Nos últimos dias, o Brasil acompanhou, estarrecido, mais uma hecatombe no cenário político nacional, com potenciais reflexos devastadores na economia. A turbulência atingiu o cerne do governo de Michel Temer, e, embora o presidente tenha afirmado que não pretende deixar o cargo, as incertezas em torno dos rumos do país persistem – e aumentam a cada dia.
Para avaliar as saídas do labirinto da crise, ZH ouviu nove pessoas, de diferentes áreas, com visões distintas e opiniões divergentes sobre as condições de retomada da estabilidade. Há quem defenda a renúncia do chefe de Estado e quem entenda que Temer deve permanecer. Também há os que pregam a necessidade de conclusão das reformas previdenciária, trabalhista, tributária e política e aqueles que apontam a urgência de mudanças culturais. A seguir, confira a síntese das entrevistas.
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Márlon Reis: "Formação política"
Idealizador da Lei da Ficha Limpa, o advogado Márlon Reis, cofundador e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), sustenta a adoção de uma nova disciplina nas escolas brasileiras: educação política. A medida, na avaliação dele, seria uma maneira de promover uma mudança cultural, necessária para superar a crise que se abate sobre o país no longo prazo – e evitar que se repita.
– Esse tema tem de entrar nas salas de aula. Hoje, as crianças sabem tudo sobre ambiente, por exemplo, mas antes ninguém falava sobre isso. A mudança foi fruto de mobilização, e isso tem de acontecer com a política também. Precisamos ser mais politizados, votar com mais consciência. É inacreditável que adultos não saibam sequer o que faz um deputado, um senador – afirma.
Em curto prazo, o advogado não vê saída para o caos instalado no país sem a convocação de eleições diretas antecipadas e reforma política.
Luiz Belluzzo: "Infraestrutura"
Alinhado à corrente de economistas que defendem o papel do Estado como indutor da atividade econômica, o professor aposentado da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo propõe que o governo federal tenha função mais ativa na recuperação produtiva. O ponto de partida, diz o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, seria o Planalto colocar todos os recursos que puder em projetos estratégicos de infraestrutura. Esse movimento daria início a um processo de geração de demanda que afetaria positivamente o setor privado, os investimentos, o emprego e a renda.
– O governo pode cortar outros gastos e reorganizar o que sobrou para fazer algo mais efetivo, basicamente em infraestrutura, pela difusão dos efeitos – diz.
Um impacto seria a melhora dos níveis de confiança e o destravamento do crédito, o que também levaria a um aumento da arrecadação fiscal. Em longo prazo, a agenda deveria incluir a criação de política de desenvolvimento tecnológico industrial e a reforma tributária, reduzindo alíquotas sobre a produção e circulação de mercadorias e serviços, ampliando a taxação sobre os mais ricos.
Thais Zara: "Reforma da Previdência"
A economista-chefe da Rosenberg Associados, Thais Marzola Zara, avalia que o ideal para o país superar a crise seria dar continuidade à tramitação das reformas da Previdência e trabalhista no Congresso. Essas medidas, segundo ela, provocariam impacto positivo nos indicadores de confiança e recolocariam o país nos trilhos para um crescimento sustentável, com taxas mais robustas nos próximos anos.
– A reforma da Previdência é uma das maiores necessidades do país agora. Tem a ver com a solvência do Estado brasileiro a longo prazo – sintetiza.
A economista avalia que o melhor cenário partiria de uma solução rápida – seja qual for – para a crise política e a retomada da agenda reformista. A instabilidade atual, segundo Thais, tende a frear a retomada da atividade verificada no primeiro trimestre por voltar a nublar o cenário. Sem um horizonte claro, ressalta ela, a população posterga o consumo e os empresários deixam projetos de investimentos na gaveta. Outro impacto deve ser observado na decisão do Banco Central da próxima semana, com corte mais tímido no juro, que antes poderia ser de até 1,25 ponto percentual.
Carlos Malamud: "Incertezas"
O historiador argentino Carlos Malamud, radicado em Madri e tido como um dos mais importantes estudiosos da América Latina na Europa, vê um quadro de "desgaste" do governo e de "incertezas".
– A possibilidade de novo impeachment, desta vez contra Michel Temer, é cada vez maior. Ninguém está alheio, começando pelos mercados, à gravidade do momento e suas consequências letais sobre o futuro do Brasil, especialmente quando começavam a aparecer os primeiros, mas sólidos, indícios de recuperação econômica – afirma Malamud, lembrando que Temer "nunca contou com legitimidade suficiente para governar com comodidade", em razão das acusações de que teria cometido um golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff e das suspeitas de corrupção contra sua equipe.
– Isso tornou muito mais vulnerável um governo nascido débil – acrescentou.
Sobre o futuro, Malamud questiona, em caso de eleição indireta, qual seria a legitimidade de um novo mandatário eleito por parlamentares suspeitos de corrupção.
Gilson Dipp: "Respeito à Constituição"
Ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp afirma que, no cenário atual, não há perspectivas de governabilidade para o presidente Michel Temer. Na avaliação dele, "o mal está feito", e Temer deve renunciar para estancar a crise.
