O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes classificou o período de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR) como "gestão de bêbado". Em entrevista à Rádio Gaúcha na manhã desta terça-feira (12), Gilmar também classificou como "grande equívoco" a homologação da delação premiada de Joesley Batista e Ricardo Saud, da JBS, por seu colega ministro Edson Fachin.
— A foto (de Janot com o advogado de Joesley, Pierpaolo Bottini) é o epitáfio da gestão Janot. É uma gestão de bêbado, desorientada, sem nenhuma qualidade (...) Nem sei o que ele fez nesse período — criticou Gilmar.
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Na entrevista, o ministro demonstra a tensão que ocorre entre o STF e a PGR após o conteúdo do áudio entre Joesley e Saud apontar o ex-procurador e braço direito de Janot Marcelo Miller, como "agente duplo" a defender os interesses dos executivos da JBS, inclusive junto ao Supremo.
Gilmar também avaliou que Fachin foi precipitado na homologação da delação premiada de Joesley e de Saud:
— Foi um grande equívoco. O Tribunal (STF) tem sua responsabilidade (...) Deveríamos ter exercido um controle maior.
A entrevista, veiculada no programa Gaúcha Atualidade, foi conduzida pelas jornalistas Carolina Bahia, Rosane de Oliveira e Andressa Xavier, com produção de Tiago Boff.
Confira a entrevista completa
Por que o senhor acha que foi gravado por Joesley Batista?
Não tenho certeza. Mas, diante de tantas gravações feitas e com o encontro em 1º de abril, imagino que tenha sido feito algo assim.
Que tipo de conversa o senhor teve com Joesley?
Institucional. Foi sobre um julgamento que havia ocorrido, envolvendo o Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural). Ele apareceu no instituto (Instituto Brasiliense de Direito Público, onde Gilmar é professor), eu estava dando aula, e conversamos sobre isso, as dificuldades do setor... Disse a ele que não havia muito o que fazer sobre a matéria, porque já havia sido decidido pelo tribunal, inclusive com meu voto contrário à pretensão dele (Joesley).
Em relação ao instituto, o senhor já falou que a JBS patrocinou alguns cursos. Como funcionam esses patrocínios e quanto a JBS deu ao IDP?
Não sou diretor do instituto, não cuido da parte administrativa. Fazemos muitos seminários e eventos internacionais, como tradicionalmente fazemos em Lisboa, em abril todos os anos. E aí tem patrocínios de várias empresas, algo normal, como em várias outras empresas.
O senhor já conhecia Joesley. Como foi esse pedido para encontrar o senhor?
Tenho a impressão de que veio um pedido de nossa diretora.
Até que ponto todas essas gravações envolvendo Joesley Batista que vieram à tona podem comprometer o STF neste momento tão delicado que é a discussão em torno da delação premiada e de sua homologação?
Não vejo nenhuma repercussão sobre o STF. Acho que o Supremo Tribunal Federal equivocou-se ao não colocar limites nas delações premiadas, nos abusos perpetrados, ao não fazer análise dessas investigações. Apontei isso no julgamento que tivemos no fim de junho, de que faltamos com as balizas do Estado de Direito. Eu acho que o grande problema nesse contexto tem a ver com a Procuradoria-Geral. A PGR se serviu e também acho que foi utilizada pelo Joesley Batista.
Houve precipitação na homologação da delação de Joesley?
Não tenho a menor dúvida, foi um grande equívoco. É de responsabilidade do Supremo, mas foi um acordo celebrado pela PGR.
Voltando ao IDP, não é antiético o senhor ser sócio de um instituto que recebe patrocínio de empresas que, no futuro, poderão ter ações julgadas no STF?
Vocês têm conflito de interesse quando a Rádio Gaúcha tem que noticiar sobre determinadas empresas que patrocinam vocês? Vocês têm que noticiar isso.
Não temos nenhum problema, noticiamos isso.
É a mesma forma como eu atuo. Vocês fazem uma confusão. Tanto é que julguei o caso do Funrural de maneira muito clara. Era uma causa muito clara a eles (JBS) e eu fui o voto de Minerva (decisivo). Decidi no sentido do governo.
Ouvimos da ministra Cármen Lúcia que a história do STF foi agredida de maneira inédita. Que visão o senhor tem sobre essas últimas gravações e a colaboração de Joesley Batista, que agora termina preso?
