Concebida para reforçar a defesa do presidente Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a escolha de Torquato Jardim como ministro da Justiça provocou desconforto na Corte. A repercussão levou o presidente, ministro Gilmar Mendes, a negar um arranjo político para salvar o governo. A uma semana do julgamento que pode cassar a chapa Dilma-Temer, ele reclamou dos comentários sobre eventual pedido de vista benéfico ao Planalto e afirmou que o tribunal "não é joguete de ninguém" nem "instrumento para solução de crise política":
– Há muita especulação na mídia sobre pedidos de vista. Se houver pedido de vista, é algo absolutamente normal. Ninguém fará por combinação com este ou aquele intuito.
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Conselheiro de Temer e habitué de encontros fora da agenda no Palácio do Jaburu, Gilmar procura blindar os outros seis ministros do TSE, incomodados em razão de especulações que indicam possível influência de Torquato, que já foi membro da Corte. Gilmar tenta ainda conferir ar apenas jurídico ao resultado no julgamento que recomeça na próxima terça-feira.
A decisão gera grande expectativa em Brasília desde a delação da JBS. Quem costura o pós-Temer, considera a cassação a "saída mais rápida" da crise. Já o Planalto trabalha para protelar a sentença ou emplacar a tese de separação da chapa. Foi nesse contexto que o presidente tirou Torquato da Transparência e o colocou na Justiça – antigo titular da pasta, Osmar Serraglio (PMDB-PR) foi convidado para assumir a Transparência (leia ao lado).
Ex-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral, considerado um dos maiores especialistas da matéria no país, Torquato foi ministro do TSE por oito anos (1988-1992 e 1992-1996). Advogado na capital federal desde o final da década de 1970, ex-assessor no Supremo Tribunal Federal (STF) e professor da Universidade de Brasília por duas décadas, o jurista tem
ex-alunos e amigos em tribunais superiores, Procuradoria-Geral da República (PGR) e Polícia Federal. Amigo do ex-ministro Carlos Velloso, é próximo da ex-senadora Marina Silva (Rede).
– Torquato é uma das melhores expressões no Brasil em direito eleitoral e profundo conhecedor de direito constitucional. Sério, cordial e ponderado – descreve Luiz Carlos Madeira, ex-ministro do TSE.
Na análise de auxiliares de Temer, o novo titular da Justiça agrega qualidades que faltavam a Serraglio, deputado tímido e de pouca expressão política. Amigo do presidente, terceiro ministro da pasta em um ano de governo, Torquato tentaria repetir os perfis de Márcio Thomaz Bastos e José Eduardo Cardozo com Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Inclusive, é elogiado por ministros que passaram pela área jurídica das gestões petistas.
No Congresso, onde se desenrola outra parte da estratégia de sobrevida do governo Temer com o esforço para demonstrar que votações de reformas não estão inviabilizadas, a opção dividiu opiniões. Aliados de Temer aplaudiram a escolha de um ministro mais forte, porém o tratamento conferido a Serraglio foi alvo de críticas internas no PMDB. A oposição questionou a mudança, mas nos bastidores espera que Torquato tenha condições de enquadrar a Lava-Jato.
No primeiro dia após a indicação, o novo ministro teve reuniões com Temer e o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Elogiado, o jurista é visto no Planalto com estofo jurídico para orientar mudanças na estratégia de defesa de Temer no TSE, abrir canal de diálogo com os integrantes da Corte e defender publicamente a absolvição do presidente ou um pedido de vista, o que já fez em entrevistas recentes, ao apostar em adiamento da análise do caso.
– A coisa mais natural que existe, em um processo de 6 mil páginas, com 1.250 páginas de relatório e um voto que terá 400 ou 600 páginas, é que um juiz peça vista – disse na sexta-feira, antes do convite para trocar de cargo, ao Correio Braziliense.
A mesma postura é esperada para contestar ações da Lava-Jato e melhorar a interlocução no STF, onde o presidente é investigado por corrupção, organização criminosa e obstrução à Justiça. Ao Estado de S. Paulo, Torquato defendeu o "reexame" da competência do ministro Edson Fachin para relatar o inquérito de Temer. Em novembro, a Zero Hora, fez crítica aos vazamentos das delações na Lava-Jato – entidades ligadas à Polícia Federal manifestaram preocupação com o risco de interferência.
– No Brasil, a presunção de inocência foi abandonada em favor da presunção de veracidade do delator – disse Torquato a ZH.