Ex-integrante da força-tarefa da Operação Lava-Jato em Brasília, o procurador regional da República Douglas Fischer afirmou que Joesley Batista, delator da JBS, poderá ser preso se o acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal (MPF) for revogado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A detenção, no entanto, só seria autorizada pela Corte caso o delator possa prejudicar as investigações.
Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, nesta terça-feira (5), Fischer frisou que as provas produzidas a partir das delações da JBS não sofrem o risco de serem descartadas mesmo que os benefícios de delatores sejam revogados. Na segunda-feira (4), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, anunciou a revisão dos acordos de colaboração de executivos e donos da empresa.
Leia, abaixo, a íntegra da entrevista
Quais são as repercussões jurídicas possíveis após o anúncio de Rodrigo Janot?
Politicamente, esse fato vai ser explorado e é natural que o seja. Entretanto, juridicamente, é preciso deixar bem claro que as provas produzidas até o presente momento são totalmente válidas. Não há juridicamente risco de anulação das provas produzidas.
O que eles (delatores) contaram, os vídeos das malas de dinheiro e as gravações no Palácio do Jaburu, seguirá valendo?
Tudo (é) absolutamente válido. É importante até citar: há um precedente expresso do STF, que houve no inquérito 3.979, e foi de dezembro de 2016, onde o Supremo disse (que) até mesmo em caso de revogação do acordo, o material probatório, ou seja, as provas colhidas em decorrência dele, pode ser utilizado contra terceiros.
Ou seja: tudo o que o colaborador entregou de provas tem absoluta validade até o momento em que se revogar o acordo. Então, precisamos diferenciar o seguinte: no acordo, quando ele é feito, o juiz analisa se o colaborador fez o acordo espontaneamente.
Foi isso que recentemente o Supremo ficou decidindo, (houve) uma discussão muito grande no próprio caso da JBS que foi na petição 7074 em que se discutia se era o relator ou se era o colegiado, os demais ministros que analisariam essa homologação do acordo. E se decidiu que era o relator do processo (Edson Fachin), onde o relator analisa se o colaborador está espontaneamente, sem qualquer coação, sem qualquer vício de vontade, falando ao Ministério Público.
Isso, se o juiz verificar que não tem nenhum vício, ele homologa o acordo e diz "pode iniciar a investigação", porque a colaboração premiada é uma técnica de investigação a partir do que se começa a angariar as provas. Pode acontecer a revogação do acordo, isso já aconteceu em um caso concreto, temos um caso na Lava-Jato assim em que tudo o que se produziu até a revogação do acordo. Por que houve a revogação do acordo?
O colaborador não honrou o compromisso dele de dizer a verdade e dizer todos os fatos que conhecia. Agora, o fato de ele ter benefício eventualmente revogado não significa que tudo aquilo que ele entregou até então não tenha validade. Nós vamos ter que utilizar aqueles elementos com outros elementos para ver se tem qualidade de prova.
Caso todo o benefício da delação seja revogado, no caso do Joesley Batista, ele poderá ser preso?
O procurador-geral (Rodrigo Janot), ontem (segunda-feira), na entrevista, deixou claro que essa é uma possibilidade. Mas é importante dizer que uma prisão só se faz quando há necessidade. O STF já enfrentou este mesmo problema neste caso em que houve a revogação do benefício.
Essa decisão é de junho de 2017, é o habeas corpus 138.207, em que o STF disse que o simples fato de haver a revogação do acordo não é motivo por si só para decretação de uma prisão. Entretanto, se houver outros elementos, previstos em lei, no caso do artigo 312 do Código de Processo Penal, que alguém está, por exemplo, destruindo provas, ocultando provas que possa prejudicar a investigação, eu posso pedir uma prisão preventiva.
Esta prisão preventiva foi exatamente decidida em detrimento de Marcelo Odebrecht porque se demonstrou que ele estava providenciando a destruição de provas.
Se ficar comprovado que Marcelo Miller usou o espaço e o poder dele na PGR para influenciar na delação de Joesley Batista, isto pode ser um motivo para a anulação das provas?
De fato, é muito complicado e não cabe a mim fazer a análise de comportamento de ex-colegas. (Sobre) isso, o procurador-geral da República está tomando as providências. Não sei o que aconteceu, mas o colaborador vem com o seu advogado e, antes de esse acordo dele ser homologado, ele vai perante um juiz e diz que está fazendo o acordo voluntariamente, que ninguém o pressionou a fazer e o que ele está dizendo é exatamente fruto da verdade que ele conhece.
É isso que está em jogo: se teve um comportamento não devido de alguém que estava participando da investigação, isso não influencia na validade do acordo porque o acordo vai estar condicionado à voluntariedade e à espontaneidade que o juiz vai aferir.