Eu tenho a impressão de que o término é adequado, mas isso era previsível. Eu falei na sessão de junho que esse acordo não ficava de pé. Para que o acordo fosse celebrado, a PGR teve que falar que Joesley não era chefe de organização criminosa. Mas ficou evidente que ele era, foi apontado por mim e pelos ministros Marco Aurélio e Lewandowski que não era possível homologar aquele acordo. O tribunal tem sua parte nisso, mas a grande responsabilidade, e eu diria, irresponsabilidade, é da Procuradoria-Geral da República.
O senhor acredita que as provas apresentadas pelo Joesley podem vir a ser anuladas?
Terá que ser examinado caso a caso. Se tudo foi tramado no seio da PGR, certamente teremos problemas e teremos que discutir as provas.
O senhor levanta a questão da PGR e a responsabilidade de Janot. Neste fim de semana, ele se encontrou com o advogado de Joesley em uma distribuidora de bebidas. Até que ponto isso pode levantar mais dúvidas sobre Janot? Ou o encontro é normal?
Não me parece um encontro normal. (Pierpaolo) É um respeitável advogado de São Paulo, correto, que certamente teve a indicação de encontrá-lo naquele local. Não é um encontro corriqueiro. Essa pessoa estava em Brasília para essa finalidade. É um pé sujo no Lago Sul. Não é um encontro casual de um advogado de Brasília e um procurador ou ministro. Essa foto é o epitáfio da gestão Janot. É uma gestão de bêbado.
O senhor desconsidera todo o trabalho dele, junto com a PGR e a Polícia Federal, apontando crimes contra o patrimônio público? Tudo isso é uma questão menor?
Não. Mas isso é obrigação da Procuradoria. E a relação da Procuradoria com a Polícia Federal é a mais tensa. Esse episódio Joesley mostra que a Procuradoria tirou por completo a Polícia Federal das investigações. E por isso cometeu todas as gafes. A Procuradoria não sabe investigar, não está aparelhada tecnicamente para investigar. Veja, não fazer perícia nesses áudios. Por isso vivemos toda essa confusão. Há despreparo.
O senhor acredita que toda a polêmica envolvendo a delação de Joesley pode se estender a outras delações, comprometendo o que foi levantado?
Estamos vivendo um comprometimento da qualidade das investigações. A Procuradoria pediu o arquivamento da investigação contra Sérgio Machado, Renan (Calheiros), (José) Sarney e (Romero) Jucá. Lembrem-se, Janot pediu a prisão de Renan, Jucá e Sarney. E agora ele está pedindo o arquivamento.
Voltando um pouco, o senhor disse que essa é uma "gestão de bêbado" (de Janot).
Eu nem sei se ele bebe. Mas é uma gestão desorientada.
O que o senhor quer dizer com "gestão de bêbado"?
É uma gestão desorientada, sem nenhuma qualidade.
Nada do que ele fez nesse período o senhor considera relevante?
Eu nem sei o que ele fez nesse período.
Ele denunciou pessoas por crimes que ficaram provados. Ele fez acordos de delação premiada que foram questionáveis, como é o caso deste, da JBS?
O que sabemos de explícito no Supremo é o caso do Joesley, do Sérgio Machado e do Delcídio. São todos casos muito questionáveis. Parece que o Miller (Marcello Miller, ex-procurador que atuava na Lava-Jato e se demitiu para ser sócio da mesma empresa que defendia, a JBS) não era apenas braço direto do Janot, mas o cérebro do Janot.
O senhor insinua que Janot sabia das irregularidades em que Marcello Miller estava envolvido?
Ou ele sabia e está envolvido, ou era uma rainha da Inglaterra na Procuradoria (não tinha poder, apenas o cargo).
No caso do Marcello Miller, Janot pediu a prisão dele e o ministro Edson Fachin não autorizou. Se caísse na sua mão (o pedido), o senhor teria autorizado? E teria autorizado e a prisão de Joesley e de Saud?
Não vou emitir juízo sobre isso, mas por muito menos já se emitiu prisão de gente graúda. O caso do Miller é muito grave. Não é só um caso de tráfico de influência, de venda, de ilusão.. É corrupção. Ele estava recebendo (salário) como advogado da JBS enquanto trabalhava na PGR.
Isso é motivo suficiente para afastamento do Janot do caso da JBS?
