Em fase de conclusão, o plano de recuperação fiscal do governo de José Ivo Sartori é alvo de críticas de deputados da oposição e de dúvidas entre partidos da base aliada. Sartori deve apresentar a proposta ao Ministério da Fazenda em 15 dias, mas precisará do aval da Assembleia para garantir o socorro financeiro do Planalto, que exige uma série de contrapartidas.
Entre as medidas em estudo no Piratini, estão a prorrogação do aumento de ICMS, o congelamento de salários e concursos públicos e a privatização ou federalização de estatais.
Para parlamentares da oposição, o programa não resolverá os problemas do Estado. Na avaliação do deputado estadual Pedro Ruas (PSOL), "o governo está prometendo o que não pode cumprir".
– O problema é que Sartori vai a Brasília e faz uma negociação sem nem sequer debater o assunto com a Assembleia. O governo parece aquele lenhador que tem preguiça de trabalhar. Quando esfria, ele queima toda a lenha, depois queima os móveis e, por fim, a própria casa. Aí morre de frio – compara Ruas.
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Líder da bancada do PT, Stela Farias teme os efeitos da proposta sobre o funcionalismo e a qualidade do atendimento prestado à população, inquietação compartilhada pela deputada estadual Manuela D'Ávila (PC do B).
– Uma das exigências da União é a não contratação de pessoal, mas é justamente isso que mais afeta a qualidade dos serviços públicos. Vão firmar esse pacto a troco de quê? O custo será elevadíssimo. O governo reclama da oposição, mas a verdade é que não tem consenso nem na base – diz Manuela.
Partidos que foram essenciais para a aprovação do aumento das alíquotas de ICMS em 2015, como o PDT, veem com pouca simpatia a ideia de prorrogar o tarifaço, válido até 2018. De lá para cá, a sigla deixou de apoiar Sartori.
– Sabemos que é difícil, mas precisamos buscar alternativas. É necessário argumentar com a União para flexibilizar as regras – pondera Gilmar Sossella (PDT).
Entre aliados fiéis, como PP e PSDB, as incertezas também colocam em dúvida a adesão ao regime de recuperação fiscal, embora ambos os partidos sejam favoráveis ao ajuste fiscal. À frente da bancada do PSDB, Lucas Redecker tem dúvidas sobre prolongar a elevação do ICMS. A hipótese também preocupa o presidente estadual do PP, Celso Bernardi:
– Ou o Estado reequilibra as contas ou mergulha no caos em definitivo. Não tem saída. Agora, o detalhamento do plano, as garantias, os reflexos, tudo isso nós vamos ter de analisar. Sartori já disse uma vez que aumentar o ICMS seria a solução, e não foi.
Líder do governo na Assembleia, Gabriel Souza (PMDB) argumenta que os deputados não precisarão decidir agora sobre esse tema – se a medida entrar no plano, a prorrogação será votada apenas em 2018 ou no início da próxima gestão. A intenção do Piratini, no momento, é enviar um projeto de lei à Assembleia até o fim do mês, solicitando autorização para assinar o acordo com a União.
– O projeto será sucinto, mas é claro vai ter o momento de nós conversarmos com a base e explicar exatamente o que vai acontecer e por que estamos fazendo isso. As decisões ainda não foram totalmente tomadas. Temos de ir com calma – diz Souza.
O que é o regime de recuperação fiscal
- É uma alternativa criada pelo governo federal para socorrer Estados em calamidade financeira, como RS e RJ, em troca de uma série de contrapartidas.
- Os Estados podem solicitar adesão por meio de acordos firmados com a União, com duração de três anos, prorrogáveis por mais três.
- Os benefícios incluem carência no pagamento da dívida pelo período de adesão e autorização para novos financiamentos com o objetivo de reequilibrar as finanças.
Como funciona a adesão
- O Estado interessado deve comprovar crise financeira e apresentar um plano de recuperação fiscal, que será avaliado no Ministério da Fazenda.
- No documento, devem constar em detalhes todas as medidas que o Estado se compromete a adotar para zerar pendências e atingir o equilíbrio fiscal.
- O Estado precisa provar que conseguirá cumprir o objetivo no prazo.
- Se os técnicos entenderem que o plano é factível, o Estado poderá aderir, mas isso terá de ser aprovado na Assembleia.
Principais contrapartidas exigidas
- Privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento, entre outros, para a quitação de passivos.
- Oferta de ativos como garantia à União para a obtenção de novos financiamentos, no dobro do valor solicitado.
- Congelamento de salários de servidores, proibição de contratação de novos funcionários, proibição de criação ou a majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza.
O que o governo do RS busca
Carência no pagamento da dívida por três anos, que significará fôlego de R$ 9,5 bilhões, e aval para financiamento de pelo menos R$ 3 bilhões.
Os pontos polêmicos
- Ao final do período de carência da dívida, os valores não pagos elevarão o passivo em R$ 10,5 bilhões (R$ 1 bilhão em juro e correção).
- A obtenção de novo financiamento aumentará a dívida com instituições financeiras.
- Para os críticos, o acordo é insuficiente para solucionar a crise e as contrapartidas são excessivas. O governo argumenta que não há alternativa.
O plano de recuperação do RS
Praticamente concluído, o plano está em discussão no Palácio Piratini e deve ser entregue até o fim de setembro ao Ministério da Fazenda. Confira os pontos mais polêmicos em debate:
1) Prorrogação do aumento de ICMS
- Em 2015, o governo aprovou na Assembleia o aumento de alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com vigência até 2018.
- Se as alíquotas voltarem ao patamar de 2015, o governo avalia que será "quase impossível" reequilibrar as contas até 2020, por isso avalia pedir a prorrogação, que terá de passar pela Assembleia.
2) Privatizações ou federalizações
- Com necessidade de plebiscito: Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Sulgás.
O governo tentou aprovar proposta de emenda à Constituição (PEC) para vender essas empresas sem consulta pública. Como não deu, decidiu pedir aval da Assembleia para fazer o plebiscito em 2018. Até agora, não conseguiu levar o pedido a votação. A intenção é insistir ou tentar sensibilizar os deputados a reavaliarem a PEC.
- Sem necessidade de plebiscito: Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), Badesul e a parte do Estado no Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).
Bastaria aprovar projetos de lei na Assembleia. No caso do BRDE, a parte do Estado poderá ser oferecida a Paraná e Santa Catarina ou ser federalizada, com a anuência dos parceiros. Quanto à EGR, provavelmente o governo extinguiria o órgão para então oferecer a concessão das rodovias pedagiadas como ativo.
3) Custeio da máquina
- Congelamento dos salários dos servidores públicos estaduais pelo menos até 2020.
- Não serão criados cargos ou funções nem haverá alteração de planos de carreira que resultem em aumento de despesa nesse período.
- Contratações serão congeladas, exceto para a reposição de aposentadorias em áreas essenciais, como saúde, segurança e educação.