A Lava-Jato começava a colocar na cadeia boa parte da elite política e empresarial, em 2014, quando o procurador Rodrigo Chemim ouviu de um professor de Direito que a investigação seria prejudicial ao país, repetindo o destino da Mãos Limpas na Itália. Membro do Ministério Público (MP) do Paraná com 15 anos de atuação em crimes de colarinho branco e professor de Direito Penal, Chemim se debruçou sobre as duas operações e transformou seus estudos em Mãos Limpas e Lava Jato - A corrupção se olha no espelho.
Na obra de 320 páginas, ele mostra semelhanças, equívocos e sugere caminhos para que a Lava-Jato não reproduza no Brasil os efeitos de sua similar italiana, com políticos alterando leis para garantir impunidade. Chemim palestra sobre o tema e depois autografa o livro, a partir das 19h30min desta terça-feira (4), no campus Canoas da UniRitter (Rua Santos Dumont, 888). Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida a GZH.
O Brasil está menos corrupto com a Lava-Jato?
É difícil afirmação tão incisiva. Foi exposto um modelo de fazer política que não começou agora, mas ganhou uma dimensão diferenciada com a ida do PT para o governo. Isso não há como negar. Hoje sabemos em detalhes como as coisas funcionam. Isso permite criar condições para que, daqui para a frente, se tenha um trato melhor dos políticos com a coisa pública. A mudança é lenta.
Dá para ser otimista? Teremos um país menos corrupto em um futuro breve?
Vamos saber a partir da próxima legislatura. A população está saturada do modelo clássico de fazer política e espera-se que o Congresso acene com perspectivas de mudança. O que faz com que alguns políticos ainda insistam em práticas delituosas é a expectativa de que eles mesmos possam resolver a possibilidade de virem a ser alcançados pela lei. Na Itália, a Mãos Limpas teve um sucesso enorme, com 95% de condenações. Mas quando o Silvio Berlusconi assume o poder, começam mudanças legislativas que neutralizaram os efeitos, fazendo com que tudo se esvazie.
Não corremos o mesmo risco aqui?
Corre, inclusive agora. Muita gente não se reelegeu e está com a caneta na mão ainda. São investigados que estão querendo se livrar dos processos. Querem mudar uma regra no código penal que ampliaria a possibilidade de suspensão dos processos para crimes cuja pena mínima são três anos. Na prática, significa que todos os crimes de colarinho branco, corrupção, fraude, desvio de verba, sonegação, seriam alcançados. A chance de condenação seria quase nenhuma.
Quais medidas seriam fundamentais aprovar para aperfeiçoar o combate à corrupção?
Mexer nos prazos prescricionais já seria algo bastante significativo. Um dos grandes problemas é a prescrição muito facilitada. A Itália discute a necessidade de mexer na lei, pois percebeu que pouco se avançou na resposta do Estado à corrupção. Agora querem acabar com a prescrição após sentença de primeiro grau, como já ocorre na Alemanha hoje. Nós temos aqui a prescrição retroativa, algo nonsense e que só existe no Brasil, que é o cálculo do tempo ao final do processo, daí quando acaba já acabou o prazo para investigar. Só mexendo nisso já resolveria um dos grandes fatores de impunidade.
A ida de Sergio Moro para o governo ajuda o combate à corrupção?
Sim. Ele tem condições de servir de mola propulsora para provocar debates que possam melhorar a legislação, e não piorar, como ocorreu na Itália. Moro está indo para o Ministério da Justiça, onde se cria a política criminal do país, e não temos um Berlusconi no poder.
Quando Moro aceita ser ministro, não coloca em xeque a neutralidade do seu trabalho como juiz?
Neutralidade não existe na Justiça. Nenhum juiz é neutro porque nenhum ser humano é neutro. Agora, analisando friamente, a atuação do Moro não me pareceu parcial. Em vários momentos ele absolve réus, indefere pedidos do Ministério Público. Ele tem uma interpretação rigorosa da lei, em alguns momentos me parece até equivocada, como nas conduções coercitivas. E claro que a ida para o ministério reforça a narrativa de quem está do outro lado, mas não é a confirmação de uma atuação políticopartidária.