Não há por que falar em afastamento. Ele já foi demitido, já não tem mais condições de exercer o cargo, é um fantoche, um fantasma.
O mandato dele termina na próxima semana...
Mas já terminou, o público não leva mais a sério, o tribunal (STF) já não mais o reconhece. Cargo é a credibilidade. Quando a pessoa perde credibilidade, já não existe mais.
Mas somente nos últimos dias ele encaminhou três denúncias ao STF. Os chamados "quadrilhões" do PP, PT e PMDB. São questões que estão nas mãos do relator aí no STF, mas mais tarde serão avaliadas pela Corte (por todos os ministros). O que o STF fará?
Vai analisar, vai ouvir. O que Janot pensou, em uma relação especial com vocês da mídia: o Janot é um blefe que vocês ajudaram a inflar. Ele pensou em fazer um grand finale. Acusa agora o PT, que ele não vinha acusando, o PMDB e o presidente da República. E agora termina (o mandato) de forma melancólica, lá perto da Papuda (Presídio da Papuda, em Brasília).
A partir desse episódio da JBS, o instituto da delação premiada ficará comprometido?
A delação é problemática no Direito Comparado (comparação do Direito de vários países). Quando ela se torna único instrumento (de investigação), caso do Brasil, os criminosos usam-na como teoria dos jogos. O Joesley diz isso. Se vocês ouvirem aquela fita, ele diz: "Nós têm que chamá todo mundo de bandido". Essa é a linguagem da Procuradoria. Eles se adaptaram a isso. Aí você tem uma superdelação, você delata mais do que o que ocorreu. E você tem também a subdelação, quando interessa. Vamos ter que aprender a lidar com isso. Lidamos com falta de técnica e falta de controle... O Judiciário tem responsabilidade sobre isso, nós mesmos do Supremo deveríamos ter exercido um controle maior. O (economista) Mário Henrique Simonsen já dizia: "O trapezista morre quando pensa que voa".
O senhor fala em credibilidade, mas o senhor acredita que a sua credibilidade está mantida? O senhor é criticado por decisões que toma, inclusive no caso do Barata (Jacob Barata Filho, apontado pela Lava-Jato como responsável por pagar propina a políticos no Rio de Janeiro), de cuja filha o senhor foi padrinho de casamento.
Eu não fui padrinho de casamento da filha do Barata. Eu acompanhei minha mulher, que era madrinha de casamento do noivo, que é sobrinho dela. Um casamento que já se desfez.
Incluindo encontros fora da agenda com o presidente Michel Temer.
Nada de mais. Discutimos reforma política o tempo todo. Vocês criaram uma suposição de encontro fora da agenda. Se alguém me ligar às 20h e o encontro não estava previsto na agenda... Eu, como presidente do Eleitoral (Tribunal Superior Eleitoral), tive que realizar as eleições no Amazonas e precisava de R$ 36 milhões. Quem me colocaria isso à disposição? O presidente da República. Então eu tinha que conversar com ele.
Ministro, estamos falando em credibilidade, o senhor fala da credibilidade do Janot... Tudo isso não afeta a sua credibilidade também?
Não afeta. Alguém discute as minhas decisões? Alguém é capaz de dizer que fui parcial em alguma decisão?
Quem deveria dizer isso são seus pares, o senhor é ministro do Supremo Tribunal Federal.
Em geral, todas as discussões que tenho tido (as opiniões de outros ministros) são no sentido da decisão que eu adoto.
O que o senhor espera da nova procuradora-geral da República, Rachel Dodge?
Ela restaura a decência na Procuradoria-Geral, e ela tem um grande trabalho pela frente. Ela precisará reconstruir a PGR, inclusive nossa relação (STF com PGR). Não podemos no Supremo ter uma relação de desconfiança com a PGR, não podemos achar que estamos nos relacionando com delinquentes na Procuradoria-Geral.
Tenho ouvido aqui em Brasília que todas as forças estão pressionando para que a Lava-Jato seja enterrada. O senhor vê isso? A Lava-Jato está chegando ao fim?
Não vejo isso e não acho que seja possível. Ela tem grande papel, é ilusão achar que alguém vai abafar a Lava-Jato. Isso é conversinha de figuras que gostam de fazer historinhas. Isso não faz nenhum sentido. A rigor não se encerra esse tipo de investigação. Quem tem essa ilusão está redondamente enganado.