A dificuldade do Palácio do Planalto para emplacar sua agenda econômica no Congresso tende a aumentar. A menos de 180 dias da eleição, com níveis históricos de impopularidade e sem conter as fissuras na base, o governo segue apostando em propostas polêmicas, como a privatização da Eletrobras e a reoneração da folha salarial. Nos bastidores, parlamentares aliados se distanciam do Executivo, deixando em segundo plano as discussões que possam levar a prejuízos eleitorais.
Na dianteira das negociações com o Congresso, Michel Temer cancelou viagem à Ásia marcada para 5 de maio. Segundo aliados, a intenção é evitar atrasos nas votações, que podem ocorrer nesta semana. Em destaque, projeto que libera R$ 1,3 bilhão para cobrir calote de Venezuela e Moçambique em contratos com bancos em que o governo brasileiro é avalista.
Apesar das votações, a decisão de ficar em Brasília ocorre no momento em que as investigações sobre irregularidades na edição de um decreto para o setor portuário alcançam parentes do presidente.
Na quinta-feira, sua filha Maristela será ouvida pela Polícia Federal.
– A proximidade das eleições, o embolamento das candidaturas de centro e a saída de Henrique Meirelles da Fazenda geram um ambiente pouco favorável para votações – avalia um deputado federal da base aliada.
A chegada de Temer ao poder, em maio de 2016, foi acompanhada de forte discurso reformista. Porém,
as principais mudanças se limitaram à área trabalhista, ao teto de gastos e ao ensino. O desafio seguinte, a reforma da Previdência, foi prejudicado pela chegada à Câmara de duas denúncias contra o presidente.
Oito MPs trancam pauta na Câmara
O apoio para barrar as investigações, com preço crescente entre apoiadores, atrapalhou articulações futuras. O desgaste sofrido com acusações de corrupção levou ao desmonte da base, sendo o PSDB o primeiro a pular da barca. A dificuldade de interlocução com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é outro obstáculo.
– Rodrigo está bem melhor (em relação ao governo federal). Uns dias atrás ele estava dengoso – pontua um integrante do PMDB com trânsito no gabinete de Temer.
Um dos motivos para a disputa entre Câmara e Planalto é o número elevado de medidas provisórias (MP) assinadas por Temer. Como elas passam a entrar em vigor no momento em que são editadas, o Congresso só opina sobre os temas depois que as regras estão valendo.
– O governo não tem apoio, não tem força, não tem prestígio com sua base. Não vai conseguir aprovar nada – diz o deputado federal José Guimarães (PT-CE), líder dos partidos de oposição, que impõem outra dificuldade ao governo ao tentar impedir o quórum mínimo das sessões.
No momento, oito MPs trancam a pauta da Câmara. O projeto de lei complementar que cria o cadastro positivo de consumidores pode furar a fila. Mas, como ainda há dúvidas sobre o tema entre parte dos deputados, que alegam que o projeto põe em risco a privacidade dos usuários, a proposta segue parada. Ontem, em evento em Ribeirão Preto (SP), o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, afirmou que o governo seguirá apostando na interlocução com o Congresso para destravar a votação de projetos da área econômica.
Para Creomar de Souza, analista político e professor da Universidade Católica de Brasília, o governo não consegue impor sua pauta ao parlamento por falta de habilidade de comunicação política e publicitária. Como exemplo, cita que, apesar da rápida queda da inflação e do juro básico no país, a população não liga o cenário à atuação de Temer. Vencer essa dificuldade deveria ser o principal foco.
– O governo não consegue fazer a interlocução com as lideranças da Câmara. Se superar isso, há uma chance de avançar na pauta – diz.
Velocidade reduzida no Senado
Enquanto a Câmara ainda aposta na discussão de temas de maior impacto antes das eleições, apesar de evitar assuntos polêmicos, a situação no Senado é diferente. Líderes partidários falam abertamente sobre a redução na velocidade dos trabalhos da Casa, que terá dois terços das cadeiras renovadas no pleito de outubro.
– Não adianta encher de matérias polêmicas porque o plenário vai ficar esvaziado – relata o líder do PP no Senado, Benedito de Lira (AL).
A influência do cenário pré-eleitoral nas votações também é reconhecida pela oposição. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) avalia que o governo federal terá dificuldades de emplacar qualquer medida que gere desconfiança entre os parlamentares que buscarão a reeleição.
– O Senado vai votar projetos com menor impacto social. Acho que depois de maio o ano legislativo ficará prejudicado – relata Randolfe.