Três depoimentos coletados pela Polícia Federal na Lava-Jato mostram que Porto Alegre estava na rota de repasses de dinheiro enviados pela empreiteira Odebrecht para campanhas políticas do PMDB. Um dos testemunhos-chave é do doleiro porto-alegrense Antônio Albernaz Cordeiro, o Tonico, preso em março de 2016 na Operação Xepa, 26ª fase da Lava-Jato.
Interrogado pelos agentes da Polícia Federal em Porto Alegre, Tonico detalhou como entregou R$ 1 milhão em seu escritório localizado na Avenida Ceará, na zona norte da Capital. Tonico, que seria solto cinco dias depois, disse ter recebido em 18 de agosto de 2014 a missão da secretária Maria Lúcia Guimarães Tavares, lotada no Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, responsável pelos pagamentos de propina da empreiteira. A mensagem determinava que ele entregasse o dinheiro a uma pessoa que se apresentaria como "Angorá".
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Tonico teria recebido o dinheiro em espécie de um emissário da construtora e usado seu escritório como entreposto do repasse. Aos investigadores, o doleiro não soube informar a identidade do homem que recebeu os recursos. Disse apenas que se tratava de um "senhor alto e totalmente grisalho, que se identificou pela senha Angorá".
Tonico informou ter estranhado a natureza da operação. Segundo seu próprio relato, ele prestava serviços à Odebrecht desde 2012 – a construtora era sua maior cliente –, mas o dinheiro sempre era depositado pela empresa em uma offshore que ele mantinha no Panamá. Embora não tenha fechado acordo de delação premiada, o doleiro citou pelo menos 22 operações feitas para a Odebrecht, em valores que nunca haviam superado R$ 100 mil por vez. Tonico descontava 3% de comissão para internalizar os recursos no Brasil.
Os repasses sempre eram de caixa 2, sobretudo para financiamento de campanhas políticas, mas jamais ele havia recebido tamanha quantia e em espécie das mãos de um emissário da Odebrecht.
– Ele sabia que a Odebrecht colaborava com campanhas políticas, mas não se envolvia. Apenas recebia dinheiro no Exterior e repassava aqui a emissários indicados pela empreiteira, um deles esse Angorá – descreve o advogado de Tonico, Antônio Tovo.
O advogado confirma a Zero Hora que as ordens para os pagamentos partiam dos diretores Fernando Migliaccio e Hilberto Mascarenhas, que também atuavam no Setor de Operações Estruturadas. Hilberto foi preso pela PF no mesmo dia em que Tonico. Migliaccio seria preso dias depois.
Em acordo de delação premiada, ambos dariam mais detalhes da entrega de R$ 1 milhão feita em Porto Alegre. Segundo os executivos, o dinheiro seria destinado a campanhas eleitorais do PMDB e teria como destinatário final o atual ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Nas planilhas apreendidas pela PF na casa de Maria Lúcia, o apelido Angorá não é de Padilha, mas sim de um aliado seu, o atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Moreira Franco. Na data do repasse, Moreira Franco era o titular da Secretaria de Aviação Civil do governo Dilma Rousseff. Conforme o depoimento dos dirigentes da Odebrecht, o dinheiro enviado a Tonico seria para uma central de distribuição de verbas para campanhas do PMDB, coordenada por Padilha.
Doleiro com larga atuação no ramo em Porto Alegre, Tonico é engenheiro agrônomo e já foi investigado em outras ocasiões por lavagem de dinheiro. Ele também teria operacionalizado verbas pagas pela Odebrecht a políticos como compensação após a vitória na licitação para as obras de extensão do trensurb até Novo Hamburgo. Os repasses também teriam ocorrido em 2014.
Contrapontos
Eliseu Padilha
A assessoria do ministro informou que ele não irá se pronunciar sobre o assunto.
Moreira Franco
Procurada por ZH, a assessoria do ministro informou que ele não decidiu se irá se pronunciar.