O testemunho do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antonio Palocci (PT) sacudiu o país na quarta-feira (6). Em depoimento ao juiz federal Sergio Moro, que julga casos da Operação Lava-Jato, o político admitiu ter cometido crimes e, de quebra, incriminou seus ex-chefes, os ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Resta provar o que afirma – o que pode ser tentado mediante e-mails, anotações ou registros em agendas.
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Os ex-presidentes refutaram as afirmativas de que governaram mediante corrupção. Defensor de Lula, Cristiano Zanin chegou a afirmar que Palocci leu rascunhos nos quais repetia acusações já feitas contra o ex-presidente pelo Ministério Público Federal (MPF). O advogado diz que o ex-ministro tenta agradar a Lava-Jato para diminuir a dureza da pena de 12 anos a que foi condenado.
Zero Hora releu trechos das colaborações premiadas de 77 executivos da empreiteira Odebrecht (veja quadro abaixo) e comprovou que eles reforçam grande parte do que Palocci falou. Há discrepância em alguns detalhes, mas o advogado da maioria dos dirigentes da Odebrecht, Alexandre Wunderlich, admite que os depoimentos do ex-ministro comprovam o que foi dito por seus clientes. Veja abaixo o comparativo:
R$ 300 milhões para campanhas petistas
- O que disse Antonio Palocci:
Que os ex-presidentes Lula e Dilma participaram, em 30 de dezembro de 2010, de uma reunião com o empresário Emilio Odebrecht na qual foi discutido o pagamento de R$ 300 milhões em "contribuição", para continuidade de atividades políticas do PT.
– Por que eu sei disso? Porque, no dia seguinte, de manhã, o presidente Lula me chama e me conta a reunião, Eu fiquei bastante chocado... achei que não era assim que era o relacionamento da empresa – falou.
A reunião se deu em meio à dúvida sobre o valor e a forma com que a Odebrecht repassaria valores. Havia, segundo ele, inicialmente uma divergência se seriam R$ 150 milhões ou R$ 300 milhões e a maneira como haveria pagamento. Lula teria defendido o pagamento em "conta corrente". Palocci recomendou que não, que não seria adequado. Segundo Palocci, Lula descreveu o encontro como "uma ótima reunião e ele (Emilio) confirmou os R$ 300 milhões e falou que pode ser mais, se necessário". Palocci afirmou que a Odebrecht não apresentou uma pauta de desejos específica, apenas a vontade de que, com o governo da presidente Dilma, a relação com o governo continuasse fluida, como havia sido a relação com o governo Lula.
- O que disse o ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht:
Que a construtora tinha uma espécie de conta corrente com o ex-ministro Antônio Palocci, com um crédito de R$ 200 milhões em benefício do ex-presidente Lula. Ele afirmou que Lula sabia desta planilha, porque seu pai, Emílio Odebrecht, conversou com o ex-presidente. Palocci teria então questionado Marcelo: "Marcelo, que história é essa que seu pai disse que você acertou comigo R$ 200 milhões?". Marcelo afirma disse que só seu pai saberia detalhar o que foi acertado.
Em outro depoimento, Marcelo Odebrecht relatou que Palocci era responsável pelas indicações de pagamentos que deveriam ser feitos a campanhas políticas, recursos esses depositados em uma conta informal que o PT tinha com a empreiteira, em troca de favorecimentos. "Eu combinei com o Palocci o seguinte: a gente sabia que ia ter demandas de Lula, a questão do instituto e para outras coisas. Então, a gente disse foi seguinte: vamos pegar e provisionar uma parte saldo, botamos R$ 35 milhões no saldo amigo, que é Lula... para o uso que fosse orientação de Lula."
Em outro trecho, Marcelo fala que são R$ 40 milhões: "A gente botou R$ 40 milhões que viriam para atender demandas que viessem de Lula. Veja bem: o Lula nunca me pediu diretamente. Eu combinei via Palocci. Óbvio, ao longo dos usos, ficou claro que era realmente para o Lula. (...) O Palocci me pedia para descontar do saldo "amigo".
Marcelo também confirmou que a planilha secreta da Odebrecht intitulada "Amigo", do Setor de Operações Estruturadas da empresa (o "Departamento de Propina"), chegou a contabilizar R$ 128 milhões em créditos, em 2013. "Amigo" seria referência a Lula. Isso foi dito em depoimentos de dirigentes da Odebrecht.
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Sítio de Lula
- O que disse Antonio Palocci:
Que o patriarca do grupo Odebrecht, Emílio Odebrecht fez uma espécie de "pacto de sangue" com o presidente Lula, a quem procurou nos últimos dias de mandato e levou um pacote de benefícios. Entre esses, a reforma do sítio para uso da família do ex-presidente em Atibaia (SP), tocada pela Odebrecht e outras empresas.
- O que disse Emílio Odebrecht:
No acordo de delação premiada, afirmou que a reforma no sítio em Atibaia (SP) frequentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva custou à construtora Odebrecht cerca de R$ 700 mil. Ele confirmou que o sítio sempre foi tratado dentro da empresa como se pertencesse ao ex-presidente e que foi a ex-primeira-dama Marisa Letícia quem pediu ajuda para concluir as obras. O pedido, relata o empresário, foi feito em 2010, no último ano do segundo mandato de Lula na Presidência da República.
