BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo Jair Bolsonaro (PSL) sofreu derrotas no Congresso nesta quinta (9) que colocaram em xeque a reforma administrativa do presidente e os planos do ministro Sergio Moro -que tentava manter sob sua responsabilidade o Coaf, órgão considerado estratégico por ele para ações de combate à corrupção.
Além de terem exposto a fragilidade política da base aliada, as decisões dos parlamentares ameaçam desfigurar a estrutura do governo, que não conseguiu emplacar suas demandas mesmo após ter cedido às pressões e aceitado recriar dois ministérios que inicialmente poderiam abrigar indicações políticas.
O que está em jogo é a medida provisória 870 de Bolsonaro, que estabeleceu logo no começo do mandato uma nova configuração de pastas e atribuições -num total de 22 com status ministerial, contra 29 sob Michel Temer (MDB).
A MP precisa passar pela Câmara e pelo Senado até 3 de junho, quando ela expira. O prazo, porém, ficou apertado com a decisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de não votá-la nesta quinta-feira, como foi previsto por governo e oposição, e empurrar a discussão para a semana que vem.
Maia se disse forçado a adiar a votação para priorizar outras MPs mais antigas. Afirmou que ainda é possível votar a reforma administrativa no prazo, mas citou um adversário de Bolsonaro e disse que o governo precisará se articular.
"Como a base ainda está um pouco desorganizada, vai ter que ter uma organização rápida para superar todas as medidas provisórias para chegar na 870. Já vi governo com bom diálogo votar 30 medidas provisórias num dia, o governo do PT, do presidente Lula", disse.
Mais cedo, em uma derrota do governo e de Moro, a comissão do Congresso que analisa a medida decidiu pela retirada do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) da pasta da Justiça, com a transferência dele ao Ministério da Economia.
Apesar do discurso do ex-juiz de que a permanência do órgão na Justiça era fundamental para ações de combate à corrupção, venceu a pressão de integrantes do centrão e da oposição: foram 14 votos a favor da mudança e 11 contra.
Votaram pela retirada do Coaf da pasta de Moro representantes de PP, PR, PSD, DEM, MDB, PSDB, PT, PDT e PSB. Dos 14 votos com essa posição, 9 vieram de partidos da base aliada do governo.
O resultado da votação reforçou em aliados de Bolsonaro o entendimento de que será preciso se aproximar do centrão para aprovar a agenda do presidente da República.
"O centrão faz parte do Congresso Nacional. Temos que nos relacionar com o centrão. São representantes legítimos do povo brasileiro. São partidos políticos organizados. Vamos acabar com preconceitos, com críticas. Isso foi assim com todos os governos", disse o líder do governo no Senado e relator da MP, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
Criado em 1998, o Coaf é um órgão de inteligência financeira que recebe informações de setores obrigados por lei a informar transações suspeitas de lavagem de dinheiro, como bancos e corretoras, e encaminhar os casos para a investigação do Ministério Público.
Na crise do Mensalão, ofícios do Coaf entregues à CPI dos Correios indicaram grande volume de saques que abasteceram o esquema de pagamentos à base do governo petista.
Mais recentemente, o Coaf identificou movimentações atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
O porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barro, disse que Bolsonaro "não entende tratar-se de uma derrota de qualquer que seja o ministro e, em particular, do próprio presidente". "É uma decisão soberana daquela Casa e o presidente, democrático que é, aceita in totum [totalmente]", afirmou.
Bolsonaro, no entanto, afirmou em transmissão em redes sociais que ainda vai se mexer para tentar manter o Coaf com o Ministério da Justiça.
O ministro Moro disse que, independentemente do que acontecer, a política do governo será fortalecer o Coaf. "Conversamos, dialogamos, tentamos explicar. Aparentemente não fomos bem-sucedidos, pelo menos em relação à decisão da comissão."
A votação da comissão especial precisará ainda ser confirmada pelos plenários da Câmara e do Senado.
Na comissão do Congresso, o governo sofreu outras derrotas na medida provisória.
O processo de demarcação de terras indígenas, que havia sido transferido para o Incra, no Ministério da Agricultura, voltou para a Funai, no Ministério da Justiça. A mudança foi aprovada por 15 votos a 9.
Pela reforma promovida por Bolsonaro no início da gestão, a fundação estava no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Ainda na comissão, foi tirada a competência do Ministério da Economia de formular políticas de desenvolvimento da indústria, do comércio e dos serviços --atribuições transferidas para o Ministério da Ciência, Tecnologia Inovações e Comunicações.
O texto aprovado manteve o jabuti (artigo que nada tem a ver com a matéria) que altera uma lei de 2002 e veda a investigação de crimes não fiscais por auditores fiscais.
A recriação dos Ministérios da Integração Nacional e das Cidades, negociada pelo governo Bolsonaro, permaneceu.
Parlamentares contrários à permanência do Coaf na Justiça argumentaram que mantê-lo nas mãos de Moro poderia provocar superconcentração de poderes com o ex-juiz.
"Ele [Moro] não me convenceu, como política de Estado, o que justificaria o Coaf ficar no Ministério da Justiça. Ele [o Coaf] funcionou muito bem até dezembro. De janeiro para cá, ele não funciona", afirmou o líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (DEM-BA).
"Eu não consigo entender por que tanto temor de deixar o Coaf nas mãos do Ministério da Justiça. Esse temor excessivo me deixa com uma pulguenta atrás da orelha", disse a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP).