Os efeitos da pandemia do coronavírus têm dividido opiniões. De um lado, há quem defenda a permanência das medidas de distanciamento social, indicadas por entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde. Do outro, há a defesa pela reabertura do comércio, em razão da possível quebra na estrutura econômica, como defende o presidente Jair Bolsonaro.
Em entrevista ao Gaúcha Atualidade desta quarta-feira (15), o ex-governador do Estado, Antônio Britto, falou sobre os abalos que a covid-19 vem provocando, principalmente no que se refere à postura dos líderes perante a crise. Para Britto, que hoje mora na Flórida, nos Estados Unidos, separar saúde e economia é uma atitude que chega a ser "quase criminosa".
Confira a entrevista
Como os Estados Unidos estão enfrentando a pandemia?
O quadro é, em parte, parecido com o que ocorre no Brasil e em outros países. Há uma população assustada, mas que aqui, me parece, obedecer as indicações das autoridades sanitárias. Aqui, realmente, a população está respeitando a questão do distanciamento. Nos Estados Unidos, ao contrário do Brasil, e pior, não há um sistema público de saúde e isso tem sido um problema grave. Imagino que essa vai ser uma questão central na eleição presidencial daqui a poucos meses.
De outra parte, há uma discussão aqui, que é igual a do Brasil, sobre se as autoridades demoraram ou não a tomar as providências iniciais. O governador da Califórnia, por exemplo, é muito elogiado porque lá houve a coragem de tomar providências no primeiro momento e isso permitiu comprovadamente reduzir os problemas, ao contrário, por exemplo, do que ocorreu em Nova Iork. E a outra grande discussão é que parte dos políticos querem acelerar a retomada da atividade econômica, e, no caso do presidente Donald Trump, querendo ser o padrinho da retomada.
Então são aspectos políticos e econômicos. Acho que, acima de tudo, há uma convicção de que: dramática é a situação hoje, mas terrível será a situação depois que o coronavírus passar.
O que você imagina que será o nosso futuro e o que os gestores podem fazer para evitar que os efeitos sejam mais devastadores do que já aparentam que serão?
Eu sou uma pessoa, geralmente, otimista, mas vejo com profunda preocupação o dia posterior a esses cuidados do distanciamento. O Brasil, antes do coronavírus, há três meses, qual era a situação? Estados quebrados, governo federal sem recursos para investir, necessidade de reformas, desemprego em 12, 13%, 40 milhões na informalidade e uma falta de articulação política. Qual é o cenário daqui a dois ou três meses? Um cenário onde todos os problemas estarão piores do que eram em fevereiro: mais desemprego, Estados mais quebrados. Diferentemente de fevereiro, empresas com enormes dificuldades.
Aí o Brasil terá uma definição a tomar, que, na minha opinião, vai definir o futuro dos próximos 15 anos. Precisa, ao mesmo tempo, estender a mão e tirar dinheiro de onde não existe para poder enfrentar a dramática situação social. Mas por outro lado, precisa fazer isso com racionalidade, com bom senso, para não resolver o problema dos próximos seis meses e criar um problema terrível para os próximos seis ou 10 anos. É uma situação extremamente complexa.
E o pior de tudo: uma situação complexa dessas exigiria um metabolismo político que estivesse funcionando muito bem, com pessoas sensatas, querendo se articular umas com as outras, ainda que não pensem a mesma coisa. O que a gente vê, me parece, à distância, o contrário. Acho que vamos ter, assim que passar o episódio em si da pandemia, problemas e decisões muito graves para o futuro do Brasil.
O governo instituiu um grupo de trabalho, com vários ministérios, para desenhar alguma saída para quando terminar a pandemia. Pelo que o senhor observa nos Estados Unidos, quais os caminhos que o Brasil deveria começar a traçar agora para estar razoavelmente preparado para o final a pandemia?
Acho que, me parece que é uma das poucas unânimes hoje, neste momento, não precisa pensar muito. Tem que sair e socorrer as pessoas, em primeiro lugar, o trabalhador informal, a pequena empresa, pois não há necessidade de sofisticar raciocínio. Neste momento, a prioridade é a questão humanitária, dar comida e dar dinheiro. Qualquer coisa que não seja isso, me parece uma conversa sem sentido.
Mas esta providência inicial não é sustentável, não pode se repetir. Para se repetir, é preciso refundar algumas bases da economia. Questões como a reforma tributária, o tamanho do Estado e uma nova forma de finalmente fazer justiça para quem ganha menos, não podem ser corrigidas com o dinheiro do curto prazo, que, obviamente, é uma estratégia que vai durar pouco.
Minha dúvida é a capacidade de estadistas, que venhamos a ter da parte das nossas lideranças, e de maturidade. Um exemplo muito concreto: você já vê setores econômicos de empresas querendo se aproveitar da crise, querendo para sempre a ajuda de curto prazo. Você já vê a Fiesp, para dar um exemplo e ir logo no ponto, defendendo coisas que não servem ao Brasil, servem a eles. Esse tipo de decisão não é somente das lideranças. É da sociedade. Saber se teremos coragem de, ao mesmo tempo em que estende a mão no primeiro momento, entender que, ou a gente faz mudanças grandes, ou não garante o segundo momento.
Se simplifica muito a situação como se fosse uma questão de escolha entre fazer o isolamento social e abrir as atividades econômicas, para que se tenha uma retomada. Como sair da simplificação entre essas duas opções?
Tenho uma idade hoje, de 67 anos, quase 68, que me permite ir direto ao ponto: essa bobagem criminosa de separar a questão de pensar no emprego e pensar na saúde só está sendo dita por pessoas que resolveram politizar quase criminosamente a situação.
O presidente dos Estados Unidos resolveu, primeiro, a culpa era da China. Hoje é da OMS. E ao mesmo tempo tenta ser o arauto da retomada da economia. Ele não está fazendo isso porque acredita em qualquer dessas coisas. Ele está fazendo isso porque está tentando preservar seu interesse para a eleição de novembro.
O que vemos no Brasil? Uma disputa absolutamente inaceitável, entristecedora, entre um presidente da República que talvez seja um dos quatro ou cinco únicos do mundo que não vai crescer diante dos seus cidadãos na hora da crise — basta olhar o que está acontecendo na França e Itália — e que, acovardado diante da crise, resolveu fazer coisas como, por exemplo, prescrever medicamentos e criar essa falsa opção entre saúde e economia. Em resumo: a opção entre saúde e economia só está na boca de quem não está interessado nem na saúde e nem na economia, e sim no seu próprio destino eleitoral.