- O que disse o ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, Alexandrino Alencar:
"Dona Marisa chegou para mim e disse: 'Poxa, Alexandrino, vou precisar de um favor seu, tô querendo que em janeiro a gente possa, o presidente possa se mudar pro sítio'. As obras começaram em dezembro de 2010, quando Lula ainda era presidente. Não era um valor... nenhuma coisa absurda. É um agrado a se fazer a uma pessoa que teve essa relação toda com o grupo durante esse tempo todo. É uma retribuição, sem dúvida."
Além de Alexandrino, outros dois executivos confirmaram que a reforma era para o ex-presidente Lula.
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Ajuda ao Instituto Lula
- O que disse Antonio Palocci:
"Em um episódio que o Marcelo Odebrecht relatou, que é verdadeiro, ele fala num pedido que eu fiz a ele de R$ 4 milhões para o Instituto Lula. Isso é verdade. O Paulo Okamoto (diretor do instituto) me pediu pra que eu ajudasse, acho que foi meio pro final de 2013, começo de 14, ele tinha um buraco nas contas e me pediu pra arrumar recursos."
- O que disse o ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar:
Que Marcelo Odebrecht lhe disponibilizou R$ 12 milhões para a compra de um imóvel para sediar o Instituto Lula. "Eu entendo que em retribuição, em contrapartida, ao que o próprio ex-presidente Lula fez no passado. Eu acho também, em função da importância dele no governo, no então governo, e também no futuro político do próprio ex-presidente Lula na época. O negócio não foi consumado. Não houve uma afinidade nos imóveis que, na época, estavam disponíveis para a venda".
- O que disse o ex-executivo da Odebrecht Benedicto Barbosa Filho:
Confirmou que na planilha "Italiano", onde o dinheiro repassado a Palocci era registrado pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht (apelidado Departamento de Propina), há contabilidade de R$ 12 milhões associados ao "Prédio IL". E que se trata da compra do terreno para o Instituto Lula.
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Favorecimento em obra no aeroporto
- O que disse Antonio Palocci:
"Na primeira leva de privatizações, quando foram privatizados os aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília, a Odebrecht ficou de fora. Eu disse que eles deveriam ficar calmos, que numa próxima licitação a presidente Dilma cuidaria desse assunto. Aí, eles retiraram o recurso que eles tinham na Anac e foram beneficiados na licitação do aeroporto Galeão (Tom Jobim), no Rio de Janeiro. Como foram beneficiados? Houve uma cláusula nessa licitação que impedia o vencedor da licitação de Guarulhos de participar do aeroporto do Galeão, em condições livres. Aí a Odebrecht ficou com o Galeão."
- O que disse o ex-presidente da Odebrecht Transport, Paulo Cesena:
Em delação premiada, afirmou que em 2014, após garantir a concessão do Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, foi informado pelo ex-diretor da área de Infraestrutura da Odebrecht, Benedicto Júnior, de que o então secretário da Aviação Civil, Moreira Franco, solicitou pagamento de R$ 4 milhões ao ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho, pelo desfecho do leilão favorável a companhia. O repasse foi feito sob pretexto de doação eleitoral. "Por tudo aquilo que o ministro Moreira Franco havia se empenhado nos temas relacionados à concessão do Galeão", disse Cesena.
O delator afirmou que Moreira interferiu no edital da segunda rodada de concessões de aeroportos, durante o ano de 2013, na manutenção de cláusulas que aumentariam as chances da Odebrecht. Com as cláusulas mantidas, o consórcio liderado pela Odebrecht venceu o leilão para administrar o aeroporto do Galeão pelo valor de R$ 19 bilhões.
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Caixa 1 e Caixa 2
- O que disse Antonio Palocci:
Que a reeleição de Dilma teve caixa 1 com origem criminosa dos valores. Ele falou que não lhe cabia discutir como a empresa ia pagar, se no Brasil ou no Exterior. Mas que sabia que os tesoureiros faziam pagamentos lícitos e ilícitos, caixa 1, caixa 2, "muitas vezes era caixa 1 para simular pagamento legal, mas a origem do dinheiro era ilegal". Um exemplo citado por ele é o da campanha de 2014 à Presidência da República. "Foi a campanha que mais teve caixa 1, e foi uma das campanhas que teve mais ilicitudes. Por quê? Porque o crime se sofisticou no campo eleitoral. As pessoas viram que o problema é o caixa dois, então transforma, vão transformando progressivamente tudo em caixa um, só que a ilicitude tá fora do pagamento, a origem criminosa dos valores... Isso a própria operação Lava-Jato desvendou esse mistério."
- O que disse o ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht:
"Dilma sabia que a gente era responsável por muitos pagamentos para o publicitário João Santana. Ela nunca me disse que sabia que era caixa 2, mas é natural... ela sabia que toda aquela dimensão de pagamentos não estava na prestação do partido", disse o empresário. Ele afirmou que empresa doou R$ 150 milhões à chapa Dilma-Temer na eleição de 2014. Desse valor, segundo o depoimento, R$ 50 milhões seriam uma "contrapartida específica" à aprovação em 2009, pelo Congresso, de uma medida provisória que beneficiava diversas empresas do setor". Ou seja, era caixa 1 como retribuição a um favor ilegal, um tráfico de influência.