– Conheço o presidente e me dou bem com ele. Lamento o que aconteceu, mas não vejo alternativa. A credibilidade do governo foi abalada. O melhor, hoje, é a renúncia. É o método menos traumático e mais rápido – pondera Dipp.
O ex-corregedor do Conselho Nacional de Justiça considera improvável a convocação de eleições diretas já, como defendem alguns setores, em razão dos prazos.
O mais provável, segundo ele, seria a realização de eleições indiretas. Nesse caso, Dipp defende a escolha do jurista e exministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim.
– Seria o melhor nome para impor respeito, porque Jobim tem experiência em navegar por águas turvas e tem bom trânsito político. Outro ponto importante, nesse processo, será garantir o respeito à Constituição, às instituições e à democracia. Não existe saída fora disso – afirma o ex-ministro do STJ.
Paulo Baía: "Palavra final será do Supremo Tribunal Federal"
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o cientista político Paulo Baía acredita que a retomada da estabilidade política e econômica dependerá de decisão do STF. E a solução, na opinião dele, levará à saída de cena de Temer.
– Seria um ato de altruísmo de Temer renunciar, mas, diante do que ele já disse, não acredito que isso vá acontecer. Então, ao fim e ao cabo, a palavra final será do STF. A questão é saber quanto tempo isso vai levar, porque a pacificação do país é urgente – avalia o professor.
Baía entende que o STF tem dois caminhos a seguir. O primeiro é referendar a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, caso a Corte decida pela cassação da chapa de Dilma Rousseff e Temer.
O outro caminho, segundo o professor, seria Temer virar réu perante o STF (por enquanto, há uma investigação aberta contra ele) e ser afastado de imediato.
Para Baía, as reformas política, tributária e previdenciária são necessárias, mas o debate não pode prosseguir da forma como se dá hoje, pela falta de representatividade.
Gil Castello Branco: "A corrupção generalizada precisa ter fim"
O secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, classifica a crise em andamento como "a mais séria que o país já enfrentou".
O economista defende "uma mudança efetiva na forma de fazer política no Brasil" e maior eficácia das ferramentas de fiscalização.
– Não basta fazer uma reforma política para diminuir a quantidade de partidos, o que também é fundamental. É preciso mais do que isso. A corrupção deslavada, generalizada, precisa ter fim. Isso se faz com maior transparência, acesso à informação e controle social. Os brasileiros estão chocados com o que viram e ouviram nos últimos dias e não podem se calar diante disso. Precisamos identificar a origem das falhas na fiscalização e corrigi-las – diz.
Para Castello Branco, o presidente Temer não tem mais condições políticas de governar, mas as reformas em debate precisam ser concluídas.
– Lamentavelmente, a polarização que hoje existe no país impede soluções racionais. Virou um Gre-Nal, como vocês dizem aí no Sul. A questão é que o próprio PT falava nas reformas e agora ninguém admite. Elas precisam acontecer.
Heitor José Müller: "Repensar valores éticos e morais, caráter e patriotismo"
Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Heitor José Müller entende que a recuperação do país não depende apenas de medidas concretas, mas também de uma reflexão que parece ter saído de moda.
– Temos de repensar valores éticos e morais e voltar a falar da importância do caráter e da questão do patriotismo. Cadê o orgulho nacional? O Brasil tem tudo de que precisa. Só depende de nós a superação desse momento difícil – argumenta.
O empresário diz que, enquanto não tiver certeza do que pesa contra Michel Temer, prefere que o presidente fique no Palácio do Planalto "pelo esforço que vinha fazendo para levar adiante as reformas". Müller entende que a iniciativa é fundamental para garantir a retomada do crescimento:
– Outros países já fizeram essas mudanças. No nosso caso, temos indústrias 4.0, mas continuamos com leis 1.0. A insegurança jurídica é enorme, e a reforma trabalhista é indispensável, inclusive para voltarmos a gerar empregos.
Luis Roberto Ponte: "Eleição indireta para presidente e reformas"
Constituinte, ex-secretário de Estado, ex-ministro do governo de José Sarney e um dos fundadores do antigo MDB, Luis Roberto Ponte, 83 anos, avalia que o presidente Michel Temer errou ao não denunciar o dono da JBS, Joesley Batista. Lamenta o desfecho e acredita que a saída para a turbulência política será "constitucional".
– Se Temer não se viabilizar mais politicamente, deve renunciar em nome do país. A partir daí, a solução será a eleição indireta e, na minha visão, o melhor nome para assumir a liderança é o de Pedro Simon, que não tem aspiração futura a nada. Ele manterá a equipe econômica, que precisa continuar o trabalho, que já está dando bons resultados – avalia.
Ponte também é partidário das reformas, sob o argumento de que, se não forem feitas, a consequência será uma piora dos serviços públicos básicos.
– Temos um teto de gastos, e, a cada ano, a Previdência vem tomando uma fatia maior de recursos. Se continuar assim, vai começar a faltar dinheiro para saúde, educação. Não há como deixar tudo como está – pondera.