBT.
É possível enviar sugestões de conteúdos duvidosos e que podem ser verificados por meio do site e por WhatsApp (11 97795-0022). GaúchaZH publicará conteúdos checados pela iniciativa. O Comprova tem patrocínio de Google News Initiative (GNI), Facebook Journalism Project, First Draft News e WhatsApp e apoio da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). A coordenação é da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).