CACHOEIRA PAULISTA, SP (FOLHAPRESS) - À primeira vista, quem é de fora pode se confundir. A RCC (Renovação Carismática Católica), que em 2019 completou 50 anos no Brasil, tem tantos pontos de confluência com o evangelismo pentecostal que gera dúvidas a respeito de sua natureza religiosa.
Vide comentários como este em redes sociais: "Carismático é um católico que não tem coragem de ser evangélico".
Apesar de muita gente, inclusive nacos mais tradicionalistas do Vaticano, pensar parecido, o movimento ganhou simpatia interna ao modernizar celebrações numa igreja que só a partir dos anos 1960 deixou de rezar missas em latim, com o sacerdote em geral de costas para os fiéis.
Símbolos da RCC no país, padres cantores e liturgias mais animadas se fortalecem como contraofensiva à retração católica diante do avanço de igrejas evangélicas. Afinal, uma fé que nos anos 1980 monopolizava a religiosidade verde-amarela, com 9 em cada 10 brasileiros se curvando à Santa Sé, agora caiu para a metade da população.
Os mesmos líderes carismáticos que atualizaram os ritos da igreja hoje formam um bloco mais conservador do que a média do núcleo católico brasileiro. E têm mais apreço de Jair Bolsonaro do que a cúpula da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), vista pelo presidente e seu entorno como uma chaga esquerdista.
Na campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro, um católico com esposa, filhos e uma penca de aliados evangélicos, chegou a classificar a entidade que reúne o bispado nacional como "a parte podre da Igreja Católica".
Bolsonaro vê com ressalvas a CNBB, que foi uma pedra no caminho da reforma da Previdência e apoia o Sínodo para a Amazônia, um mal-estar para o governo. Já com lideranças carismáticas, sua relação é mais amigável.
Assim que venceu a eleição, o presidente visitou a Canção Nova, em Cachoeira Paulista, cidade que também abriga o escritório do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Nacionais), o órgão que tanto enervou o governo com dados que mostravam a escalada das queimadas na Amazônia.
Já neste que é um dos maiores braços da RCC brasileira, o céu foi de brigadeiro. Bolsonaro ouviu do monsenhor Jonas Abib, fundador da comunidade, que "o Brasil tem o presidente que precisava ter". Na sua vez de discursar, disse que, ao elegê-lo, o país "deu o recado que quer, não quer este progressismo todo que pregam por aí".
A bancada católica pode não ser tão midiática quanto seu par evangélico, mas zela pelos mesmos valores "família" (leia-se contra o aborto e causas LGBTI) e tem forte DNA carismático. Em setembro, Bolsonaro indicou para vice-líder do governo um de seus expoentes, Eros Biondini (Pros-MG), cantor cristão que entoa versos como "com solo de guitarra e a batera no ritmo de Deus".
Biondini é cria do Ministério Fé e Política, braço da RCC que incentiva fiéis fora do clero a entrarem na política. Para ele, pautas como "a da defesa da vida" unem católicos e evangélicos no Congresso e dão uma capa conservadora aos carismáticos que batem ponto em Brasília.
A reportagem foi à sede da Canção Nova, e outras semelhanças com o movimento pentecostal e neopentecostal ficaram evidentes. Na TV homônima ao movimento, um apresentador falava em "repreender o demônio", esse coisa-ruim "com uma imaginação doentia". A linguagem é típica de igrejas como a Universal.
Na missa do dia, o padre pregou a necessidade de combater "aquele velho dizer do politicamente correto", que comparou a um vírus que "vai se debruçando em discursos como o de que é preciso combater a intolerância". Algo que poderia sair de um guia de introdução ao bolsonarismo.
A RCC nasceu nos EUA em 1967, dois anos antes de aportar no Brasil, e foi a princípio recebida de cara feia por boa parte da igreja. Essa má vontade se reduziu a uma minoria. Hoje, populariza-se com padres jovens como Fábio de Melo e acampamentos como o Curadas Para Amar, "cujo objeto é levar as participantes a trilharem um caminho de cura interior".
Em 2011, a reportagem acompanhou na cidade o PHN (Por Hoje Não), camping anual com milhares de jovens em Cachoeira Paulista, e por lá viu iniciativas como funkeiros cristãos que adaptavam a "Dança do Créu", hit da época, para "céééééu, céééééu, bate na palma da mão quem tem Jesus no coração".
A informalidade é um traço que os avizinha a evangélicos, mas não se pode olhar "simplesmente da perspectiva de disputar rebanho, número de convertidos, coisas desse tipo", diz o padre Wagner Ferreira da Silva, vice-presidente da Canção Nova.
Carioca que frequentava grupos de oração na mesma Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) em que Bolsonaro se formou militar, o clérigo diz que é uma "questão de coerência" a igreja se posicionar ante os que "assumem posturas contrárias ao Evangelho", daí tantos conservadores entre os carismáticos.
"Alguns nos acham conservadores, outros o contrário disso, porque somos alegres, batemos palma", contemporiza Francisco Júnior (PSD-GO), presidente da frente católica na Câmara. "Muitos nos acham pentecostais demais, porque exercemos os dons, orações em línguas, toda aquela situação."
Falar em idiomas estranhos, algo comum entre nichos evangélicos, é tido como uma capacidade milagrosa cedida a alguns cristãos. Está na Bíblia: "Estes sinais seguirão aos que crerem: em meu nome, expulsarão demônios, falarão novas línguas".
Já o dom de falar com Bolsonaro, que muitos carismáticos possuem, não é universal no grupo, diz o deputado. Internamente, "alguns concordam mais, outros se irritam mais. O corte transversal é característico da igreja. Temos bom relacionamento com presidente, mas não direto".
No ano passado, o então presidenciável do PSL teve seu apoio porque, como afirmou Júnior a um jornal de seu estado, "tudo o que defendo é o contrário das propostas do petismo".