Dois oficiais do Exército e uma servidora da Santa Casa de Caridade de São Gabriel se tornaram réus na Justiça Militar, acusados de supostos desvios de R$ 3,5 milhões em recursos públicos. Durante seis anos, eles teriam atuado em conluio para autorizar pagamentos irregulares de procedimentos médicos e hospitalares bancados pelo Fundo de Saúde do Exército (FuSEx).
A denúncia apresentada pelo Ministério Público Militar (MPM) foi aceita na segunda-feira pela 3ª Circunscrição Judiciária Militar, com sede em Bagé. Conforme narrado no processo, a fraude teria envolvido o tenente-coronel Flávio Henrique do Prado Goulart, o segundo-tenente Márcio Roberto Mário e a coordenadora de faturamento da Santa Casa, Luiza Vitória Dorza Gerzon. De acordo com o juiz Wendell Petrachim Araújo, a partir da intimação eles terão 10 dias para apresentar defesa prévia por escrito.
O trio foi denunciado por crime contra a lei de licitação, por supostamente admitir ou possibilitar vantagens em contratos com o poder público. Em caso de condenação, a pena prevê detenção por dois a quatro anos, além de pagamento de multa. A investigação quebrou o sigilo bancário e fiscal dos envolvidos.
À época do suposto golpe, Goulart era major e chefiava o posto médico da guarnição de São Gabriel. Junto a ele trabalhava o então subtenente Mário, encarregado de contas com os hospitais e clínicas médicas. Na outra ponta, Luiza emitiria notas com os valores superfaturados ou de serviços que não haviam sido efetivamente prestados.
Segundo o MPM, Goulart jamais instituiu a comissão de lisura de contas médicas, como determina a legislação militar. Na ausência de um organismo de fiscalização, quem fazia a checagem das faturas era o próprio major, que contaria com o apoio de Mário. Esse procedimento permitia pagamentos indevidos "pois aquele que autorizava o atendimento (major Goulart) era também quem auditava as contas apresentadas pela Santa Casa (major Goulart)", diz a denúncia.
As suspeitas começaram durante inspeção de rotina realizada pelo próprio Exército em 2015 no posto médico de São Gabriel. Uma sindicância posterior fez verificação por amostragem nas faturas e encontrou pagamentos irregulares na ordem de R$ 643 mil. A partir dos indícios, um inquérito policial militar (IPM) foi instaurado para aprofundar as investigações, e uma perícia técnica verificou que 36,5% das cobranças deveriam ter sido barradas. Ou seja, uma em cada três faturas apresentava sinais de fraude.
Entre as situações mais recorrentes, estavam o pagamento por equipamentos de proteção individual e serviços de enfermagem, como aplicação de soro e até mesmo a higiene do paciente, itens já inclusos na diária hospitalar. Havia ainda inúmeras cobranças não checadas, liberação de dieta para paciente que não estava internado e autorizações para consulta com médico não conveniado e em número superior às realizadas.
Na perícia técnica, oficiais analisaram 1,3 mil guias de atendimento, totalizando R$ 9,6 milhões. Ao cabo da auditoria, foi apontado o prejuízo aos cofres públicos no valor de R$ 3,5 milhões. Após assinatura de novo contrato, afirma o MPM, houve sensível redução dos valores pagos. A direção da Santa Casa de São Gabriel não retornou os pedidos de entrevista.
CONTRAPONTOS
O que diz Flávio Henrique do Prado Goulart:
Procurado por GaúchaZH, não foi localizado. A advogada dele, Mariângela da Silveira Cavalheiro, disse que o cliente ainda não havia sido notificado e que não estava autorizada a dar informações. No depoimento prestado ao IPM, Goulart negou qualquer irregularidade.
O que diz Márcio Roberto Mário:
Procurado por GaúchaZH, não foi localizado. No depoimento prestado ao IPM, negou qualquer irregularidade.
O que diz Luiza Vitória Dorza Gerzon:
Procurada por GaúchaZH, não foi localizada.
O que diz o Comando Militar do Sul:
O Comando Militar do Sul se manifestou por meio de nota, enviada pela Seção de Comunicação Social. Leia a íntegra:
"Acerca do tema, um Inquérito Policial Militar (IPM) foi instaurado em 2018, por iniciativa do Exército Brasileiro, a fim de apurar possíveis irregularidades e impropriedades em despesas médicas, junto a um hospital na cidade de São Gabriel.
O IPM foi concluído em 2019, sendo encaminhado para análise e apreciação do Ministério Público Militar (MPM), o qual em 2020, decidiu por oferecer denúncia em desfavor do Tenente Coronel R1 FLÁVIO HENRIQUE DO PRADO GOULART, militar da reserva remunerada, e do 1º Tenente MARCIO ROBERTO MARIO, militar da ativa e servindo no 6º Batalhão de Engenharia de Combate, em São Gabriel.
Após a denúncia do MPM, o assunto seguirá o rito jurídico previsto, com a instauração da competente ação penal. Destaca-se que o procedimento investigatório seguiu os trâmites legais, cumprindo todas as diligências complementares solicitadas pelo MPM."