Emílio Odebrecht não se contém. Depondo em uma sala da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, o presidente do conselho de administração da maior empresa de engenharia da América Latina joga as costas na poltrona e cai na gargalhada frente aos procuradores da Operação Lava-Jato. Diante do olhar de reprovação do advogado, tenta se explicar:
– Rapaz, eu tenho de ser o Emilio. Se eu não for transparente...
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Era 13 de dezembro de 2016 e Emílio narrava como, um ano antes, havia procurado o então ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, pedindo alterações na medida provisória 703/2015, que estabelecia regras para acordos de leniência. Na ocasião, com a Lava-Jato nas ruas e o filho Marcelo Odebrecht preso em Curitiba, o patriarca da família tentava recuperar a empresa, excluindo das negociações de leniência a participação do Ministério Público Federal. A descontração de Emílio se deu ao ser questionado se Wagner havia pedido algo em troca de mudanças na MP:
– Não, até porque estávamos muito fragilizados. Eles estavam, nós estávamos muito mais. É o torto pedindo ao aleijado.
Depois da comparação veio uma risada zombeteira. A natural tranquilidade com que Emílio detalha as ações sub-reptícias do grupo se repete nos mais de 900 depoimentos dos executivos da Odebrecht. Gravados em vídeo, os interrogatórios expõem o submundo das negociatas que corromperam praticamente todo o espectro político nacional, de vereadores da longínqua Uruguaiana aos últimos inquilinos do Palácio do Planalto. O atual presidente, Michel Temer, só não é alvo da Lava-Jato porque não pode ser investigado por fatos anteriores ao mandato.
Para a Odebrecht, não existia coxinhas ou petralhas, direita ou esquerda. A despeito de ideologias conflitantes, a empresa direcionava os recursos do seu departamento de propina de acordo com a capacidade dos políticos ajudarem no desenvolvimento de negócios. Somente os 76 inquéritos da lista de Edson Fachin no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvem pagamentos de R$ 451,049 milhões a 98 pessoas, 21 delas vinculadas ao PT, 17 ao PMDB e outras 14 ao PSDB.
Um dos maiores expoentes tucanos, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) é quem mais responde a inquéritos na Corte. Segundo Marcelo Odebrecht, ele recebeu R$ 50 milhões para defender as empreiteira nas obras das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia. À época, Aécio era governador de Minas Gerais e despontava como futuro candidato à Presidência. Por conta dessa projeção, Marcelo diz que estimulou os executivos da Odebrecht a adularem o tucano. Em 2014, quando ele disputou o Planalto com Dilma Rousseff – terminou a corrida eleitoral em segundo lugar –, o próprio Marcelo afirma ter negociado os repasses a Aécio:
– A gente bancou durante 10 meses, para gastos pré-campanha, R$ 500 mil por mês.
Herdeiro de Emílio, foi Marcelo quem estendeu os tentáculos criminosos do Setor de Operações Estruturadas, onde as doações legais, ilegais e as propinas eram gerenciadas. Falando à força-tarefa da Lava-Jato, Marcelo foi taxativo sobre como encarava as ações:
– A gente achava natural caixa 2. Três quartos das campanhas no Brasil estimo que eram caixa 2. Virou um círculo vicioso. Então, nunca olhei como ilicitude eleitoral.
Não havia limites para a Odebrecht. A empresa comprava medidas provisórias, superfaturava contratos, remunerava assessores graduados para influenciar decisões de presidentes, financiava deputados, senadores, governadores e ministros. Era pródiga em distribuir agrados. Emílio conta como gastou R$ 700 mil para reformar o sítio usado por Luiz Inácio Lula da Silva em Atibaia (SP), no que seria uma surpresa ao ex-presidente.
Alexandrino de Alencar, ex-diretor de Relações Institucionais e responsável pela aproximação com políticos, descreve como aceitou pagar por 13 anos um "mensalinho" para o irmão de Lula, Frei Chico. Ex-militante comunista e com forte penetração nos sindicatos, Frei Chico teria recebido R$ 3 mil por mês – quantia depois reajustada para R$ 5 mil – durante todo o período em que o PT esteve no poder. Contrariando uma norma expressa da empresa, que proibia altos executivos de se envolver na remessa de dinheiro, Alexandrino fazia questão de fazer os pagamentos pessoalmente:
– Era irmão de Lula, do grande líder Lula. Tinha esse cartão de visita bastante importante.
Réu em cinco ações penais e com depoimento ao juiz federal Sergio Moro marcado para 3 de maio, Lula é alvo de outros seis pedidos de inquérito na lista de Fachin. Além do irmão, um dos filhos do petista, Luís Cláudio, também teria recebido uma mesada de R$ 50 mil durante três anos. Citando Golbery do Couto e Silva, ex-chefe da Casa Civil em governo militares, Emílio resgatou uma frase do general sobre Lula para explicar o comportamento do petista:
– Lula não tem nada de esquerda, nada de esquerda. Ele é um bon vivant. E é verdade, ele gosta de vida boa, de uma cachacinha.
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Apesar do montante bilionário do esquema de corrupção montado pela Odebrecht, os delatores praticamente não usam termos como propina ou suborno em seus depoimentos. Quase todos os repasses são classificados como "ajuda", "colaboração" e "doação". Para os executivos, embora a maior parte dos pagamentos fossem ilícitos, feitos em dinheiro vivo e de forma clandestina, em hotéis, restaurantes, escritórios e até mesmo bordéis, havia uma normalidade quase institucional na relação, como descreveu Marcelo:
– Não adianta nada você ser a melhor empresa do país se você, de algum modo, também não apoia financeiramente o projeto político.
O empresário diz que as operações da Odebrecht nos Estados Unidos e na Europa envolviam essencialmente engenharia, enquanto no Brasil e na América Latina havia uma troca de interesses em cada obra. Segundo Marcelo, a empreiteira fazia questão de sempre enviar os altos executivos para temporadas de trabalho no Exterior, onde iriam conhecer mercados onde há "concorrência real":
– Para terem uma visão de mundo, conviverem com concorrência efetiva, real, disputar baseado em produtividade.
Como no Brasil a produtividade era traduzida em cifrões, a direção da Odebrecht estimulava a corrupção a ponto de pagar bônus aos executivos conforme o sucesso nas tratativas de caixa 2 e propina. Num único ano, o prêmio pelo desempenho chegou a US$ 8 milhões. O gerenciamento dos repasses era feito em um software específico e todos os dados eram mantidos em servidores no Exterior para dificultar o rastreamento. Havia uma norma rígida para os pagamentos feitos no Brasil: tinham de ser em moeda local, conta Hilberto Silva, um dos coordenadores do Setor de Operações Estruturadas:
– Tinham pessoas que pediam: "Ah, ele vai viajar com a família, queria uma parte em real, uma parte em dólar". Dou os reais dele, ele vai num doleiro e compra o dólar. A moeda do país é real e é com ela que vamos trabalhar.
Com a experiência de quem atua na Odebrecht há 51 anos, Emílio se diz estupefato com a repercussão nacional que o escândalo causou. Para ele, a promiscuidade entre políticos e empresários é corriqueira há pelo menos três décadas:
– O que temos no Brasil não é um negócio de cinco, 10 anos. É coisa de 30 anos atrás. É institucionalizado. Me surpreende quando vejo todos esses poderes, a imprensa, agindo como se isso fosse surpresa. Me incomoda, embora não exime em nada a nossa responsabilidade, a nossa benevolência, pois praticamente passamos a olhar isso como normalidade.