Nesse caso da JBS, houve um episódio que faz com que o acordo seja diferente, que é exatamente a operação controlada. Foi o único caso em que o acordo incluiu o acompanhamento, a gravação da entrega de dinheiro que foi o que produziu as provas mais robustas que se tem nesse caso.
Autorizado pelo STF. Essa é a prova de que tudo o que foi produzido é válido. Ou seja: para ser deferido um monitoramento daquele tipo, o ministro que deferiu entendeu que havia elementos para tanto.
Em tese, isso não deixa uma reflexão para a própria PGR e procuradores a respeito desse período de quarentena no caso de um profissional deixar a PGR para ir advogar? Essa quarentena não tem que estar melhor regulamentada
Sim. Não há dúvida, a resposta é objetiva.
E como isso vai ser feito?
Não sei, (mas) isso tem que ser feito. Eu sou favorável a que tenhamos todo regulamento claro para que não paire qualquer dúvida sobre comportamentos nossos. Se me permitem, queria fazer uma pequena observação: sobre a suposta desproporção dos benefícios concedidos ao caso JBS comparado com o caso Marcelo Odebrecht e outros.
Realmente, causou um alvoroço muito grande a concessão, pela primeira vez, de uma imunidade penal, e o procurador-geral da República foi quem, ele analisando, entendeu por fazê-lo assim porque é ele quem tem o poder de decidir sobre isso.
No caso de Marcelo Odebrecht, precisamos ver que a colaboração dele se deu no curso de uma investigação, onde já havia provas em relação a ele, onde eles (delatores da Odebrecht) entregaram bem menos informações do que foi entregue pela JBS. A JBS veio durante uma investigação, que sequer tinha investigado o fato, entregou inúmeras pessoas, mais de 1,8 mil pessoas, inclusive a participação do presidente da República.
Para a população brasileira, a imagem do Joesley Batista depois da delação, indo para Nova York, passou uma impressão de impunidade.
É importante a sociedade saber que, no acordo de colaboração premiada, o interesse da sociedade está protegido. Tem uma cláusula expressa que diz que se o colaborar mentir ou omitir, ele perderá os benefícios e as provas serão válidas. A sociedade tem que ver que nada é feito sem uma proteção do interesse da própria coletividade.
Tudo está nas mãos do STF. O que pode acontecer?
O procurador-geral mandou os áudios para STF analisar se vai liberar ou não o conteúdo do áudio. Mas, em princípio, não há nenhum sigilo no que está dito lá. O procurador-geral determinou a intimação para que os envolvidos compareçam até o dia 8 de setembro na PGR e expressem esclarecimentos sobre os pontos de divergência que ele vai levantar.
Se (Janot) entender que não há como sustentar esse acordo, ele vai fazer um requerimento ao STF, para que o STF, na situação máxima, revogue o acordo de colaboração dizendo que não mais são válidos aqueles benefícios propostos porque houve uma quebra do acordo assumido entre as partes. Tem que ser garantido ao colaborador (que ele possa) vir falar sobre a suposta quebra do acordo que ele fez.
Janot deixou claro que preferiu encaminhar os áudios ao ministro Fachin para que o STF analise porque ali, segundo ele, existem citações pessoais envolvendo autoridades. A tendência é que permaneça em sigilo?
O procurador-geral deixou claro que, tecnicamente, os áudios não têm sigilo legal. Só que ele achou prudente em não divulgar aquilo que não interessa. Segundo ele disse, há referências a possíveis pessoas do STF. Ele não falou ministros, "pessoas do Supremo". A quem cabe decidir se libera esses áudios? O Supremo.
Se não há nenhum sigilo, em princípio, deve-se divulgar os áudios salvo se trouxerem informações de questões pessoais de terceiros que nada têm a ver com os fatos investigados. Se tiver esse tipo de informação, eu sou absolutamente contra que se divulgue.
No final de semana, o juiz Sergio Moro esteve em Gramado e fez críticas à PGR em alguns pontos levantou a questão da participação da Polícia Federal (PF) nas negociações. Não seria bom para a investigação que esses acordos fossem feitos em conjunto pela PF e pela PGR?
Esse é ponto que está em discussão muito grande. Nós temos aproximadamente 160 colaborações que foram feitas Praticamente todas foram feitas em conjunto.
É que nessa justamente não foi. Passa a ideia de onde não foi feita em conjunto...
Isso pode passar falsa ideia, mas não é assim. Inúmeras outras, por exemplo, a (delação) do Marcelo (Odebrecht) teve participação.
Não deveria ter participação da PF em todas as negociações?
A lei que está sendo questionada pelo procurador-geral no STF, onde diz que a própria polícia poderia fazer só ela a colaboração. A pergunta que faço é: quem tem a atribuição de denunciar ou não denunciar alguém judicialmente? Quem pode propor um benefício de perdão judicial? Entendo sem nenhuma crítica a atividade policial que a polícia não pode fazer isso. Agora, defendo dentro do possível que as colaborações sejam feitas em conjunto.