Ao manter restrita apenas ao núcleo econômico do governo a decisão de mudar o calendário de pagamento do IPVA, o governo Eduardo Leite enfrentou constrangimento na articulação política. Chefe da Casa Civil e responsável pela interlocução com a Assembleia Legislativa, Otomar Vivian foi pressionado por aliados e teria cogitado deixar a função. A ZH, ele negou eventual saída:
— Posso dizer que, como é minha trajetória trabalhar com a verdade, em nenhum momento isso foi cogitado.
Vivian ficou sabendo pela imprensa que o governo estava anunciando o fim do parcelamento do imposto, ao mesmo tempo em que lançava um programa de refinanciamento de dívidas que abatia 90% dos juros e multas de empresas inadimplentes com o ICMS. Tão logo a notícia veio à tona, na manhã de segunda-feira (4), aliados políticos começaram a cobrar satisfação via mensagens de celular.
Nem mesmo a secretária de Comunicação, Tânia Moreira, foi avisada de que haveria uma entrevista coletiva para anúncio das duas medidas.
— Quem define o que vai ser comunicado aos secretários sou eu. Diante de tantas medidas duras que estamos tomando, inclusive chamando os servidores aposentados a contribuir para a previdência, me pareceu menor um ajuste no calendário do IPVA. Mas não há culpados, a não ser meu próprio erro de avaliação na gestão desse processo —reconheceu Leite em entrevista a GZH.
Em 2015, o então governador José Ivo Sartori havia alterado as regras do IPVA, antecipando a data final de pagamento de julho para abril. À época, contudo, o anúncio foi feito com solenidade, que envolvia outras medidas, pelo próprio governador no Palácio Piratini, e os deputados receberam uma apresentação prévia das propostas, explicadas pelo então secretário da Fazenda, Giovani Feltes. Agora, Leite não compareceu ao anúncio, realizado em um auditório da Secretaria da Fazenda pelo titular da pasta, Marco Aurelio Cardoso.
Com a imediata reação popular, o ambiente ficou pesado nos principais gabinetes do palácio. O clima só foi melhorar no meio da tarde, durante reunião de Vivian com o governador. Por volta das 15h30min, encerrada a audiência com prefeitos de municípios afetados pelas chuvaradas da última semana, Leite reuniu em sua sala Vivian e o líder do governo na Assembleia, Frederico Antunes (PP). Ambos relataram ao governador a repercussão negativa que as medidas estavam gerando na base governista. Líder da maior bancada aliada, Fábio Branco (MDB) havia divulgado nota afirmando que houve "total falta de conexão do governo com a realidade das finanças do povo gaúcho".
Leite admitiu que havia se precipitado e, tentando contornar o mal-estar, assegurou que naquele dia não assinaria o decreto oficializando as medidas. Também acenou com a realização de um café da manhã com os líderes da base, no qual o assunto seria discutido. Como resposta, ouviu que a reunião não poderia ser "para anunciar o que que já foi feito". Começava ali o recuo materializado pelo governador na terça-feira.
Pela manhã, diante de cerca de 20 deputados, Leite abriu a reunião reconhecendo o erro e pediu desculpas aos parlamentares por não ter comunicado antes as mudanças do IPVA. Em seguida, exibiu slides sobre o novo cronograma e abriu espaço para os deputados se manifestarem. A contrariedade com a decisão foi unânime, bem como os pedidos para que o governador desistisse das medidas. Foi a senha para Leite anunciar que iria manter as regras atuais.
— Todo mundo estava contrariado com aquilo, então foi importante o governador ter chamado os deputados e, claro, recuar. Foi um gesto de grandeza dele — elogiou Fábio Branco.