BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou ofício nesta terça (16) ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmando ter arquivado o inquérito aberto em março pelo presidente da corte, Dias Toffoli, para apurar fake news, ameaças e ofensas aos ministros.
Apesar de o Ministério Público não participar da investigação, a Procuradoria-Geral da República entendeu que, por ser titular da ação penal o único órgão com legitimidade para levar adiante uma acusação, caberia a ela decidir pelo arquivamento ou continuidade do caso.
Registro [...] que nenhum elemento de convicção ou prova de natureza cautelar produzida [nesse inquérito] será considerada pelo titular da ação penal ao formar sua 'opinio delicti' [opinião sobre o delito]. Também como consequência do arquivamento, todas as decisões proferidas estão automaticamente prejudicadas, afirmou Dodge no documento.
No âmbito desse inquérito, aberto de ofício (sem provocação de outro órgão) por Toffoli, o relator, Moraes, determinou a retirada do ar reportagens em sites e buscas e apreensões realizadas na manhã desta terça. Para Dodge, essas ações devem ser desconsideradas.
Ainda não há manifestação do ministro Moraes sobre o ofício de Dodge. No entendimento de magistrados da corte, o Ministério Público pode pedir o arquivamento, mas não determiná-lo, pois essa atribuição cabe ao juiz.
A situação é de arquivamento deste inquérito penal. No sistema penal acusatório estabelecido na Constituição de 1988, o Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal, exerce funções penais indelegáveis, e esta exclusividade provoca efeitos diretos na forma e na condução da investigação criminal, escreveu Dodge.
O sistema penal acusatório estabelece a intransponível separação de funções na persecução criminal: um órgão acusa, outro defende e outro julga. Não admite que o órgão que julgue seja o mesmo que investigue e acuse, continuou a procuradora-geral.
Para Dodge, a forma como o caso está sendo conduzido transformou a investigação em um ato com concentração de funções penais no juiz, que põe em risco o próprio sistema penal acusatório e a garantia do investigado quanto à isenção do órgão julgador.
A procuradora-geral também apontou que o objeto do inquérito não foi bem delimitado, o que contraria o devido processo legal, dificultando o controle da atividade policial pelo Ministério Público e o exercício do direito à ampla defesa e ao contraditório.
A abertura do inquérito ocorreu em uma semana marcada por derrotas da operação Lava Jato no STF e troca de farpas entre magistrados, congressistas e membros da força-tarefa em Curitiba.
Um dia depois do anúncio, Dodge pediu esclarecimentos sobre a investigação e sugeriu que o STF extrapolou suas atribuições.
Moraes foi escolhido por Toffoli para presidir o inquérito sem sorteio o que motivou críticas de outros membros do tribunal.
CENSURA BASEADA EM NOTA DA PGR
Na sexta (12), Moraes determinou a retirada do ar de uma reportagem e de notas publicadas na semana passada pelos sites da revista Crusoé e O Antagonista que foram notificados nesta segunda (15).
Os textos noticiavam a existência de um email do empresário e delator Marcelo Odebrecht em que, conforme um esclarecimento dele, havia uma menção a Toffoli.O email era de julho de 2007, época em que Toffoli era advogado-geral da União no governo Lula (PT). A mensagem de Marcelo Odebrecht a dois executivos da empreiteira dizia: Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?. Não há qualquer citação a pagamentos. A PF perguntou a Odebrecht quem era a pessoa mencionada, e ele respondeu, no início deste mês, que era Toffoli.
Moraes considerou que a reportagem de Crusoé era inverídica porque relatava que o esclarecimento prestado por Odebrecht havia sido remetido à PGR. Para sustentar esse entendimento, o ministro utilizou uma nota divulgada pela PGR após a publicação da matéria. Na nota, o órgão informava que não havia recebido esse material que era parte de um dos inquéritos da Lava Jato em Curitiba.
O diretor de Redação da revista Crusoé, Rodrigo Rangel, classificou a decisão do STF como censura e afirmou que reitera o teor da reportagem, baseada em documento, e registra que a decisão [de Moraes] se apega a uma nota da Procuradoria-Geral da República sobre um detalhe lateral e utiliza tal manifestação para tratar como fake news uma informação absolutamente verídica, que consta dos autos da Lava Jato.