SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os ex-ministros petistas Antônio Palocci Filho e Paulo Bernardo viraram réus em uma ação em que são acusados de terem recebido propina da Odebrecht.
A denúncia feita pelo Ministério Público Federal foi aceita nesta quarta-feira (5) pelo juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal.
Esta é a décima vez em que Lula se torna réu na Justiça Federal --há processos em Distrito Federal, São Paulo e Paraná. Em um deles, em Brasília, ele já foi absolvido.
Lula, Palocci e Paulo Bernardo são acusados de terem praticado corrupção passiva por aceitar, segundo o Ministério Público, R$ 64 milhões da Odebrecht em 2010.
O dinheiro, diz a acusação, era uma contrapartida ao aumento da linha de crédito para financiamento da exportação de bens e serviços do Brasil a Angola, cuja autorização teria sido à época de R$ 1 bilhão.
A denúncia aceita também inclui o empresário Marcelo Odebrecht por suposta prática de corrupção e os executivos Ernesto Sá Vieira Baiardi e Luiz Antônio Mameri, ex-diretores da construtora. A acusação diz que o dinheiro foi deixado pela Odebrecht à disposição do PT por meio de "conta-corrente" para despesas do partido, criada em 2008.
Lula é implicado no caso porque assinou, como presidente, protocolo de entendimento do Brasil com Angola. Paulo Bernardo, então ministro do Planejamento, era integrante de um órgão de comércio exterior que referendou a aprovação da iniciativa.
A acusação é desdobramento de investigação aberta a partir da delação de executivos da empreiteira, firmada em 2016. A Procuradoria diz que mensagens, vídeos e planilhas corroboram os depoimentos dos colaboradores.
Palocci virou delator após a apresentação da acusação, que não chegou a se basear em seus relatos. Ele é suspeito de ser uma espécie de gerente das quantias pagas pela empreiteira ao partido e interlocutor perante o governo federal na administração petista.
Ainda segundo o Ministério Público Federal, o valor referente à linha de crédito na África foi incluído em uma planilha de propinas batizada de Italiano, que era o apelido de Palocci na empreiteira.
A Procuradoria diz que em 2003, primeiro ano do mandato de Lula, Marcelo Odebrecht já tratava da linha de crédito para a empreiteira em Angola com Palocci, então ministro da Fazenda. O ex-presidente, ainda segundo a denúncia, sabia das negociações ilícitas, participou das conversas e deu o aval para a ampliação desse modelo de financiamento por meio do BNDES.
Os procuradores citam troca de emails da empresa para dizer que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional era contrária à medida e que o ex-presidente não seguiu a recomendação porque "tinha compromisso de favorecimento ilícito com a Odebrecht".
Segundo Marcelo Odebrecht, a empreiteira tinha interesse na linha de crédito porque, "quanto maior o seu valor, maior seria a possibilidade de enquadrar projetos". A empreiteira tem negócios em Angola desde os anos 1980.
A denúncia foi apresentada em abril de 2018 pela Procuradoria-Geral da República e incluía a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, hoje deputada federal e com foro especial.
Esse trecho foi cindido e segue sob sigilo no STF. O restante foi enviado à primeira instância federal, que agora decidiu tornar réus os envolvidos.
No despacho, o juiz federal disse que a acusação preenche requisitos para seguir adiante e concedeu prazo de dez dias para que os réus apresentem defesas e indiquem testemunhas. "A peça acusatória está jurídica e formalmente apta e descritiva, inclusive ratificada e ampliada subjetivamente perante este juízo na parte da denúncia originária."
Lula está preso em Curitiba desde abril de 2018 devido à condenação no caso do tríplex de Guarujá (SP). O petista também foi condenado por corrupção e lavagem em uma segunda ação no Paraná, que trata de reformas em sítio em Atibaia (SP). Essa decisão, porém, ainda será objeto de recurso em segunda instância.
Apesar do revés, Lula vive sob a expectativa de deixar o regime fechado de prisão. Em abril, o Superior Tribunal de Justiça reduziu a pena da condenação no caso tríplex para oito anos, dez meses e 20 dias. Com isso, a defesa diz que ele já tem direito a sair da cadeia. Em parecer na semana passada, o Ministério Público Federal concordou em progredir o regime de cumprimento da pena. A palavra final caberá à Quinta Turma do STJ, que vai analisar o pedido.
Em outros quatro processos em que é réu no DF, Lula ainda não foi nem ouvido e não há perspectiva de desfecho. "
OUTRO LADO
Procurada, a defesa de Lula afirmou que ele "jamais solicitou ou recebeu qualquer vantagem indevida antes, durante ou após exercer o cargo de presidente". "A acusação parte da inaceitável premissa de se atribuir responsabilidade penal ao presidente da República por decisões legítimas tomadas por órgãos de governo."
Nota do advogado Cristiano Zanin Martins diz que Lula nem foi ouvido na fase de investigação, "uma vez que claramente não tem qualquer relação com os fatos". "Seu nome somente foi incluído na ação com base em mentirosa narrativa apresentada pelo delator que recebeu generosos benefícios para acusar Lula."
A defesa de Antonio Palocci disse que o ele "irá colaborar com a Justiça para o amplo esclarecimento dos fatos que são objeto da denúncia". A reportagem entrou em contato com as defesas dos demais réus, mas não obteve resposta.